Há um medicamento que pode travar o surto de gonorreia super-resistente a antibióticos anunciada na semana passada pela Organização Mundial de Saúde (OMS). De acordo com um estudo publicado esta segunda-feira, a vacina contra a meningite B pode combater o surto desta doença sexualmente transmissível, que já provocou casos intratáveis em 80% dos 77 países estudados pela OMS. É que tanto a meningite B como a gonorreia têm algo em comum: o género Neisseria.

Neisseria gonorrhoeae é a bactéria que causa a gonorreia, uma doença que afeta os órgãos genitais, o reto e a garganta e é transmitida através de relações sexuais desprotegidas. Essa bactéria é do mesmo genéro que uma outra, a Neisseria meningitidis, que quando infeta o corpo humano causa a meningite B. A sequência das proteínas da bactéria causadora da gonorreia é entre 80% e 90% semelhante à sequências de proteínas presente na bactéria causadora da meningite B. Essa semelhança significa que a reação do sistema imunitário a uma bactéria pode ser igual à da outra. E portanto a vacina para a meningite B pode ser eficaz para combater a bactéria da gonorreia.

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Para encontrar dados que corroborem esta tese é preciso recuar até aos anos 80, recorda a New Scientist. Nessa altura, houve um surto de meningite B que se espalhou por Cuba e que, na década seguinte, chegou à Nova Zelândia. Como historicamente os surtos de meningite B tendem a prevalecer durante um máximo de 20 anos, os cientistas apressaram-se a encontrar uma vacina que protegesse a população. E conseguiram: colheram partículas da membrana da bactéria que causou o surto, estudaram como é que ela evoluiu em relação ao surto anterior e depois criaram uma vacina, que foi aprovada.

De acordo com Steve Black, médico do Cincinnati Children’s Hospital (EUA), a vacina foi administrada a 80% das pessoas com menos de 20 anos quando a doença chegou à Nova Zelândia, o que correspondia, à época, a 15 mil pessoas. Estudos posteriores mostraram que todas elas tinham ficado 31% menos propensas a contrair gonorreia do que as que não tinham sido vacinadas. Mesmo aquelas que tinham contraído gonorreia tinham 40% menos probabilidades de desenvolver formas mais severas da doença.

Estes dados são animadores por dois motivos. Em primeiro lugar porque este surto de “super-gonorreia” é resistente à azitromicina, o antibiótico mais utilizado para combater a bactéria Neisseria gonorrhoeae. Mais: a bactéria até evoluiu ao ponto de, em alguns locais, resistir aos chamados “antibióticos de último recurso”, a cefixima e a ceftriaxona. E em segundo lugar, porque nunca se encontrou uma vacina que pudesse combater a doença: a bactéria tem evoluído mais depressa do que o ritmo com que os cientistas vão encontrado soluções contra ela, ao ponto de uma nova espécie surgir quando os medicamentos referentes à anterior ainda estão em fase de teste.

Uma vacina seria a única solução para manter a gonorreia sob controlo porque mesmo as pessoas tratadas com antibióticos e aparentemente saudáveis podem continuar a transportar a bactéria no corpo e transmiti-la durante um contacto sexual. Um modelo matemático publicado pela Elsevier prova que, se todas as pessoas com menos de 13 anos fossem vacinadas contra a gonorreia, a prevalência da doença diminuiria 90% em apenas 20 anos.