O valor das compensações pagas à EDP, por via dos custos de manutenção do equilíbrio contratual (CMEC), tem sido validado pelos governos desde que este mecanismo entrou em vigor. Os valores, que depois são refletidos nos preços da eletricidade, vêm da EDP e da REN (Redes Energéticas Nacionais), que é a compradora da energia produzida. São sujeitos a uma auditoria independente — desde 2011 tem sido a PwC — e são objeto de um parecer da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), que não é vinculativo. A sua aprovação compete à Direção Geral de Energia e Geologia, que funciona na dependência do Ministério da Economia, e ao membro do Governo que tem a tutela da energia, de acordo com respostas dadas pela ERSE ao Observador, que descrevem o circuito seguido para chegar ao cálculo do ajustamento anual — a que se chama de mecanismo de revisibilidade.

O procedimento vai mudar este ano, quando será fixado o valor final destes custos do sistema, ou rendas da EDP, para os próximos dez anos, até 2027, quando termina o último contrato CMEC. Este novo cálculo, que será elaborado pela primeira vez pela ERSE, dá a oportunidade ao Governo para baixar os montantes pagos à empresa ao abrigo deste mecanismo.

Os CMEC, que têm estado debaixo de fogo, são um mecanismo de compensação a um conjunto importante de centrais da EDP que anula o risco de mercado. Na prática, asseguram uma determinada receita, quando o preço e as quantidades vendidas ficam abaixo de um limite definido no contrato.

Contas do regulador, avançadas pelo Observador, mostram que o impacto nas tarifas da eletricidade das compensações pagas às centrais da EDP, através dos CMEC, atingiram os 2.500 milhões de euros nos últimos dez anos. Segundo o Expresso, o Governo terá já feito um cálculo provisório de que terão sido pagos 500 milhões de euros a mais nos últimos dez anos, valor que será exigido na sequência da definição final do valor das compensações, adianta o jornal.

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Contas ao valor final dos CMEC podem beneficiar preços em 2018

No entanto, e segundo as respostas dadas na semana passada pela ERSE ao Observador, as contas ainda não estão feitas. É preciso esperar pelo final do primeiro semestre, quando ficam disponíveis os dados necessários ao cálculo — valores de mercado, custos e quantidade de produção e que, segundo a lei, devem incidir sobre os valores verificados entre junho de 2007 e 30 de junho deste ano.

“Em consequência, o valor definitivo do ajustamento final apenas poderá ser determinado no segundo semestre de 2017.”

A ERSE esclarece ainda que não vai validar a correção dos valores pagos no passado à EDP, ou eventuais pagamentos em excesso, porque essas compensações (a tal revisibilidade dos custos dos CMEC) foram definidas anualmente até 2017, conforme a lei previa. A mesma legislação determinou que, a partir deste ano, o valor das compensações devidas à elétrica “será calculado, de forma prospetiva (para o futuro) um montante ajustamento final para os próximos 10 anos para as centrais com CMEC em vigor até 2017”, e que são 16. “Há portanto uma substituição da revisibilidade anual pelo designado mecanismo de ajustamento final.”

O valor final apurado pela ERSE será proposto para decisão final do Governo e a expetativa é de que as contas apontem para uma baixa das compensações futuras à EDP que permita já um impacto favorável nos preços da eletricidade a partir de 2018, cuja proposta é feita até 15 de outubro.

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Mas, sem uma alteração do decreto dos CMEC, e dos contratos assinados ao abrigo desta lei, a margem para exigir devoluções à EDP ou reduzir os encargos futuros não será assim tão grande. O Governo socialista tem recusado a ideia de rasgar contratos e o primeiro-ministro reafirmou esta semana que os contratos vão ser renegociados, “tendo em conta aquela que é a nova realidade”, mas dentro do “quadro legal” existente.

E, com o “quadro legal existente”, só haverá redução nas compensações se a EDP aceitar negociar os contratos. É nessa linha que se entende o endurecer do discurso político em relação à empresa e as exigências de cortes nas rendas, tirando partido da investigação judicial aos contratos de eletricidade que fragiliza a posição negocial da elétrica.

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O jogo do empurra

Com a exceção do valor apurado na investigação judicial, segundo o qual a empresa terá beneficiado de mais de mil milhões de euros com decisões políticas relacionadas com os contratos CMEC, não há outros números oficiais sobre as alegadas rendas excessivas pagas à EDP. A Comissão Europeia investigou ajudas de Estado nestes contratos, mas arquivou.

