Já as sardinhas estavam no prato quando, ali mesmo ao lado da esplanada, começava a ouvir-se uma banda a tocar xilofone e percussão. Perguntei a um colega se sabia quem eram e a resposta foi “não faço ideia, mas não interessa, eles são bons”. Pouco depois, já no meio da rua e da multidão, uma senhora comentava com outra: “A minha filha quer ir ver um não-sei-quê Leão”.

Estes dois momentos ajudam a definir o Festival MED: do lado da música, bandas e artistas de qualidade, muitos deles (a maioria?) desconhecidos para o público; socialmente, um evento que esvazia a periferia da cidade de Loulé, que se concentra por estes dias no centro histórico. Famílias inteiras, gente de todas as idades percorrem as ruas pitorescas, coloridas e apinhadas, visitam as barraquinhas de artesanato ou comem um doce regional comprado numa qualquer janela ou balcão improvisado. Nota-se bem a familiaridade, parece que quase todos se conhecem.

O centro histórico de Loulé voltou a encher-se pela 14ª vez, na edição 2017 do Festival MED que terminou este domingo, em Loulé. Planeado e organizado pela autarquia, tem naquilo que se designa por “música do mundo” o eixo central da programação musical, mas também há pop, hip hop e fado. Mas não só, o MED inclui exposições de arte de rua, as portas das galerias e das lojas estão sempre abertas e há também conferências — o Observador participou, a convite da APORFEST, numa conferência sobre a importância da comunicação social na projeção e credibilização dos festivais de música.

O nome do festival aponta para as origens: MED de Mediterrâneo, por isso fizeram parte do cartaz desta edição artistas espanhóis, ingleses, franceses, italianos e romenos; mas também oriundos de África (Cabo Verde, Angola, Argélia, Marrocos, Benin), América Latina (Brasil, Cuba, Argentina, Colômbia, Guadalupe), América do Norte (Estados Unidos e Canadá) e do Irão.

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Claro que foram os portugueses que tiveram o protagonismo das enchentes, Ana Moura e Rodrigo Leão foram dois exemplos. A adesão do público ao festival foi imensa e ultrapassou em muito aquilo que se via e ouvia nos oito palcos espalhados pela zona histórica da cidade. Um estudo do Turismo de Portugal de 2015 refere que 35 a 40% da assistência do Festival MED é constituída por estrangeiros, ficando por saber se se tratam de residentes, se estão de férias ou se chegam a Loulé de propósito para o evento — a organização estima que tenham passado pelo MED, ao longo de três dias, aproximadamente 23 mil pessoas.

Seja como for, a Câmara Municipal de Loulé tem apostado na promoção internacional, em particular nos mercados de Espanha, Reino Unido, Holanda e Alemanha, segundo nos confirmou Carlos Carmo, o coordenador do festival. O também adjunto do presidente da Câmara de Loulé, explicou ao Observador que os bilhetes vendidos antecipadamente são um bom indicador de que a promoção está a funcionar bem, já que as vendas online quadruplicaram neste ano. Por outro lado, realçou a importância de terem conseguido estabelecer parcerias importantes — SIC, RDP, RUA e Blitz.

Carlos Carmo reforça que a presença destes meios são um sinal de que “o festival já não é só de Loulé”. E tem razões para isso. No passado mês de março o MED teve um grande impulso, ao ser distinguido nos Iberian Festival Awards como o melhor Festival de Média Dimensão da Península Ibérica. Para o coordenador do evento, este é outro sinal de que é importante que o festival se mantenha como até aqui, organizado e promovido exclusivamente pela autarquia, ou seja, sem um patrocinador principal que condicione a orientação do evento.

Esta edição do Festival MED custou entre 350 e 400 mil euros, totalmente suportados pela autarquia, que não fecha a porta à presença das marcas em momentos e espaços pontuais. Carlos Carmo considera que esse passo é possível e que pode vir a ajudar a melhorar as condições gerais do festival.

No terreno, não se sente a falta de ajuda externa. O espaço é muito bonito e nota-se o cuidado em manter o equilíbrio entre a tradição e a festa. Só as ruas estreitas por vezes demasiado apinhadas de gente e o empedrado antigo representam alguma dificuldade, sobretudo para pessoas de mobilidade reduzida. De resto, o ambiente geral é excelente e o clima algarvio ajuda a assistir à meia centena de espetáculos e muitas improvisações que aconteceram, como que de forma espontânea, nas ruas do centro histórico de Loulé.

Por estes dias morar ali é um desassossego, mas no geral a comunidade envolve-se ativamente com o festival, garantiu-nos Carlos Carmo, acrescentando que ainda há espaço para crescer. A organização está a considerar a hipótese de acrescentar pelo menos mais um palco, do lado exterior do castelo — a juntar aos oito já existentes. “Loulé precisa de eventos como este, todos ganhamos muito com isto”. Porquê? Porque “o MED permite trazer o mundo a Loulé”, conclui.

O Observador viajou a Loulé a convite da APORFEST e do Festival MED.