Acontece todos os dias, por volta das 10h30, através de videoconferência. Com as câmaras ligadas nas respetivas sedes, uma junto ao aeroporto de Lisboa, a outra em Carnaxide, três responsáveis do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), geralmente Nuno Moreira, responsável pela Divisão de Previsão Meteorológica, Vigilância e Serviços Espaciais, a meteorologista Ilda Novo, e o profissional que esteve de serviço durante a noite, informam os colegas da Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) das previsões de tempo recolhidas para esse dia.
Apesar da relação próxima, que faz com que a ANPC tenha acesso em tempo real a toda a informação recolhida pelo IPMA, não há reunião que não seja gravada, por questões de segurança. “Há uns anos houve um problema relativamente à informação que tínhamos dado verbalmente acerca de um assunto, a partir daí passámos a manter registo dos briefings”, explica ao Observador Jorge Miguel Miranda, o presidente do IPMA.
Foi isso que aconteceu na passada sexta-feira de manhã, quando, prevendo temperaturas acima dos 40ºC para várias regiões do país no fim de semana, o IPMA colocou sob alerta vermelho, o mais elevado numa escala de quatro, os distritos de Lisboa, Santarém, Setúbal e Bragança e avisou que nove distritos apresentavam risco máximo de incêndio: Bragança, Guarda, Viseu, Castelo Branco, Faro, Beja, Portalegre, Santarém e Vila Real. “O de Leiria não estava entre eles, Leiria estava laranja, o grau imediatamente abaixo”, diz Miguel Miranda.
Ainda assim, como comprovam várias notícias publicadas sábado de manhã, apesar da canícula, havia a previsão de aumento de nebulosidade nas regiões do interior, com possível ocorrência de chuva fraca e trovoada. E aí, a zona afetada pelo incêndio que causou a morte a pelo menos 64 pessoas, nesse mesmo dia, estava entre as sinalizadas: “Para aqueles locais, Pedrógão Grande, Castanheira de Pêra e Figueiró dos Vinhos, fizemos previsões de ocorrência de trovoadas. Secas, no sentido em que não estava prevista chuva. Daí até podermos concluir que se ia obter um desastre destas dimensões vai uma grande distância”, garante Miguel Miranda, afastando qualquer hipótese de negligência. Por parte do IPMA ou da ANPC: “A Proteção Civil tem de posicionar os seus meios de forma a poder socorrer as populações em todo o país. Havia um alerta generalizado, esperávamos temperaturas próximas dos máximos históricos em junho — e só por isso é que a Proteção Civil conseguiu ter meios no local tão rapidamente”, diz.
Como Maria João Frada, meteorologista do IPMA, já tinha explicado ao Observador, é “normal” as trovoadas secas provocarem incêndios. Na zona de Pedrógão Grande, pode ter sido o que aconteceu, numa conjugação letal de eletricidade com solo seco, tempo quente e ausência de humidade. E foi essa a conclusão a que chegou a polícia científica da PJ.
Com o relatório encomendado pelo primeiro-ministro António Costa e pela Polícia Judiciária (PJ) em curso (e a cargo do meteorologista Ricardo Tavares), o presidente do IPMA recusa falar sobre o raio que terá caído numa árvore em Escalos Fundeiros. Ou confirmar sequer que foi essa a causa do incêndio: “Tivemos a indicação do ponto exato, agora vamos ver se há evidência ou não, estamos a fazer o processamento dos dados do radar e da rede de descargas elétricas para determinar a existência de descargas relacionadas com a deflagração do incêndio. Amanhã ou depois já devemos ter resultados”.
Pedrógão Grande. O que é a trovoada seca e como pode provocar um incêndio?
Apesar de ser possível prever com “três ou quatro dias” de antecedência a probabilidade de ocorrência de trovoadas, em determinadas zonas do país, é impossível saber antecipadamente onde os relâmpagos vão cair, explica Miguel Miranda. Aliás, o registo exato dos pontos onde a eletricidade é libertada só pode ser obtido após a validação de meteorologistas, sendo os dados relativos às descargas elétricas atmosféricas no país, constantes do site do IPMA, “informação primitiva, com certo erro, claro”.
Sobre a polémica levantada pelo escritor Pedro Almeida Vieira, que acusou esta terça-feira o IPMA de forjar e ocultar dados sobre as descargas elétricas registadas no passado sábado na zona onde o fogo deflagrou, Miguel Miranda é categórico: “Dizer que retirámos ou inventámos dados para desresponsabilizar alguém, dando a ideia de que existe uma conspiração, é uma acusação absurda que recuso liminarmente”.
De acordo com o presidente do organismo, a informação relativa às descargas elétricas só está disponível durante dois dias porque o objetivo da disponibilização dos dados em bruto e por tratar, é dar informação utilizável às populações. Vários dias depois, deixa de fazer sentido a partilha de informações não tão exatas quanto isso, diz.
Acedendo ao site, é fácil perceber que é sempre assim e não uma regra criada para o momento, ainda assim isso não responde à acusação de Pedro Almeida Vieira, a que o Público deu eco, de que a partir da hora de almoço de domingo as informações relativas a sábado teriam deixado de estar online: “Nós, como toda a gente, também temos falhas de servidores. Mas a informação existe e pode ser consultada. Se alguém a pedir pode ter acesso a ela”.
O processo de a apurar, revela o presidente do IPMA, é sempre o mesmo: há no país quatro conjuntos de antenas, colocadas em Olhão, Alverca, Braga e Castelo Branco e ligadas à rede espanhola idêntica. De cada vez que há uma descarga elétrica, o sistema localiza automaticamente o local onde ela ocorreu — e aparece um ponto colorido no mapa partilhado em tempo real no site do IPMA. “É informação primária, com margem de erro considerável, para ter uma precisão ao quilómetro é preciso validar o resultado, analisar os erros que o sistema atribuiu, ver as estações que foram utilizadas para determinar a localização. Só assim se pode ter uma informação séria e científica”, garante. “Através da rede de radares meteorológicos — há um em Arouca, outro em Loulé, outro em Coruche — geralmente conseguimos identificar as células de convecção que dão origem às descargas elétricas no terreno. É isto que está a ser feito agora.”
Às críticas que se têm feito ouvir ao IPMA e à ANPC, o presidente do organismo responde com mordacidade: “Depois de acontecer o fenómeno é fácil dizer que devíamos ter dado mais valor à instabilidade atmosférica, isso é muito fácil. Juntamente com o ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas), somos capazes de dizer que o risco de incêndio é maior numa zona ou outra, agora adivinhar onde vai acontecer um incêndio simplesmente não é possível. A essas pessoas que andam aí a dizer que sim, peço-lhes só que me digam onde é o próximo fogo. Digam-me onde é o próximo e até lhes dou emprego!”