O chamado Galpgate — em que responsáveis políticos que viajaram para os jogos de Portugal no Euro 2016 a convite da petrolífera — já fez várias baixas, com destaque para os três governantes exonerados: os secretários de Estado Fernando Rocha Andrade (Assuntos Fiscais), Jorge Oliveira (Internacionalização) e João Vasconcelos (Indústria). O impacto político do processo pode não ficar por aqui. O caso estava parado politicamente e a nível de escrutínio público desde setembro de 2016, mas agora há dúvidas que se podem dissipar com o avançar do processo. Há várias por responder.

Quanto devolveram os governantes à Galp?

Logo após o caso ser conhecido, os governantes apressaram-se a divulgar que iam fazer o reembolso à Galp do valor que tinha sido pago pela viagem de avião e dos bilhetes para o jogo. O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, garantiu que ia reembolsar a petrolífera logo no próprio dia em que foi tornado público que viajou até França a convite da Galp. “Para que não restem dúvidas sobre a independência do Governo e do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, o Secretário de Estado contactou a Galp no sentido de reembolsar a empresa da despesa efetuada”, garantiu então o Ministério das Finanças. O mesmo fizeram Jorge Costa Oliveira (Internacionalização) e João Vasconcelos (Indústria). O Governo garantiu pouco depois que o valor já tinha sido devolvido, mas não qual o montante em causa.

Quais são então os valores em causa em cada uma das viagens? O Observador fez as contas ao preço dos bilhetes para os jogos a que Rocha Andrade assistiu, mas esse valor nunca foi confirmado de forma oficial pelo Governo ou pela Galp. Para qualquer cidadão que quisesse assistir aos dois jogos que Rocha Andrade teve oportunidade de ver através da agência de viagens Cosmos (Portugal-Hungria, da fase de grupos, e Portugal-França, da final), teria de pagar 2.190 euros para bilhetes de categoria 2, que nem eram os mais caros. O valor resulta da soma de 1.400 euros (valor do pacote de bilhete de categoria 2 para a final, mais avião e transfer) a que se somam 790 euros (bilhete de categoria 2 para fase de grupos mais avião e transfer).

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A 8 de setembro, o Governo aprovou um código de conduta que estabeleceu que os governantes não poderiam aceitar prendas com valor superior a 150 euros. Ora, o código só foi aprovado cerca de um mês depois da polémica e por causa destas viagens, mas mostra que os valores terão sido muito superiores aquilo que mais tarde o próprio executivo considerou ser eticamente aceitável. Mais precisamente: 14,6 vezes superior.

Na mesma semana em que foi aprovado o código de conduta, o ministro dos Negócios Estrangeiros — que assumia a chefia do Governo na ausência de António Costa, então de férias — foi questionado sobre o valor e a forma como foram feitos os reembolsos e fugiu à questão: “Eu com toda a certeza sou ministro dos Negócios Estrangeiros, não sou contabilista. Não sei, não imagino sequer qual é o custo desse tipo de viagem“. Até hoje, não se sabe qual o valor das prendas oferecidas e, por arrasto, da devolução (se é que ela corresponde ao valor-base do preço dos bilhetes e das viagens).

O que aconteceu aos autarcas que também viajaram pela Galp?

Depois de governantes e deputados, o escândalo também chamuscou dois presidentes de câmaras municipais: Álvaro Beijinha, presidente da câmara municipal de Santiago do Cacém (CDU), e Nuno Mascarenhas, presidente da câmara municipal de Sines, eleito pelo PS. Ambos viajaram, como noticiou o Observador, a convite da Galp para irem até Lyon, a 22 de junho, para assistirem ao jogo da seleção nacional contra a Hungria, no último jogo da fase de grupos. Os autarcas seguiram então no mesmo voo que levou o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade.

A Galp, refira-se, é a maior empresa do concelho de Sines, com grande influência no concelho vizinho de Santiago do Cacém, até pelo número de pessoas que emprega. Os autarcas defenderam-se a dizer que acabaram por aceitar o convite por uma questão de cortesia, em nome das boas e antigas relações que os dois municípios têm com a empresa. O PCP também reagiu para dizer que, “para lá da maior ou menor relação de influência que a competência das diversas entidades públicas suscite, reafirma a sua posição de princípio quanto à exigência de uma atitude na gestão pública de indispensável separação entre poder político e económico”.

