Na gíria futebolística, “chocolate” não é bem, bem o mesmo que chocolate. Na verdade, dar “chocolate” a um adversário no futebol não lhe adoça propriamente a boca; seca-a. É que é tanto maior o “chocolate” quanto menos na bola o adversário meter o pé, arfando atrás dela o tempo todo ou quase todo. Não, o Chile não deu “chocolate” à Alemanha na primeira parte — seria redutor dizê-lo. O que o Chile deu (os “Oompa-Loompas” chilenos por comparação com os matulões do outro lado) foi a fábrica do Willy Wonka inteira.

Alguns dirão que o futebol deste Chile de Pizzi é anárquico. Até “suicida”. Não é. O futebol do Chile é treino, muito treino. E inteligência — para saber transpor o treino para quando é “a doer”. Cada futebolista chileno sabe exatamente o que fazer quando tem e quando não tem a bola: quem pressiona quem, se o faz individualmente ou em coletivo, a quem desmarcar quando se recupera a bola, para onde se desmarcará quem a vai receber, quando é tempo de defender a tática é 4-4-2, quando é tempo de atacar (em contra-ataque ou em ataque organizado) é 3-5-2, tudo feito com alta intensidade, veloz e bem.

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Médios são quatro: Díaz, Aránguiz, Hernández e Vidal – Vargas e Sanchéz estão logo à frente deles. Mas nenhum é ofensivo ou defensivo, nenhum é interior ou ala. Aqui todos são tudo. E tentam estar em toda a parte. Foi a rotação dos médios chilenos que não permitiu que os alemães (Rudy, Kimmich, Goretzka ou Draxler) neles se encaixassem. Sempre que a Alemanha tentava sair a jogar desde a defesa, lá estava um chileno a correr desalmadamente e a surripiar a bola. Sempre que o Chile atacava, quando um alemão lá chegava já a bola tinha ido à vida dela. Simples. Aparentemente simples.

Werner e Stindl, os dois avançados da Alemanha, não tocavam na bola – pois esta nem chegava lá à frente. Mas o Chile, apesar do domínio todo que se lhe via, não o converteria em golos: só rematava (sem sucesso) de fora da área e era useiro e vezeiro de cruzamentos que invariavelmente um central da Alemanha cortava. A melhor ocasião dos chilenos foi aos vinte minutos da primeira parte. À entrada da área, ligeiramente descaído para a direita e com a baliza em mira, Vidal chuta cruzado e forte, ter Stegen defende para a frente, Sanchéz tentou fazer a recarga mas errou o alvo. Estava isolado e só com o guarda-redes alemão pela frente, Sanchéz.

Lembra-se de Werner e Stindl, os habitantes de uma “ilha” alemã na defesa do Chile? Pois bem, vinte e um longos minutos sem ver a “menina” e eis que dão razão (uma vez mais) à teoria de Gary Lineker. A frase já foi citada demasiadas vezes, reinventada outras tantas, mas o que Gary Lineker — o tal Lineker que fez golos a perder de conta no Leicester, no Everton, no Barcelona ou no Tottenham — realmente disse foi: “O futebol é um jogo em que vinte e dois homens correm atrás de uma bola e, no fim, ganha a Alemanha.” Ípsis vérbis. E Lineker sabe do que fala. O avançado inglês marcou contra os alemães na meia-final do Mundial de 1990, em Itália. O jogo terminou empatado no tempo regulamentar. Nos penalties, Pearce e Waddle falhariam a conversão e a Alemanha lá seguiria em frente.

Mas voltando ao estádio Krestovsky, em São Petersburgo: Marcelo Díaz foi “anjinho” – e isso em finais paga-se habitualmente caro. Era o último dos chilenos e estava à entrada da sua área. Werner e Stindl pressionaram-no, vindo cada um de seu lado. Díaz driblou Stindl. Não driblaria Werner, este seguiu para área, esperou que o guarda-redes Bravo saísse aos seus pés e, quando este saiu, entregou a bola mais à direita, no isolado Stindl, que só precisou de encostar para o golo alemão: 0-1 na final.

Na segunda parte, e depois de tanto correr, suar na primeira, o Chile haveria de quebrar. Não pressionou tanto quanto antes, não atacou tanto também. A Alemanha foi “matreira” e apenas pela certa se deixou ver no Krestovsky. Não há muito o que contar, ocasiões de golo quase não se viram. E quando o futebol escasseia — e o sangue é latino e fervilha –, vem ao de cima o pior: a violência. Aos sessenta e quatro minutos, e depois de uma disputa de bola, Jara cortou a bola e daria em seguida uma cotovelada na cara de Werner. O árbitro Milorad Mazić foi alertado pelo vídeo-árbitro da agressão, dirigiu-se a uma monitor, viu o que aconteceu com os próprios olhos e, de regresso ao relvado, deu… amarelo a Jara. Errou, Mazić.

O mesmo Milorad Mazić que daria cinco minutos de tempo extra. O mesmo que assinalaria livre à entrada da área alemã no derradeiro sopro da final. Era o tudo ou nada. Sanchéz ajeitou a bola, voltou a ajeitar, respirou fundo, chutou em arco e para a direita, ter Stegen viu a bola partir e foi desviá-la in extremis, rente ao poste e num golpe de luva direita. O livre de Sanchéz não deu em nada. E a Taça das Confederações ficou mesmo com os do costume. A taça… e um “chocolate” para se entreterem na viagem de volta a casa.