Tudo se passou na última quarta-feira, dia 28 de junho, quando o Governo e o país ainda não tinham recuperado da tragédia de Pedrógão Grande. Mas as reações ao desaparecimento de centenas de armas de guerra da base militar de Tancos tardaram. Só dia 1 de julho, o ministro da Defesa assumiu “responsabilidade política” — mas só pelo facto de “ser o ministro em funções”. Ou seja, por estar no cargo errado à hora errada. Passos Coelho ficou “espantado” por “ninguém saber associar isso [o assumir de responsabilidades do ministro] a qualquer ação” e por não ter havido rolar de cabeças ou lugares postos à disposição. Assunção Cristas deu o passo em frente esta segunda-feira e pediu demissões, tanto do ministro da Defesa como da ministra da Administração Interna.

E como reagiu a esquerda no meio da polémica que tardou a rebentar? Com pinças, com pedidos de apuramento de responsabilidades e de retirada de consequências políticas. Mas pouco mais. Jerónimo de Sousa até evocou o governo anterior, do PSD/CDS, pelas sucessivas reduções orçamentais que foram sendo feitas no setor da defesa. Perante os pedidos de demissão da líder do CDS, que assumiu a frente de ataque na oposição, o líder parlamentar do PS, Carlos César, desvalorizou. “Nenhuma situação se resume a demissões, essa é a forma fácil usada pelos partidos que não têm outras alternativa para apresentar”, disse.

Sem pedidos de demissão, onde andam, então, as críticas à esquerda do PS e do Governo?

Bloco de Esquerda: “É gravíssimo” e “anormal”

O máximo que se ouviu do Bloco de Esquerda sobre o caso de Tancos foi esta terça-feira pela voz do líder parlamentar. Em entrevista à TSF, Pedro Filipe Soares disse que faltava da parte do Governo “uma palavra ao país” e que o que tinha acontecido em Tancos era “gravíssimo”. Sublinhando que as prioridades na área da Defesa estavam “erradas”, e que muitas vezes os investimentos feitos eram só para “Donald Trump ver ou para a NATO aprovar”, o deputado bloquista disse que era impossível “normalizar algo que é absolutamente anormal”.

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Consequências? Nem uma palavra. Já antes, Catarina Martins tinha sublinhando que o Estado falhara nos dois acontecimentos recentes, tanto na tragédia dos incêndios como no roubo do armamento, mostrando-se “perplexa”. Na altura, a coordenadora bloquista apontou o dedo ao PS pelas “falhas graves” nos organismos do Estado e pela falta de investimento nos serviços públicos, mas não se esqueceu de dividir responsabilidades com o Governo anterior, acusando PSD e CDS de terem cortado de forma “irresponsável” nos serviços do Estado.

PCP: Culpas repartidas e consequências necessárias

No domingo foi a vez de Jerónimo de Sousa criticar os sucessivos desinvestimentos na área e os cortes por imposição da União Europeia. Ou seja, repartindo culpas sem apontar o dedo a ninguém.

“Consideramos que existe uma responsabilidade clara por parte do Governo, por parte de sucessivos governos, que reduziram ao osso a condição militar, tanto no plano pessoal, dos direitos dos militares e da própria quantidade das Forças Armadas, esquecendo muitas vezes que, aceitando as imposições designadamente da União Europeia, dos cortes e mais cortes, de reduções e mais reduções, colocam em causa aquilo que é a missão fundamental das nossas Forças Armadas, que é serem o garante da nossa independência e soberania”, disse.

Numa primeira reação ao roubo do armamento, contudo, o secretário-geral comunista tinha defendido que era preciso apurar todas as circunstâncias em que decorreu o roubo, que apelidou de “caso de extrema gravidade” e, em função disso, retirar as “consequências políticas”.

“O PCP não pode deixar de considerar o assalto a um paiol militar em Tancos como um caso de extrema gravidade e a necessitar de todo o apuramento, incluindo a retirada de consequências”, disse Jerónimo de Sousa, num encontro de apresentação de candidatos às eleições autárquicas, na Quinta do Conde, em Sesimbra.

