O que é que está em jogo este domingo?

De forma resumida, está em jogo a Assembleia Nacional com a qual o Governo de Emmanuel Macron terá de lidar nos próximos cinco anos. O sistema político francês, assente num modelo semi-presidencialista, concede o poder legislativo à Assembleia Nacional. Além de convir ao Presidente que os parlamentares estejam do seu lado para fazer leis — caso contrário, o processo legislativo complica-se —, a Assembleia Nacional tem também o poder de aprovar, ou não, o primeiro-ministro e os ministros escolhidos pelo Presidente.

Já houve situações em que Presidente e a Assembleia Nacional não tinham as mesmas cores. Entre 1986 e 1988, o Presidente era o socialista François Mitterand — mas teve de trabalhar com um primeiro-ministro conservador, que era Jacques Chirac. Mais tarde, entre 1993 e 1995, o ainda Presidente François Mitterand vltou a repetir a dose, mas já com o primeiro-ministro conservador Édouard Balladur. E, quando foi a vez de Jacques Chirac como Presidente, não se escapou a um executivo socialista, liderado por Lionel Jospin, entre 1997 e 2002.

A questão é que, segundo as sondagens, as contas que todos os políticos referidos no parágrafo anterior foram obrigados a fazer não deverão sequer passar pela cabeça de Emmanuel Macron, que poderá vir a ser apoiado na Assembleia Nacional por uma maioria histórica.

Como funcionam estas eleições?

Tal como as presidenciais, as eleições legislativas francesas funcionam num sistema a duas voltas. Mas as semelhanças ficam por aí. Nas legislativas, em vez uma lista única, há 577 círculos eleitorais — um para cada deputado da Assembleia Nacional.

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Depois da primeira volta, em que todos os candidatos podem concorrer, segue-se a segunda, mais restrita. A ela têm acesso geralmente apenas dois candidatos — mas há regras específicas que podem levar até quatro concorrentes na segunda volta, mas os casos são raros. Também há situações, igualmente raras, em que a segunda volta não chega a existir — basta que um candidato vença com mais de 50% dos votos e que nele tenham votado mais de 25% dos eleitores inscritos. Foi o caso de quatro deputados — dois do República Em Marcha, outro da UDI (direita) e um independente de esquerda.

Nestas eleições, como é próprio dos sistemas de círculos uninominais, pouco importa que o vencedor vença com 0,5%, 5% ou 50% de vantagem sobre os seus adversários. Basta, apenas, que vença. Este fator pode levar a grandes desequilíbrios entre aquilo que é a percentagem de votos em cada partido e a sua representação na Assembleia Nacional. Prova disso é a sondagem da OpinionWay, que prevê que 58% dos eleitores votem em candidatos do República Em Marcha — mas que, ao mesmo tempo, prevê que aquele partido venha a controlar entre 72,3% e 81,5% da Assembleia Nacional.

Quais foram os resultados na primeira volta?

Em termos de percentagens, os resultados foram estes:

República Em Marcha + Modem – 32,33%
Os Republicanos + UDI + Indep. Direita – 21,56%
Frente Nacional – 13,20%
França Insubmissa – 11,03%
Partido Socialista + Partido Radical de Esquerda + Indep. Esquerda + Verdes – 13,81%
Partido Comunista — 2,72%

Porém, o que estes números não sugerem é o desequilíbrio entre os círculos eleitorais conquistados pela coligação pró-Macron e todos os outros partidos que se lhe opõem.

Ao todo, entre os 577 círculos em causa, o República Em Marcha e o MoDem apareceram à frente em 449 — isto é, 77,8% do total. A direita, liderada pel’Os Republicanos, surge à cabeça em 67 círculos eleitorais, o que perfaz 11,6% a nível nacional. Depois, o Partido Socialista e os seus aliados ganharam a primeira volta em 27 círculos (4,7%); a Frente Nacional ganhou a primeira volta em 20 círculos (3,5%); a França Insubmissa e o Partido Comunista Francês surgiram em primeiro em oito (1,4%).

Para ter uma ideia do desequilíbrio em questão, veja o mapa em baixo. Escusado será dizer, os círculos onde a coligação pró-Macron ganhou estão em amarelo.

As sondagens/projeções dão vitória a quem?

De longe, as sondagens preveem uma esmagadora maioria para os deputados da aliança do República Em Marcha (força fundada por Emmanuel Macron, em 2016, para lançar a sua campanha) com o MoDem (centrista, de François Bayrou, candidato que desistiu a favor de Macron nas presidenciais). As projeções são claras: na segunda-feira, França poderá acordar sob uma autêntica revolução Macron. Isto porque, dos 577 assentos da Assembleia Nacional, as projeções preveem que a aliança macronista vá ter, pelo menos, 400 deputados — ou seja, 69,3% da Assembleia Nacional. Há até projeções, como a da OpinionWay, que vão até 470. Isto é, 81,5% dos deputados.

Em segundo lugar, também segundo a OpinionWay, deverão surgir Os Republicanos, com 60-80 deputados; o Partido Socialista e os seus aliados, com 22-35; o Partido Comunista Francês e o França Insubmissa, que hão-de dividir entre eles 5 a 15 deputados; a Frente Nacional, entre 1 a 5; e outros partidos mais pequenos, com 3 a 10 parlamentares.

Os números são tão avassaladores para o República Em Marcha que, numa sondagem da Elabe para a BFMTV, 53% dos inquiridos disseram estar “incomodados” por verem a aliança de Emmanuel Macron a chegar além dos 400 deputados. Além disso, 61% disseram desejar que a segunda volta “corrija [o resultado da] primeira volta com uma maioria menos importante do que é esperado”.

A abstenção foi historicamente alta na primeira volta. Qual é a tendência para a segunda?

Nunca é demais repetir: a abstenção na primeira volta das eleições legislativas francesas foi histórica. Feitas as contas, a taxa de abstenção foi de 51,3% — o que, além de ser o número mais alto, é também a primeira vez que essa taxa passa a barreira dos 50%.

E agora, na segunda volta? Segundo a sondagem da OpinionWay, a abstenção vai voltar a subir, parando apenas nos 54%. O número é engrossado muito graças aos eleitores da extrema-esquerda e da extrema-direita que, depois de verem os seus candidatos a serem eliminados na primeira volta, não estão dispostos a sair de casa para votar num “mal menor”.

Olhando para as últimas três eleições legislativas (2002, 2007 e 2012), a tendência foi precisamente essa: na segunda volta, há menos pessoas a sair de casa para votar.