As suspeitas de ganhos anormais na EDP por via destes contratos foram também alvo de uma auditoria independente, em resposta a uma recomendação da Autoridade da Concorrência feita no final de 2013. O pedido surgiu depois de uma análise do regulador da energia, a ERSE, ter detetado um aumento extraordinário nos preços dos serviços de sistema cobrados pela EDP. Foi sinalizado um “risco de sobrecompensação” decorrente do ajustamento anual das compensações pagas à EDP e feita a recomendação ao Governo para rever o mecanismo de revisibilidade dos CMEC.

A auditoria independente foi encomendada pelo anterior Governo, mas o trabalho do Brattle Group só foi entregue no ano passado ao atual executivo. O relatório detetou ganhos anormais nas centrais da EDP em 2012 e 2013 e uma gestão estratégica das ofertas de disponibilidade entre centrais de mercado e centrais protegidas pelos CMEC. Mas não era conclusivo sobre a atuação intencional da empresa para obter benefícios.

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Na sequência desta auditoria, a ERSE e a Autoridade da Concorrência recomendaram ao Governo que equacionasse a devolução de pelo menos 47 milhões de euros (o ganho mínimo detetado pelo Brattle Group) pela EDP aos consumidores de eletricidade.

O Ministério da Economia devolveu as recomendações e as responsabilidades aos reguladores, para além de ter enviado o tema para a Comissão Europeia, para estes avaliarem no quadro das suas funções as consequências e eventuais sanções à elétrica. Quase um ano depois ainda não houve consequências para a elétrica, recordou este sábado o Público.

O anterior Governo e a ERSE já tomaram algumas medidas para controlar os custos da oferta de serviços de sistema da EDP, a partir de 2014, mas em relação aos ganhos do passado, até 2013, pouca coisa tem sido feita com impacto efetivo para a empresa, para além de auditorias e despachos. A ERSE não tinha à data destes acontecimentos competências sancionatórias. Depois do despacho do secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, a Autoridade da Concorrência abriu um processo de investigação por violação das regras da concorrência.

Já o regulador da energia veio esclarecer este sábado que irá integrar as “conclusões da auditoria ao mercado de serviços de sistema na sua atuação”, o que passa ainda pelo cálculo para a proposta das tarifas da eletricidade do próximo ano . Ou seja, os preços de 2018 poderão também beneficiar das conclusões da auditoria independente.

Como têm sido calculadas as rendas da EDP

Os cálculos das famosas rendas pagas todos os anos à EDP seguem um caminho determinado por lei, e fixado nos contratos, em relação ao qual há muito pouca margem para mexer, admitiram fontes contactadas pelo Observador. O papel da ERSE é sobretudo administrativo.

O Observador questionou o regulador para saber se os pareceres dados ao longo dos últimos anos mereceram dúvidas ou correções por parte da ERSE, mas a resposta confirma o limitado espaço de manobra nesta matéria.

“O parecer da ERSE não pode deixar de assentar no que é o quadro legal dos CMEC que se encontra aprovado — no essencial, o decreto-lei 240/2004 — pelo que as eventuais reservas que a ERSE possa levantar se circunscrevem a eventuais incumprimentos do que aquele regime legal define. Ainda assim, sem entrar no detalhe das considerações efetuadas pela ERSE, o regulador não deixou de efetuar, nos seus pareceres, referência a aspetos que lhe merecem, no mínimo, uma ponderação dos critérios de aplicação do próprio regime de CMEC.”

E existem pareceres emitidos pela ERSE que têm sido muito críticos do regime dos CMEC logo em 2005 quando fez a primeira avaliação à aplicação das regras aprovadas em 2004.

O valor das compensações devidas às centrais da EDP, também chamadas de rendas, é calculado a partir dos pressupostos definidos no decreto lei de 2004 que criou o regime dos CMEC (custos de manutenção do equilíbrio contratual), onde são indicadas as variáveis a considerar nas contas. Todos os anos, a EDP e a REN (Redes Energéticas Nacionais) apresentam as suas contas ao ajustamento anual dos custos de um ano que são calculadas a partir dos seguintes dados:

  • Consumo de energia elétrica
  • Preços do mercado de eletricidade
  • Preços dos serviços de sistema
  • Preços de combustíveis
  • Preços de CO2
  • Disponibilidade das centrais e das afluências de água às centrais hídricas

Face ao período decorrido desde a determinação do ajustamento anual dos CMEC até à sua homologação, o montante definitivo deste ajustamento é considerado no cálculo tarifário dois anos após o ano a que diz respeito (por exemplo, o montante definitivo do ajustamento dos CMEC de 2016 é incorporado no cálculo das tarifas de 2018).