As palavras otimistas de Mario Draghi e a reação, aparentemente excessiva, dos mercados aos seus comentários sobre o futuro da política monetária acabaram por marcar o retiro dos banqueiros centrais organizado pelo Banco Central Europeu, que se realizou pelo quarto ano consecutivo em Sintra, apesar de a discussão pretendida ser sobre investimento e inovação para criar maior crescimento nas economias avançadas.

O presidente do Banco Central Europeu passou na primeira noite uma mensagem otimista sobre o futuro da recuperação económica na Europa e a descrever os profetas da desgraça, e os populistas, que antecipavam o fim da União Europeia e do euro como “sussurros que mal se ouvem”.

No dia seguinte, no discurso da abertura oficial da conferência, Mario Draghi tentou passar uma mensagem otimista sobre a retoma económica na União Europeia e ao mesmo tempo dizer que ainda são precisos os estímulos monetários que o BCE meteu em risco, numa altura de pressão de países mais conservadores, como a Alemanha, para a retirada dos estímulos.

O resultado foi uma subida de 1,4% do euro, o maior aumento num ano, e alguma apreensão pelo que terá sido uma leitura excessiva dos mercados, como noticiou a Bloomberg.

Pelo meio, houve muitas discussões sobre o futuro das economias, sobre inovação tecnológica, sobre o impacto das super empresas no emprego e no investimento e até sobre a base eleitoral de Donald Trump. Aqui ficam algumas das coisas discutidas no Forum do BCE este ano

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Não, os robôs não nos estão a roubar os empregos…ainda

No que à conferência propriamente dita diz respeito, discutiu-se como a inovação tecnológica está (ou não) a afetar o emprego, com David Autor e Anna Salomons a dizer aos participantes que não é preciso ter medo da inovação tecnológica – ainda não – porque esta até está a contribuir para criar emprego.

Segundo o economista do MIT, se olhássemos para as indústrias uma a uma, poderíamos concluir que a inovação tecnológica está a roubar empregos, principalmente nas indústrias onde estão os trabalhadores menos qualificados, mas o contágio positivo a outras indústrias acaba por criar emprego que compensa essas perdas e ainda é positivo, ainda que não por muito.

Ou seja, não se preocupem com os robôs, mas tenham atenção às pessoas que estão a ficar para trás e sem empregos, especialmente os trabalhadores menos qualificados, de indústrias que precisam cada vez menos de mão humana para funcionarem.

Os monopólios estão a estrangular o investimento

O economista francês Thomas Philippon quis perceber se há falta de investimento na Europa e nos Estados Unidos e porquê e os resultados a que chegou são mais animadores para o velho continente.

A falta de investimento na Europa é um problema cíclico, mais relacionado com as taxas de juro e os constrangimentos provocados pela crise da dívida e nos bancos europeus, assim como a falta de procura. Ou seja, à medida que a retoma ganhar força, o investimento também deve recuperar.

Já no caso norte-americano, a situação é mais estrutural. Segundo o francês, os monopólios e a falta de concorrência em alguns mercados, resultado também da formação de super empresas, não cria incentivos para que estas invistam mais.

Trump foi esperto, mas ser populista não chega

Convidado estrela da conferência, agora à civil como o próprio diz, o ex-presidente da Reserva Federal dos Estados Unidos Ben Bernanke veio a Portugal e falou muito sobre os Estados Unidos, com algumas críticas aos atuais governantes, mas também a quem durante anos não prestou atenção ao que as causas da globalização acabaram por criar: uma passadeira vermelha para Donald Trump; muito sofrimento para os mais frágeis.

Curiosamente, disse Ben Bernanke, para corrigir o que causou a onda de revolta que acabou por o eleger, Donald Trump não é suficientemente populista como Presidente. É preciso fazer mais. E só olhar para os números do crescimento económico não chega, é preciso prestar atenção aos perdedores das mudanças económicas e apoiá-los.

Orçamento comunitário a pagar reformas?

É uma ideia ambiciosa, não sabemos se chegará a ser proposta. Marco Buti, o diretor da poderosa Direção-Geral de Assuntos Económicos e Financeiros da Comissão Europeia fez uma análise pouco simpática do resultado das políticas de austeridade na Europa, nas quais a Comissão esteve profundamente envolvida – em especial nos resgates a Portugal, Irlanda e Grécia -, considerando que estas deterioraram a qualidade das finanças públicas.

O italiano mostrou dados que colocam Portugal como o país que mais cortou no investimento em educação, mais até que a Grécia, durante o período mais agudo da crise, um dos exemplos de má austeridade a seu ver.

O responsável europeu defendeu a necessidade de reformas estruturais, mas antevê que estes esforços vão começar a reduzir-se, até porque estas reformas custam dinheiro e há regras orçamentais para cumprir. Para contornar, sugere, o orçamento comunitário ajudar a pagar estas reformas pode dar um incentivo para que os países avancem estas mudanças difíceis. Um último ponto, a flexibilidade que existe nas regras orçamentais europeias, não chega e é difícil de aplicar.

Quem mais beneficiou dos estímulos do BCE?

O economista de Harvard, Philipe Aghion, numa muito animada (e agitada) apresentação, defendeu o trabalho de Mario Draghi, apresentando mesmo o seu paper como um tributo do presidente do Banco Central Europeu, em especial no que diz respeito aos estímulos monetários.

No artigo que apresentou perante os banqueiros centrais, o francês defende que quem mais beneficiou do programa de compra de dívida do BCE foram os países mais endividados, mas também com maior concorrência.

O economista argumentou que o elevado endividamento impede maiores níveis de crescimento, mas nos países onde a concorrência é menor, onde a regulação não existe ou a que existe permite maiores concentrações e monopólios, os resultados do programa de compra de dívida foram menores.