Mas o líder comunista optou por centrar as atenções no anterior Governo do PSD/CDS: “A existência de um sistema de videovigilância inoperacional há dois anos, segundo notícias vindas a público, é revelador do estado de degradação a que as opções políticas dos sucessivos Governos, e de forma mais violenta no anterior Governo PSD/CDS-PP, conduziram as Forças Armadas”, disse Jerónimo de Sousa.

Louçã: “Senhor primeiro-ministro, é tempo de o governo acordar”

Num artigo de opinião no jornal Público, Francisco Louçã foi a voz à esquerda que mais se fez ouvir na crítica à atuação do Governo no caso do roubo do armamento. O ex-deputado bloquista começa por dizer que o Governo “tropeçou” na frente política na gestão do caso do caso dos incêndios de Pedrógão Grande, ao “deixar passar o tempo quando precisava de ação incisiva”, “dando a entender que o Governo descuida de saber já o que se passou — e portanto de corrigir as falhas”. Na opinião do economista, isso foi “um erro” de António Costa.

Mas “pior do que um erro, só um segundo erro”. E foi isso que aconteceu no assalto a Tancos. Para Louça, “era preciso firmeza” da parte do Governo e não foi isso que se viu. “Tivemos o contrário: o ministro foi à TV explicar três dias depois que não era o caso mais grave, que isto e aquilo. O roubo foi 4ªf passada e só nesta 2ªf o número dois do governo, Santos Silva, vem responder sobre o assunto e ainda de forma mais leve do que o caso exigia”, nota, sugerindo outra forma de atuação considerada mais correta.

“O que o responsável máximo do governo devia ter feito logo era uma comunicação oficial explicando que há duas possibilidades que o governo tem de levar muito a sério – um roubo para os circuitos de venda de armas ou um roubo para as redes terroristas. Podendo além disso suspeitar-se de cumplicidade entre os militares, este é sempre um caso de Estado, é grave e exige todo o esforço de informação e de perseguição. O governante pode ser obrigado a cuidados especiais quanto ao que diz, para não prejudicar a investigação em curso, mas o que não pode é desvalorizar o assunto, ou deixar andar. Devia ter dirigido o debate sobre o assunto sem permitir qualquer dúvida. Tivesse-o feito e não havia espaço para jogo político”, escreveu, sugerindo que o melhor antídoto para uma falha política em casos graves é “falar e atuar no tempo certo”.

Francisco Louçã termina o artigo a apelar ao “primeiro-ministro” que “é tempo de o Governo acordar”, fazendo lembrar o que disse Pedro Passos Coelho este domingo, quando sugeriu que não era possível “identificar um Governo que governe” quando as coisas correm mal. No espaço de quinze dias, “no coração de políticas públicas que deveriam existir no Estado para garantir a tranquilidade, a defesa e a segurança das pessoas, o Estado falha em aspetos que são essenciais”, disse o líder do PSD notando que “o Governo só mostrou servir para as horas boas”. “Quando aparece algum imprevisto ou alguma coisa má, o Governo desaparece”, afirmou.

Marcelo, o mediador, quer saber tudo “doa a quem doer”

Para já, não há demissões nem lugares à disposição. Marcelo Rebelo de Sousa, o árbitro, afirmou que é preciso apurar tudo “de alto a baixo, doa a quem doer”.

“A minha posição como Presidente da República e como Comandante Supremo das Forças Armadas, pensando no prestígio de Portugal e das Forças armadas, na autoridade do Estado e na segurança das pessoas é muito simples: tem de se apurar tudo de alto a baixo, até ao fim, doa a quem doer e apuramento quer dizer apuramento de factos e das responsabilidades. Eu já disse isso uma vez, duas vezes, digo terceira vez. Não posso dizer mais uma quarta”, afirmou.