Como Presidente da República, não basta a Marcelo Rebelo de Sousa ter influência. Isso já ele tinha quando era comentador. E tinha muitíssima influência apenas por dizer coisas aos serões dos domingos. O seu poder era esse. Por isso, em Belém, ao Presidente não chega o exercício da “magistratura de influência” inventada por Mário Soares e muito menos a anódina “cooperação institucional” de Cavaco Silva. Para Marcelo, “magistratura” é poder. E poder é exercê-lo. Como temos visto no último ano e meio, como vimos na tragédia do fogo, e como percebemos esta terça-feira, na ida do Presidente a Tancos, Marcelo Rebelo de Sousa ocupa os espaços vazios de poder com o seu poder. Podemos definir o novo estilo deste Presidente como a “magistratura de interferência”.

O Presidente está no terreno a toda a hora. Marcelo está em todo o lado em todo o momento: em todas as televisões, nos fogos, nos enterros, nas quedas de avionetas, nas cerimónias, está no estrangeiro e em território nacional. Marcelo era o “facto político” no início dos anos 80. Hoje os factos políticos são ele. Tem mais do que influência: quando ele sente que influenciar não chega, Marcelo interfere.

Marcelo chamou Mário Centeno a Belém no auge da polémica dos SMS da Caixa, quando António Costa estava numa visita em África. Marcelo chegou a Pedrógão Grande antes do primeiro-ministro e da ministra da Administração Interna. Marcelo levou o ministro da Cultura à Cornucópia para tentar salvar o teatro (mas falhou). Já mandou a Assembleia legislar pelo menos duas vezes (sem que fosse na sequência de vetos), por causa da entrega das declarações dos gestores da Caixa e para a reforma da floresta ser feita até ao verão. Com Costa de férias esta semana, disse uma frase assassina: “Mais complicado seria se o Presidente da República estivesse em férias.” O comandante estava no posto. Se a política tem horror ao vazio, Marcelo adora esse vácuo para o ocupar rapidamente. Em Tancos, Marcelo não influiu: interferiu.

Não se percebe como passados quatro dias sobre o assalto aos paióis de Tancos, o ministro da Defesa ainda não tivesse ido ao local perceber o que tinha acontecido. Costa fora, Marcelo em casa. Há sempre patrão. Foi o comandante supremo das Forças Armadas a ter de se meter num carro, a ir ver as instalações e a ir falar com os militares e com os investigadores. Há uns meses, já tinha obrigado o ministro da Defesa — a altas horas da noite e acabado de chegar de uma viagem –, a visitar no hospital um dos comandos que havia de morrer. Ocupou o terreno onde ninguém estava. Foi uma forma de mostrar (mais uma vez) que um ministro decente já teria ido visitar o militar ao hospital.

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O que a ação de Marcelo fez foi sublinhar o tipo de gestão política feita pelo ministro e pelo Chefe do Estado Maior do Exército (CEME). Neste momento, o Presidente tem de certeza uma opinião definitiva sobre Azeredo Lopes e Constança Urbano de Sousa. Se fosse comentador estaria a pedir uma remodelação. O Presidente já contribuiu para fragilizar Centeno, já percebeu que a MAI não tem a firmeza e a frieza obrigatória para o cargo, acha que o ministro da Defesa não sabe gerir uma crise destas e teve de lhe mostrar como se faz. No fim da linha, se nada acontecer, bastará a Marcelo usar da sua influência ou será preciso fazer de novo uma interferência para estes ministros fazerem o seu caminho?

António Costa tem jogado para ganhar tempo. Não fará qualquer remodelação — muito menos a pedido — ou prepara-se para a fazer depois de ganhar as autárquicas? Entretanto, a ministra da Administração Interna mantêm-se num cargo no qual já não devia estar. Constança Urbano de Sousa não devia ter caído por causa do fogo. Mas com as deficiências evidentes do seu ministério e com os organismos todos uns contra os outros, com versões diferentes sobre o que aconteceu, era preciso um ministro politicamente forte e fresco naquele lugar para pôr a casa em ordem e os organismos a funcionar. Não pode ser a ministra que nomeou os responsáveis que não conseguiram evitar a maior tragédia dos últimas décadas a apurar as responsabilidades, porque será ela será também responsável por tudo o que falhou.

No caso da Defesa é diferente. O ministro não deve ser responsabilizado pelo assalto de Tancos, a não ser que o CEME o tivesse informado da gravidade da situação de segurança dos paióis do Exército. Se o ministro não estivesse informado, devia ter demitido Rovisco Duarte na hora. Só que Azeredo Lopes já levou um CEME à demissão por causa do Colégio Militar e não tem margem política para demitir chefes militares todos os anos sem ir também ele a seguir. Vamos ver se Costa não será obrigado a remodelar no verão. Ou vai esperar por um bom resultado das autárquicas para o fazer depois fora de tempo?

Se com um Governo frágil a “magistratura de interferência” funciona, é um estilo com um tremendo potencial de conflito. Veremos o que o futuro nos reserva…