Toda a gente mente. Foi dessa premissa que Seth Stephens-Davidowitz, cientista de dados, partiu para analisar uma quantidade incomensurável de metadados referente às pesquisas anónimas de milhões de utilizadores do Google em todo o mundo.

Optou pelo motor de busca porque o objetivo era ter acesso a informação o mais verdadeira possível e, explica num artigo publicado este domingo no The Guardian, é na Internet, longe de olhares ou julgamentos alheios, que as pessoas mais dizem a verdade: “Funciona como um soro da verdade digital”.

Quatro anos de análise depois, voltou ao ponto de partida: “Toda a gente mente”. A diferença é que agora sabe quem conta cada tipo de mentiras — e porquê. O livro homónimo, em que revela tudo o que descobriu sobre aquilo que tentamos esconder, será posto a venda no início de setembro.

Homens pesquisam mais sobre o seu pénis do que sobre qualquer outra parte do corpo

Quando uma mulher casada escreve no motor de busca “será que o meu marido…” é 10% mais provável que complete a frase com “… é gay?” do que com qualquer outra coisa. Em segundo lugar, Seth Stephens-Davidowitz registou a opção “… está a enganar-me”. É oito vezes mais comum do que “… é alcoólico” e surgiu dez vezes mais do que “… está deprimido”.

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Há 16 vezes mais queixas no Google sobre maridos ou mulheres que não querem ter relações sexuais do que sobre maridos ou mulheres que não gostam de conversar, garante o investigador. Mais: há duas vezes mais queixas feitas a propósito de namorados que não querem ter sexo do que de namoradas. “O meu namorado não quer ter sexo comigo” é a queixa mais frequente, o que não significa, concede Stephens-Davidowitz, que seja sempre feita por mulheres. “Mas como a análise anterior determinou que 95% dos homens são heterossexuais, podemos concluir que poucas destas pesquisas sobre ‘namorados’ tenham sido feitas por homens.”

Os homens googlam mais sobre o seu pénis do que sobre qualquer outra parte do corpo: “Mais do que sobre os seus pulmões, fígado, pés, orelhas, nariz, garganta e cérebro – juntos”. Também passam muito mais tempo à procura de fórmulas milagrosas que o aumentem do que a pesquisar formas sobre como afinar guitarras, fazer omeletes ou mudar pneus. Apenas 1% dos homens que pesquisam sobre o tamanho do pénis procuram formas de o tornar mais pequeno.

Por cada pesquisa feita por uma mulher sobre o tamanho do pénis do namorado, marido ou companheiro há 170 buscas feitas por homens sobre os seus próprios órgãos sexuais. Nas pesquisas feitas por mulheres sobre o pénis do companheiro, sendo frequentemente sobre o tamanho do órgão sexual, nem sempre é por este ser demasiado pequeno. Mais de 40% das pesquisas, conclui Stephens-Davidowitz, estão relacionadas com o facto de o pénis do namorado ou marido ser demasiado grande.

Revelamos na Internet os preconceitos que escondemos no dia-a-dia

Além do sexo, o investigador concluiu que a nossa atividade na Internet revela outros segredos que tentamos esconder a todo o custo: os nossos preconceitos. Se no dia-a-dia a maioria das pessoas evita demonstrar publicamente que, em algumas circunstâncias, julga outras pessoas com base na raça, religião ou orientação sexual, a verdade é que em frente ao ecrã do computador muitos desses preconceitos se desvanecem.

Há um conjunto de estereótipos que se destacam entre a população norte-americana, sublinha Stephens-Davidowitz: os afroamericanos são rudes; os judeus, muçulmanos e os gays são maus e os mexicanos, asiáticos ou cristãos são estúpidos. Os muçulmanos enfrentam ainda um estereótipo generalizado mais perigoso: são todos entendidos como terroristas. E estes preconceitos, que se revelam no ambiente digital, evidenciam-se em momentos muito concretos.

Stephens-Davidowitz recorda o tiroteio em San Bernardino, na Califórnia, em dezembro de 2015, quando dois americanos muçulmanos invadiram o escritório de um deles e dispararam sobre os presentes, matando 14 pessoas. Pouco depois de se saber do incidente, a pesquisa do Google mais popular contendo a palavra “muçulmanos” era “matar muçulmanos”. Nos dias seguintes, escreve o investigador, “por cada americano preocupado com ‘islamofobia’, outro estava a pesquisar por ‘matar muçulmanos'”.

E acrescenta: se antes do ataque, as pesquisas de ódio contra muçulmanos rondavam os 20% das pesquisas sobre o Islão, pouco depois do ataque essas pesquisas subiram para mais de metade do total. Estes dados, esclarece Stephens-Davidowitz, “mostram-nos o quão difícil pode ser acalmar esta raiva”.

A análise cronológica das pesquisas mostra ainda que os discursos conciliadores nem sempre têm o efeito que parecem ter. Dias depois do ataque, Barack Obama fez um discurso em que apelou ao respeito e à não-discriminação com base na religião ou raça. Ao mesmo tempo, as pesquisas online disparavam no sentido inverso: eram feitas menos 35% das pesquisas sobre como ajudar refugiados a entrar no país e subiam em 60% as pesquisas negativas sobre os muçulmanos.

Igualdade de género: rapazes sobredotados e filhas com excesso de peso?

As pesquisas no Google mostram também dados muito reveladores no que toca à igualdade de género: tudo começa em casa, com os pais, que logo desde o nascimento das crianças têm expectativas muito diferentes sobre o que irá uma rapariga ou um rapaz conseguir. Um exemplo concreto: a pesquisa mais comum feita pelos pais sobre os filhos bebés é relativa à inteligência da criança. Mas a pesquisa “será que o meu filho é sobredotado” é 2,5 vezes mais comum do que “será que a minha filha é sobredotada”.

Qualquer explicação que se tente arranjar para justificar esta diferença cai por terra com os dados que se conhecem atualmente. Por exemplo, poderia pensar-se que é mais habitual os bebés rapazes começarem mais cedo a usar palavras complicadas ou a mostrar outros sinais que motivassem os pais a pesquisar esta questão. Mas não: são as raparigas quem começa mais cedo a mostrar sinais de inteligência, de acordo com estudos citados pelo investigador.

As evidências não ficam, contudo, por aqui. Nas pesquisas mais comuns sobre as filhas incluem-se sobretudo questões relacionadas com a aparência: “Será que a minha filha tem peso a mais?” é uma pesquisa feita duas vezes mais do que “será que o meu filho tem peso a mais?”. Novamente, também não há dados que permitissem explicar estas pesquisas a não ser a discriminação sexual inconsciente: é que 28% das raparigas americanas têm excesso de peso, contra 35% dos rapazes.

Ou seja: mesmo havendo mais rapazes do que raparigas com excesso de peso, e mesmo havendo mais raparigas do que rapazes a mostrar sinais de inteligência na infância, as prioridades dos pais são as opostas. Nos primeiros anos de vida dos filhos, os pais preocupam-se em média mais com a inteligência dos filhos e com a beleza das filhas.