Os autarcas nunca revelaram, no entanto, se tinham chegado a restituir os valores à Galp. Até hoje, o assunto não voltou a ser abordado e, pelo menos até agora, nenhum dos autarcas foi constituído arguido.

As faturas dos deputados do PSD batem certo?

Houve quatro deputados do PSD envolvidos no caso: o líder da bancada parlamentar, Luís Montenegro, o vice-presidente da bancada parlamentar, Hugo Soares, o antigo secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, Luís Campos Ferreira, e o algarvio Cristóvão Norte.

No entanto, os três primeiros admitiram ter suportado “por sua conta” todos os gastos “das respetivas deslocações”, desmentindo a notícia do Observador de que tinham ido a convite do amigo de todos eles, Joaquim Oliveira, que é proprietário da agência Cosmos e presidente do Conselho de Administração da Olivedesportos.

Caso diferente foi o do deputado Cristóvão Norte, que, quando questionado pelo Observador sobre se tinha sido a petrolífera a pagar a viagem, respondeu: “Sim, presumo que tenha sido”. No entanto, explicou que não existia “uma relação institucional que presida a esse convite” e que este partia de “uma relação de amizade que tem a ver com aquela pessoa [que o convidou] e não com a empresa onde trabalha”.

Até hoje não se sabe quanto é que os deputados do PSD pagaram pelos bilhetes, já que o e-mail que desmentia a notícia do Observador apenas referia as deslocações e omitia valores. Os próprios deputados também nunca explicaram a que título estavam na bancada VIP, nem a convite de quem (uma vez que não são comercializados bilhetes para a zona VIP, onde só poderiam estar por convite). O líder do PSD, Passos Coelho, por exemplo, assistiu à final de Paris na bancada junto a adeptos. Mas Luís Montenegro e Hugo Soares estiveram na zona VIP em jogos do Euro.

Na edição do Expresso de 3 de setembro de 2016, é dado conta que Luís Montenegro, líder parlamentar do PSD, mostrou ao Expresso uma fatura da Cosmos Viagens (a agência do grupo de Joaquim Oliveira que trabalha com a Federação Portuguesa de Futebol) emitida em seu nome para pagamento dos custos de quatro viagens de ida-volta a França durante os meses de junho e julho. O semanário destacava, no entanto, que não teve acesso ao documento original mas apenas a um print screen da fatura n.º 2016.0000829 que, além disso, não continha qualquer data. Esse mesmo documento referia-se a viagens realizadas em dias de quatro partidas do Euro: a 26 de junho (data do jogo Portugal-Croácia), 30 de junho (data do Portugal-Polónia), 6 de julho (data do jogo Portugal-País de Gales) e 10 de julho (Portugal-França).

Quem recusou os convites da Galp?

Falta ainda saber quem foi convidado pela Galp, mas decidiu não ir ao jogo por questões éticas. Alguns casos foram-se sabendo. O presidente da câmara municipal de Lisboa, Fernando Medina, disse logo na altura — no seu espaço de comentário na TVI 24 — que tinha sido convidado, mas declinou o convite. Disse ainda que Rocha Andrade “cometeu um erro”.

Na sequência de ter sido convidado, o autarca de Lisboa terá sido ouvido pelo Ministério Público, segundo avançou esta segunda-feira a TVI. Medina terá sido ouvido para esclarecer os contornos do convite e poderá ser utilizado como contraponto face aos políticos que aceitaram.

Houve ainda três altos responsáveis do setor da energia que recusaram os convites, como então noticiou o Jornal de Negócios. O secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, recusou a oferta da petrolífera. O mesmo aconteceu com o presidente da Entidade Nacional para o Mercado de Combustíveis, Paulo Carmona, e com o presidente da Direção-Geral de Energia e Geologia, Carlos Almeida.

Na “lista da Galp” podem existir ainda outras pessoas que recusaram o convite. A investigação pode ajudar a tornar mais claro quem recusou e também tornar público outros que terão aceitado o convite e que ainda não eram do conhecimento público.