“O que caracteriza a atitude da política externa portuguesa é isto: prezamos muito e respeitamos a independência do poder judicial face à política externa. E isso que acabei de dizer tem como correlativo o seu exato simétrico: a independência da política externa face às autoridades judiciais. Portanto, nós não confundimos os planos. Prosseguem investigações judiciais em Portugal? Sim, prosseguem. Prosseguem sobre um ex-primeiro-ministro, não sei se prosseguem sobre membros do governo [de António Costa], porque não se sabe e não tem de se saber, prosseguem sobre autarcas, prosseguem sobre a mais variada gente, toda ela beneficiando de presunção de inocência.”

Foi assim, tendo o cuidado de não referir nomes e não se alongando sobre a acusação do Ministério Público português a Manuel Vicente, vice-Presidente de Angola (e ex-presidente da Sonangol), que o ministro dos Negócios Estrangeiros respondeu à questão da visita adiada ad eternum de António Costa a Luanda, em entrevista publicada este domingo no Diário de Notícias.

O número 2 de Angola arrisca-se mesmo a ser julgado em Portugal por alegadamente ter corrompido um procurador do Departamento Central de Investigação e Ação Penal depois do Tribunal de Instrução Criminal ter enviado os autos da Operação Fizz para a fase de julgamento.

Vice-presidente de Angola vai ser julgado em Portugal pelo crime de corrupção

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Garantindo que a política externa portuguesa não se confunde nem se condiciona por processos judiciais em curso — e fazendo uso do exemplo de José Sócrates, ex-primeiro-ministro e arguido na Operação Marquês, para fazer prova dessa efetiva separação de poderes –, Augusto Santos Silva explicou que Costa só não visitou ainda Angola por questões de agenda. “O que aconteceu é que houve a natural aceleração do tempo da política interna, porque há eleições em Angola no próximo dia 23 de agosto – e são ao mesmo tempo para o Parlamento e para o presidente”, afirmou.

O ministro dos Negócios Estrangeiros assegurou ainda que as relações entre Portugal e Angola estão normalizadas — “O programa de cooperação entre os dois países está em curso, as linhas de crédito estão a funcionar, a relação entres os dois ministérios das Finanças é fluida, há vários programas setoriais de colaboração entre os dois países” — e recorreu a uma “metáfora” no mínimo peculiar para as descrever.

“Uma coisa é evidente para as autoridades portuguesas – e suponho, acredito, que também seja evidente para as autoridades angolanas – é que Angola e Portugal são como dois gémeos siameses. Não vale a pena a gente achar que podem ignorar-se uns aos outros, que podemos amuar uns com os outros… Quer dizer, se amuarmos teremos o trabalho adicional que é deixar de amuar, porque a proximidade entre os povos, os laços históricos, a densidade das relações económicas, a cooperação institucional é de tal monta que nós somos, se me permitem a comparação, gémeos siameses”, disse Augusto Santos Silva.

Interrogado sobre as condições existentes ou não em Angola para a realização de eleições livres naquele país, o ministro respondeu assim: “No contexto africano, as eleições que se têm realizado em Angola são das mais justas, das mais livres – e há uma terceira palavra que a gente costuma dizer, mas que não me ocorre agora – que conhecemos”.