Esta década tem sido o apogeu das remasterizações de obras (ditas) clássicas e os videojogos têm-no transparecido ainda mais do que a própria música ou o cinema, com o meio a revisitar momentos da sua curta existência.

Sabemos que à primeira vista – e tendo em conta os recentes artigos de videojogos no Observador – possa parecer que 2017 pouco tem para dar que não sejam remasters de jogos antigos, com as companhias a fazerem cash in de velhas glórias. Considerá-lo pode ser algo injusto, olhando para um ano que já lançou jogos como The Legend of Zelda: Breath of the Wild, RiME e Horizon: Zero Dawn e ainda tem promessas de excelência até o calendário mudar para 2018.

Mas os meses de verão são relativamente “calmos” no que toca a grandes lançamentos, não só pelo período comercial, mas também porque é por esta altura que decorrem as conferências onde o futuro é anunciado. Esta aparente calmaria de grandes títulos abre espaço para que esta janela de tempo seja utilizada para lançar os chamados remasters e o jogo desta semana não é exceção. Falamos obviamente do relançamento dos três Crash Bandicoot lançados na PS1 na segunda metade da década de 90 e que se encontram agora na antologia Crash Bandicoot N. Sane Trilogy exclusiva da PS4.

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Crash Bandicoot marcou uma geração. Surgiu em pleno auge da “era das mascotes”, em que as duas gigantes, à época, eram a Nintendo e a Sega, com o Mario e o Sonic a disputarem as atenções como uma espécie de Cristiano Ronaldo e Messi dos personagens fictícios. A Sony entrava definitivamente no mercado no final de 1994 no Japão e durante o ano seguinte no resto do mundo.

Sem mascote oficial, calhou a Crash Bandicoot essa tarefa de forma oficiosa, desde que surgiu em exclusivo na PlayStation 1 em 1996. O sucesso do jogo e da franquia foi tremenda, existindo num espaço de quatro anos três jogos da série principal e dois spinoffs, todos eles exclusivos da PS1.

Não sendo propriedade da Sony, e vendo algumas passagens de mão corporativas da sua marca, na viragem do milénio a série começou a ser lançada em formato multiplataforma, com as vendas e a avaliação crítica a cair a pique até ao último jogo da série principal ser lançado em 2008.

Crash Bandicoot é parte inseparável da História dos videojogos e da nossa, enquanto jogadores. É fruto de um tempo de afirmação dos jogos de plataformas tridimensionais, com todas as adaptações mecânicas e conceptuais que a transição e a tecnologia obrigaram.

Curiosamente, meses antes do lançamento de Crash Bandicoot em todo o mundo, já no Japão tinha sido lançado Super Mario 64, aquele que é aclamado por todos como um dos jogos perfeitos, ou quase-perfeitos, que definiram incontornavelmente o que viriam a ser os videojogos até hoje. No entanto este arrebatamento crítico não impediu Crash Bandicoot de suceder por si só, de ajudar a catapultar a PlayStation para a dimensão que a marca possui e a afirmá-la como um grande player no mercado das consolas domésticas.

Uma das características de Crash Bandicoot era a sua dificuldade algo impiedosa, onde os saltos e o ritmo tinham de ser efetuados com uma precisão milimétrica sob risco de cairmos nos muitos abismos que compunham cada nível.

Apesar da aclamada Naughty Dog ter sido a criadora da série e de esta pertencer neste momento à gigante Activision, acabou por ser o estúdio norte-americano Vicarious Visions a quem calhou a missão de trazer para a atualidade Crash Bandicoot, sem mexer no essencial e adicionando a possibilidade de jogarmos com Coco, a irmão de Crash.

Crash Bandicoot N. Sane Trilogy, a remasterização de Crash Bandicoot, Cortex Strikes Back e Warped não se limita a manter essa dificuldade old school, como as pequenas mudanças técnicas para trazer a trilogia original para a PS4 tornaram a série ainda mais difícil.

Sabemos que voltar a algo que fez parte da nossa maturação enquanto jogadores é sempre afetada pelo efeito dos óculos da nostalgia, onde a parte emocional dá fortes encontrões à objetividade sob o pretexto de uma agradável viagem pela estrada da memória.

As componentes artísticas (visuais e musicais) foram aquelas em que a diferença mais se fez notar e, apesar de Crash Bandicoot N. Sane Trilogy não representar um avanço gráfico significativo tendo em conta o mercado atual, a comparação com o jogo original de há 21 anos é surpreendente.

O grande problema destes 21 anos é o quanto o mercado mudou entretanto, o quanto se evoluiu graças a jogos como Crash Bandicoot, onde se aprendeu com os seus erros e as suas experiências. Voltar a pegar na trilogia original passados estes vinte anos é deixar bem à vista as falhas que a série tinha e que não eram assim tão percetíveis sob a visão da época, mas que hoje deixa perceber todas as costuras por onde as falhas são tapadas.

Crash Bandicoot N. Sane Trilogy é uma peça obrigatória para quem quer revisitar os momentos da adolescência em que Crash Bandicoot era uma das estrelas maiores do panteão dos videojogos, e talvez um dos poucos a conseguir rivalizar com Mario numa altura em que o brilho da estrela de Sonic já definhava. A antologia demonstra-nos após pouco tempo o quão datada a série se encontra e dificilmente será um must-buy para as novas gerações, que pouco ou nenhum contacto tiveram com o louco marsupial dos anos 90. Para quem os jogou esta antologia é obrigatória e isso tem-se feito notar nas tremendas vendas que o título tem tido.

Pode não ser o melhor que o mercado tem disponível neste momento, mas é um bilhete de ida-e-volta a um período que já passou, no qual fomos felizes, mas que não volta mais.

Ricardo Correia, Rubber Chicken