O cardeal Gerhard Müller, que no início do mês foi afastado pelo Papa Francisco da liderança da Congregação para a Doutrina da Fé — um dos cargos mais importantes do Vaticano –, atacou esta semana a decisão do líder da Igreja Católica, afirmando que não pode “aceitar esta maneira de fazer as coisas”.

Numa entrevista ao jornal alemão Passauer Neue Presse, Müller afirmou que, “enquanto bispo, [o Papa] não pode tratar as pessoas desta maneira“. Müller afirma que Francisco “não deu uma razão” para não renovar o mandato do cardeal. “Tal como não tinha dado nenhuma razão para dispensar três elementos altamente competentes da Congregação para a Doutrina da Fé”, acrescentou.

Gerhard Müller terminou este mês o seu mandato de cinco anos à frente daquele que é um dos mais importantes órgãos da Cúria Romana. Mas, aos 69 anos, o cardeal alemão ainda tinha condições para continuar à frente da congregação por mais um mandato, como seria de esperar — a idade aconselhada para a reforma dos bispos é de 75 anos.

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Este dado é agravado pelo facto de o Papa Francisco ter escolhido, para sucessor de Müller, o cardeal jesuíta espanhol Luis Ladaria, de 73 anos, que acabará o mandato já com 78, três anos depois da idade aconselhada para a reforma.

Apesar de o Vaticano ter oficialmente recusado dar explicações — a decisão foi anunciada num breve comunicado de um parágrafo e o diretor de comunicação da Santa Sé limitou-se a afirmar que a decisão foi tomada num encontro privado entre o cardeal e o Papa — a suspeita é a de que Müller tenha saído em rutura com Francisco.

O cardeal alemão, próximo de Bento XVI, era um dos teólogos mais conservadores dentro da Cúria. Um dos pontos mais fraturantes entre o cardeal e o Papa Francisco é a questão dos católicos divorciados que querem casar novamente. Para Gerhard Müller, “o sacramento do matrimónio é indissolúvel por vontade de Deus”: “Ninguém pode mudar isso. Uma possibilidade é voltar para o esposo legítimo ou então desistir das relações que não são válidas. A questão está apenas em perceber se as condições para aquele matrimónio estavam reunidas, de acordo com os preceitos da Igreja. O casamento civil não é exatamente igual ao sacramento do matrimónio. Seguramente que há muitas pessoas que não conseguem entender isto”.

Terá sido na sequência destas divergências que Francisco preferiu colocar um bispo mais progressista à frente do órgão responsável por emanar indicações relativas à doutrina católica.

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Müller foi mais longe nas críticas ao Papa Francisco, afirmando que “a doutrina social da Igreja também deve ser aplicada na forma como os funcionários são tratados aqui no Vaticano”. Uma posição que vai na linha das críticas que têm sido feitas ao longo dos anos, de que os direitos dos trabalhadores não são inteiramente respeitados n0 Vaticano.

Em entrevista ao Observador, por ocasião da visita do Papa Francisco a Portugal, Müller já tinha falado das diferenças em relação a Francisco: “As circunstâncias da vida e formação da razão e as experiências [de Francisco] são muito diferentes das de alguém oriundo da Alemanha, com uma vida académica, virada para o nível académico que existe na teologia alemã há vários séculos. O Papa Francisco tem uma espiritualidade que lhe vem dos Jesuítas, enquanto a do Papa Bento XVI lhe chega mais de Santo Agostinho, São Boaventura e da tradição da teologia existencial. Seguramente que a realidade do Papa Francisco, vindo de um contexto latino-americano, é muito diferente da história e da cultura europeias. No entanto, somos a mesma Igreja e a fé não divide as pessoas. É a base da unidade”.