Na hora de experimentar um novo medicamento em laboratório, os ratos são os nossos melhores amigos. É uma relação de longa data que nunca foi muito complicada: eles são pequenos, baratos e dóceis, o que não dificulta muito o convívio com os cientistas. Reproduzem-se muito depressa e, na maior parte das vezes, entre indivíduos da mesma família, o que permite testar remédios em várias gerações despistando problemas causados pela diferença genética. E a melhor parte de todas: em termos genéticos, biológicos e de comportamento são mais parecidos connosco do que qualquer primata nosso “primo” segundo a teoria de Darwin. E isso facilita muito o trabalho, porque é suposto reagirem aos medicamentos de forma muito semelhante à nossa. É suposto, mas não temos a certeza: é que, apesar de serem usados em 95% dos laboratórios de todo o mundo, nem todos os remédios bem sucedidos a curar doenças em ratos têm os mesmos efeitos em pessoas.

Embora isso nunca tenha sido uma grande barreira na parceria entre ratos e cientistas dentro de um laboratório, os investigadores nunca conseguiram entender o fenómeno. Até agora. Um grupo da Universidade Lund (Suécia) e do King’s College (Inglaterra) diz que há uma grande diferença entre nós e os nossos companheiros roedores escondida nas células do pâncreas que produzem insulina: são os recetores acoplados à proteína G (GPCRs). E é muito simples entender porquê: há um determinado tipo deste recetor — que temos em grandes quantidades –, que não existem em ratos. E isso pode ser um problema.

No corpo humano existem cerca de mil GPCRs diferentes, todos com a função de reagirem quando detetam a presença de uma molécula particular. É graças a estes recetores que distinguimos sabores e diferenciamos cheiros. São também estes recetores que garantem a regulação do sistema imunitário, que nos protege de doenças e outros ataques vindos do exterior. Em última análise, os GPCRs são o motivo por que estamos vivos: sem eles não haveria transmissão nervosa e o nosso cérebro seria apenas um monte de neurónios adormecidos.

Ora, sabe-se que 40% dos medicamentos que usamos na atualidade, e que foram testados em ratos, foram criados para se dirigirem a estes recetores, que no fundo os acionam. E isso tem-se mostrado eficaz em vários casos… menos em remédios para a diabetes do tipo 2 testados nos roedores. Porquê? A teoria desta equipa de cientistas é a de que os recetores em células de ratos não coincidem com os recetores em células humanas. Por isso, os medicamentos para a diabetes tipo 2 funcionam com os recetores dos nossos amigos roedores, que começam a produzir insulina corretamente. Só que o recetor que em nós tem a função de ordenar a produção de insulina não existe no organismo do rato e vice-versa, portanto os médicos entram sempre em becos sem saída. Mais do que isso: há determinados espécies de ratos de laboratório que não têm os mesmos recetores para essa função que outras espécies, o que dificulta ainda mais o trabalho dos investigadores.

Boa notícia: com esta pesquisa, os médicos encontraram outros recetores iguais entre ratos e humanos, abrindo mais o leque de doenças que os roedores nos podem ajudar a combater com novos medicamentos. Outra boa notícia: o problema está identificado e agora estamos em condições de avançar na investigação. Má notícia: avançar para onde? É que, pergunta-se Albert Salehi (um dos cientistas envolvidos na descoberta), “será correto continuar a desenvolver medicamentos com base em investigações conduzidas em ratos se esses medicamentos não podem ser usados em humanos?”.

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