Em 2006, na véspera de entregar um dos trabalhos finais de curso, António Carvalhão viu-se com uma proposta inesperada em mãos. “Convidaram-me para fazer o último semestre no Japão, na Universidade de Hiroshima. Mas disseram-me: ‘Tens de responder até amanhã’.” A falta de tempo para refletir sobre a decisão simplificou-lhe a tarefa. “Pensei ‘porque não?’ E lá fui.”, recorda.

Se não tivesse ido, hoje dificilmente estaríamos a ter esta conversa em sua casa, a propósito do Ajitama, o supper club de ramen que fundou com o amigo João Ferreira. Porque foi em Hiroshima que António, que hoje é brand manager de uma das marcas da Central de Cervejas, conheceu e se apaixonou pela célebre sopa japonesa, desde a primeira refeição que fez por aquelas bandas. “Fiquei com uma pancada enorme por ramen, tanto que sempre que viajo faço questão de procurar os melhores sítios para comer ramen em cada cidade”, conta.

António Carvalhão e João Ferreira são os mentores, cozinheiros e anfitriões do supper club Ajitama. (foto: © Tiago Pais / Observador)

João Ferreira, que fora colega de António na Secundária Rainha Dona Leonor, em Lisboa, também passou uma temporada na Ásia. Apesar de ter vivido na China, o trabalho levava-o com frequência ao Japão. Ou seja, o ramen também lhe matou a fome em inúmeras ocasiões. A paixão em comum fez despertar a ideia de um projeto a dois. “Falámos muitas vezes, meio a brincar, em ter alguma coisa nossa relacionada com ramen“, diz António. Um restaurante? “Não, um restaurante não podia ser. Temos as nossas vidas, não dava. Sempre estivemos mais virados para esta hipótese do supper club“, esclarece.

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O que é um 'supper club'?

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Um supper club é um conceito que junta um grupo de pessoas desconhecidas à mesa, geralmente em casa de quem cozinha, para um jantar à porta fechada, sob reserva prévia, com um menu predefinido. Esse menu tanto pode ser desenhado por chefes amadores, que no dia-a-dia têm outra profissão, como é o caso deste Ajitama, ou do 28A, como por profissionais de cozinha interessados em proporcionar experiências alternativas às que os seus restaurantes permitem, como acontece, por exemplol, no Once Upon a Table, de que o Observador falou nesta ocasião.

Em dezembro de 2015 começaram a estudar mais a sério essa hipótese. E a receita certa para lá chegarem. Não se pense, porém, que foi tiro e queda. A fasquia estava alta e a intenção era fazer tudo de forma artesanal, sem atalhos. “Da primeira vez passámos 36 horas a cozinhar e o resultado final ficou uma porcaria”, lembra António. Não desistiram, porém. Voltaram ao estudo, insistiram na pesquisa, fizeram um workshop e depois de várias tentativas, deram o jantar inaugural do Ajitama a 14 de janeiro de 2017. Os primeiros convidados foram familiares. Depois amigos. Que trouxeram outros amigos. E amigos de amigos. Passado algum tempo criaram uma página de Facebook e quando deram por isso tinham mais de 200 pessoas em lista de espera.

O número pode impressionar mas há que ter em atenção que o Ajitama serve apenas uma refeição por semana, sábado ao jantar, para um máximo de 10 pessoas. E a ideia é manter essa periodicidade limitada, não só porque se trata de um hobby, mas também porque toda a preparação dá muito trabalho. “Usamos apenas técnicas artesanais”, assegura João, que fica responsável por preparar, nas madrugadas de sexta para sábado, a peça de carne que usam no ramen: uma barriga de porco que fica oito horas a cozinhar. “Aqui há tempos encontrei um amigo nosso que me perguntou o que é que tinha acontecido ao João — estavam no Lux e ele disse que tinha de ir para casa tratar da carne”, brinca António.

Os jantares acontecem em casa de António, em Lisboa. A morada é divulgada na véspera. (foto: © Tiago Pais / Observador)

A António cabe-lhe tratar, também com antecedência, da sobremesa, bavaroise de matcha (chá verde japonês) e dos ovos, cuja importância é fulcral. Para começar, são eles que dão nome ao projeto — ajitama é diminutivo de ajitsuke tamago, expressão japonesa que define ovos mal cozidos (soft boiled) que ficam várias horas a marinar num caldo que mistura diferentes elementos, inclusive carne. Mas a parte complicada, segundo António, é mesmo a da cozedura: “Demorámos onze meses a acertar no ponto dos ovos”, confessa.

Os sábados são passados na cozinha, numa confeção intensa que começa bem cedo. Um ramen pode ter diferentes bases — este que servem no Ajitama é o shio ramen, cujo caldo resulta da mistura de outros dois, um de galinha (que leva sete horas a cozer) e um dashi, com infusão de vários elementos marítimos, como katsuobushi (atum-bonito seco, fumado e fermentado) ou polvo. Igualmente importante é o tare, o tempero do ramen, essencial para uma correta ligação entre o caldo e a massa. João e António usam uma base de gordura de porco preto e três tipos de sal refogado com uma amálgama de gengibre, alho e maçã. E até os noodles são feitos de raiz, recorrendo a dois tipos de farinha e água que os próprios alcalinizam, no forno, para garantir a respetiva elasticidade. Ninguém disse que era fácil.

António e João demoraram quase um ano a acertar no ponto certo dos ovos, que depois de (mal) cozidos ficam várias horas a marinar num caldo. (foto: © Tiago Pais / Observador)

“Não conseguimos servir o ramen às dez pessoas de uma vez, fazemo-lo em grupos de quatro. Mas é importante que não façam cerimónia porque deve comer-se bem quente”, explicam à mesa ainda antes de começarem a servir. A interação é, aliás, uma constante — não só a casa tem regras básicas de convivência, que o anfitrião faz questão de lembrar, como metade da cozinha é aberta para a sala, o que permite acompanhar parte do processo.

O jantar inclui sempre uma bebida de boas-vindas, neste caso uma sakerinha de morango, uma entrada (sunomono de pepino), o shio ramen e sobremesa, a tal bavaroise de matcha. Para beber há vinho alentejano, cerveja japonesa, água e café. No final, os responsáveis entregam uma caixa preta a cada convidado para um donativo voluntário. “É um sistema que nos permite perceber quanto é que as pessoas valorizam a experiência que acabaram de ter “, explica António. O donativo médio, refere, anda à volta dos 30€ por pessoa.

Os mais curiosos podem assistir a parte do processo.
(foto: © Tiago Pais / Observador)

No momento desta reportagem havia mais de 200 nomes em lista de espera para conseguir lugar no Ajitama. E é bem provável que esse número tenha, entretanto, crescido. Fazendo umas contas rápidas, é possível que lá para o outono haja lugares à mesa de António e João. Mas vale a pena garantir um lugar na fila — e o ramen até sabe melhor com menos calor.

Nome: Ajitama Supper Club
Morada: Os jantares acontecem na casa de António Carvalhão, em Lisboa. A morada é revelada apenas no dia da reserva.
Contacto: As reservas são efetuadas por email, para ajitamalisbon@gmail.com
Horário: Há jantares todos os sábados às 21h30
Preço: Cada convidado oferece um donativo voluntário no final da refeição
Site: facebook.com/ajitamapt