Qual foi a decisão tomada pelo Juízo de Instrução Criminal de Lisboa?

A juíza Ana Cristina Carvalho pronunciou para julgamento Armindo Pires, procurador de Manuel Vicente, e decidiu enviar os autos para julgamento nos exatos termos da acusação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP). Consequência? Tal decisão implica, no entendimento do Ministério Público (MP) e do advogado Paulo Sá e Cunha (do escritório Cuatrecasas), o julgamento de Pires e dos restantes três arguidos (Manuel Vicente, vice-presidente de Angola, o procurador Orlando Figueira e o advogado Paulo Blanco).

Quer isto dizer que Manuel Vicente será julgado em Portugal por alegada corrupção ativa do procurador Orlando Figueira (cliente de Sá e Cunha) para alegadamente conseguir o arquivamento de um inquérito que corria no DCIAP contra si. O n.º 2 do Governo angolano terá ainda de responder pelo crime de branqueamento de capitais.

O que levou à acusação de corrupção contra Manuel Vicente?

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Por que razão a defesa de Manuel Vicente argumenta que o n.º 2 de Angola não foi pronunciado?

Por dois factos e uma interpretação da lei.

Os factos:

  • Manuel Vicente ainda não foi formalmente constituído arguido por corrupção ativa e branqueamento de capitais. A defesa diz que o Ministério Público nunca notificou o ex-presidente da Sonangol em Angola — facto que o MP já confirmou, alegando que as autoridades judiciais angolanas garantiram que nunca cumpririam uma carta rogatória com essas características;
  • Manuel Vicente ainda não foi notificado da acusação do DCIAP, pois a Procuradoria-Geral da República de Angola recebeu uma carta rogatória com a notificação mas decidiu solicitar um parecer ao Tribunal Constitucional de Angola sobre as imunidades a que Vicente tem direito enquanto n.º 2 do Governo de José Eduardo dos Santos. Só depois da emissão desse despacho, será decidido cumprir ou não o pedido das autoridades portuguesas.

A interpretação:

  • O advogado Rui Patrício entende que a decisão instrutória conhecida esta quarta-feira tem apenas a ver com os arguidos do processo — condição processual que Manuel Vicente não tem neste momento nos autos. Logo, entende que não foi tomada nenhuma decisão sobre o seu cliente.

Já o MP considera que a lei portuguesa permite a acusação contra alguém que não tenha sido constituído arguido, bem como o prosseguimento dos autos para julgamento. Ana Cristina Carvalho, juíza de instrução criminal do caso, concordou com o MP.

Certo é que os autos foram enviados para julgamento. E agora?

Os autos vão mesmo ser enviados para a fase de julgamento. De acordo com a lei, o tribunal de julgamento que receber os autos vai ter que analisar, em primeiro lugar, a questão de Manuel Vicente, nomeadamente o facto de o n.º 2 de Angola ainda não ter sido notificado da acusação nem ser arguido nos autos.

Nesse contexto, será analisada a possibilidade da emissão de uma declaração de contumácia. Isto é, caso o tribunal não consiga notificar o arguido da acusação que será julgada, bem como do despacho com a data da primeira audiência, Manuel Vicente deverá ser notificado por editais para apresentar-se em tribunal num prazo de 30 dias.

Se não o fizer, será declarado contumaz pelo juiz presidente do tribunal de julgamento.

Se o fizer, poderá requerer a abertura de instrução, sendo obrigatória a separação de processo no que diz respeito aos factos que lhe são imputados. Isto é, no que diz respeito ao governante angolano os autos regressariam à fase de instrução. No caso de pronúncia, os autos poderiam voltar a ser juntos aos dos restantes arguidos.

O que acontece se Manuel Vicente não comparecer?

Se o vice-presidente de Angola optar por não aparecer no tribunal que vai julgar os autos da Operação Fizz, o Tribunal poderá emitir mandados de detenção internacional para Manuel Vicente ser detido e levado à presença de do coletivo de juízes que o julgará. Do ponto de vista prático, tal hipótese de emissão de um mandado de detenção impediria a sua saída de Angola.

Esse é um cenário extremo com fortes implicações políticas e diplomáticas mas é uma hipótese teórica em aberto.

A concretizar-se, o tribunal teria de aguardar que Manuel Vicente fosse detido antes de iniciar-se o julgamento.

Manuel Vicente pode ser julgado à revelia?

Não. Como ainda não foi constituído arguido, não ficou estabelecido nos autos o seu termo de identidade e residência.

O que diz a defesa de Manuel Vicente?

Rui Patrício, que assegura a defesa do n.º 2 de Angola, refuta qualquer um dos cenários acima referidos.

Em primeiro lugar, a defesa entende que ainda poderá recorrer para a Relação de Lisboa no que diz respeito à decisão da juíza de instrução Ana Cristina Carvalho de recusar a separação dos processos. O prazo ainda está a correr.

Contactado pelo Observador, Patrício afirmou que “sobre matérias de eventuais recursos sobre decisões tomadas pelo tribunal de instrução criminal, não quero fazer nenhum comentário. A não ser que os respetivos prazos ainda estão em curso”.

Do ponto de vista prático, a defesa de Manuel Vicente entende que o processo deve ser separado e, em última instância, deve ser enviado para prosseguir Angola para aí prosseguir os seus termos.

Tudo porque, alega a defesa, o vice-presidente da República de Angola tem direito a imunidades que decorrem da legislação que se aplica, em primeiro lugar, ao presidente da República de Angola.

Tal imunidade impede, no entendimento da defesa de Vicente, a legitimidade da ação penal do Ministério Público português. Além do mais, acrescenta a defesa, a Convenção da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e decisões do Tribunal Internacional de Justiça que reconhecem o papel internacional das imunidades a que um titular de cargo político tenha direito por lei nacional.

Qual a conclusão?

Que vamos ter mais uma batalha jurídica que poderá agravar-se se os tribunais superiores derem razão à defesa de Manuel Vicente.