O embaixador de Chipre em Lisboa, Andreas Ignatiou, considera que a segurança e a retirada das tropas turcas será a questão central nas próximas negociações diretas sobre a reunificação do país que recomeçam quarta-feira em Genebra.

É óbvio que o capítulo mais importante das atuais negociações é a questão da segurança. O que chamamos questão da segurança e garantias. É a retirada das tropas turcas”, assinalou em entrevista esta quinta-feira à Lusa o novo representante diplomático da República de Chipre, em funções desde meados de maio.

As negociações sobre a reunificação de Chipre, a ilha dividida do Mediterrâneo oriental, vão recomeçar em Genebra após uma interrupção do processo, entretanto ultrapassado após uma intervenção direta do secretário-geral da ONU, António Guterres.

Após um encontro com Guterres na sede da ONU, em 4 de junho, o Presidente da República de Chipre, Nikos Anastasiades, e o líder da comunidade cipriota turca, Mustafa Akinci, concordaram em retomar o diálogo direito, com o enviado e mediador das Nações Unidas para Chipre, Espen Barth Eide, a referir-se “a uma oportunidade histórica”.

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O embaixador cipriota prefere assinalar um “momento histórico”, devido aos “muitos progressos” nas negociações registados nos dois últimos anos, quando as duas partes decidiram retomar em maio de 2015 o diálogo de forma contínua, e considera que em Genebra vai decorrer um “processo aberto e ainda não definitivo”.

Na cidade suíça, como tem sido habitual, também estarão representadas as “potências garantes” da independência de Chipre (Grécia, Turquia e Reino Unido), e um observador da União Europeia (UE). Na última ronda negocial em janeiro, António Guterres também optou por participar em alguns dos encontros.

Andreas Ignatiou recordou que existem seis capítulos que estão a ser negociados, desde as questões territoriais ao regresso dos deslocados às suas regiões de origem, sistema político, governação, economia ou relações com a União Europeia.

“Houve grandes progressos em cinco deles, à exceção do sexto. Ainda não começámos a negociar o capítulo da segurança”, assinalou, exemplificando com seis copos numa mesa, com cinco quase cheios e um “totalmente vazio”.

O decisivo capítulo sobre segurança e garantias começou a ser abordado em janeiro, mas sem quaisquer resultados até à interrupção das conversações.

Infelizmente o ministro dos Negócios Estrangeiros da Turquia [Mevlüt Çavusoglu] rejeitou discutir a substância desta questão. Agora, há a oportunidade de comprovar qual será a vontade política da Turquia. Se a Turquia toma a decisão, ou não, de discutir o capítulo da segurança”, assinalou.

As Nações Unidas, que possuem há mais de 40 anos um contingente de ‘capacetes azuis’ em Chipre, poderão supervisionar a aplicação de um eventual acordo de segurança, e quando os líderes das duas comunidades já concordaram que a solução pós-reunificação deve assentar num Estado federal, bicomunal (duas comunidades distintas) e bizonal (duas zonas administrativas).

A excessiva “dependência” da liderança cipriota turca face a Ancara tem permanecido outros dos temas cruciais deste prolongado diálogo, que já conheceu numerosos revezes, com a Grécia e a República de Chipre a manifestarem consonância de posições.

Assim, Atenas e Nicósia (a cidade permanece dividida por uma linha de separação) têm defendido o fim do estatuto das “potências garantes”, em vigor desde a independência desta ex-colónia britânica em 1960, num país que entretanto se tornou membro de pleno direito da UE. “Em Chipre, existe uma pressão real de 40.000 tropas que estão estacionadas na parte ocupada de Chipre”, refere a propósito o diplomata.

“Não podemos falar sobre uma disponibilidade livre por parte comunidade cipriota turca. Se a comunidade cipriota turca estivesse só nestas negociações, se decidissem por si próprios, tenho 100% de certeza de que o problema de Chipre estava resolvido há muito tempo. Porque é do interesse dos compatriotas cipriotas turcos obter uma solução”, assegurou. Nesta perspetiva, o representante diplomático de Chipre remeteu para a situação na região, e a atual política interna da Turquia.

“Qual o dilema da liderança cipriota turca, seguir a política da Turquia e permanecer sobre pressão militar, ou viver num Chipre unificado e serem cidadãos da UE, com todos os benefícios e liberdades?”, interrogou-se Andreas Ignatiou.

Chipre permanece dividido desde a invasão de 1974 pelas tropas turcas do terço norte da ilha, após um fracassado golpe de Estado ultranacionalista apoiado pela junta militar no poder em Atenas, que pretendia a união de Chipre à Grécia.

A República de Chipre (parte grega da ilha e internacionalmente reconhecida), aderiu à UE em 2004. Previamente, a liderança cipriota turca optou por autoproclamar em 1983 a República Turca de Chipre do Norte (RTCN, apenas reconhecida por Ancara), com a Turquia a manter cerca de 40.000 soldados neste território.