Antes do início do concerto, um anúncio: “Por favor, tirem uma fotografia e certifiquem-se que o flash está desligado. Isto porque o Ryan Adams sofre da doença de Meniere e o flash pode provocar convulsões. Se virem alguém a usar o flash avisem para desligar, para que o Ryan não seja obrigado a terminar o concerto.” Boa educação, um apelo sincero e a partir daí está tudo lançado. “Do you still love me” na voz do homem. Um “Come on” bem alto, blusão de ganga, cabelo na frente dos olhos, guitarra entre as pernas como Hendrix ensinou há tantos anos e aqui vamos. Ryan Adams, senhoras e senhores.

“To be young (is to be sad, is to be high)” na confissão elétrica deste eterno garoto. Nunca ninguém vai conseguir mudá-lo, já percebemos isso há muito. Nunca ninguém lhe vai tirar a guitarra do corpo. Ryan Adams tem a escola toda de Bruce Springsteen. Tem aquela onda do tipo que desde miúdo queria duas coisas: fugir do mundo e fugir dele próprio. Safou-se no rock e no caminho vai-nos safando a nós. Grita “Gimme Something good”, deem-lhe algo bom que o homem tem sempre um ar levemente desesperado, pleno de gozo e prazer naquilo que faz. Faz-se a um abraço sentido quando explica que tem uma canção nova chamada “Doomsday”. Quase que se ajoelha quando grita “my loooove”. Mas tem tigres de peluche no palco. E daí?

É um fofo, o rapaz. Mas também é um valente destemido, é tudo isto ao mesmo tempo. Caso contrário não fazia “Let it ride”, não a levava ao palco Heineken, meio fechado, meio à parte do resto. Não me lixem, não nos lixem: é uma das melhores canções deste primeiro dia de festival. É uma das melhores danças desta noite. E é uma das melhores ocasiões em que um homem meio perdido cantou um “não estou nem aí” tão cool. Como é bonito vê-lo a choramingar um “Lie to me. Sing me a song. Sing me a song until the morning comes”, a fazê-lo com tanta distorção nos braços e com uma banda que toca com tanto gozo como profissionalismo – é um palavrão mas é acertado.

“Outbond train” traz pouco mais que quatro acordes, pode parecer pouco mas vai tudo da vontade, e este Ryan tem disso aos quilos. Sabemos que está tudo certo quando há quem dance sozinho, aos pares, em grupo, a bater palmas, a fazer brindes, a partilhar isqueiros. Vamos lá, vamos a isso.

Adams está feliz, o homem está genuinamente feliz. Berra com alma: “people still fucking believe in rock’n’roll”. E acreditamos, mesmo quando passas para um falsete e cantas sobre as estrelas. O cenário em palco é feito de amplificadores gigantes e do amor do artista pela Nickelodeon e nós acreditamos no rock’n’roll. Há um solo com alguma gordura mas isso é rock’n’roll. Há um momento ou outro em que fazes lembrar o Ryan com B (tudo tranquilo, tudo favorável) mas depois vais àquela “Peaceful Valley” que é um dramalhão saído do velho Oeste, sais a galope e resolves a questão. Cantas “New York”, tocas harmónica, mandas Trump à merda, pedes desculpa pelo teu presidente e conquistas a noite. Ah, herói.

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