Poderá um ciclista ganhar a Volta a França em bicicleta sem vencer uma única etapa? Se calhar, sem pensar, diria que sim. Mas se parar um pouco, pensar nas características de Froome e na qualidade da equipa da Sky, percebe que sim. E que, a não ser que consiga rebentar a concorrência no contrarrelógio do próximo sábado, até é mais do que provável que aconteça: o inglês está a caminho da terceira vitória consecutiva no Tour, quarta na carreira se somarmos o triunfo obtido em 2013.

Aliás, no caso de Froome existe até essa curiosidade de continuar a ganhar como sempre com cada vez menos etapas: tirando o fatídico ano de 2014, em que teve de desistir depois de uma série de quedas que o deixaram sem condições de prosseguir na prova, ganhou em 2013 com três vitórias durante a competição; em 2015, com duas; em 2016, apenas com uma; e, agora, possivelmente sem uma única subida ao pódio em etapa.

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Mas vamos à etapa. E, provavelmente, à maior conclusão da última grande subida nesta edição do Tour: o maior adversário do inglês estava na própria equipa e chama-se Mikel Landa (tal como, até 2015, foi Richie Porte). Foi ele que mais ajudou Froome a ganhar a amarela na quinta etapa; foi ele que mais contribuiu para recuperar a liderança na 14.ª etapa após dois dias de liderança de Froome; foi ele que mais aguentou Froome na etapa seguinte, quando as pernas não estavam a responder; e foi ele que hoje, outra vez, mais auxiliou na estratégia da equipa para a etapa e que contribuiu até para ganhar mais algum tempo aos rivais diretos.

No ciclismo, as coisas são simples: existe a equipa, existe um chefe-de-fila e existe uma equipa a trabalhar para o chefe-de-fila. Tudo se resume a isto, embora envolva muito mais do que esta ideia: há táticas para cumprir e que são cuidadosamente pensadas diariamente. LeMond, ex-vencedor do Tour, deu uma entrevista esta semana onde defendia que Landa não devia ser fiel a Froome, recordando o ano de 1985 (antes de ganhar por três ocasiões, em 1986, 1989 e 1990) em que teve de ajudar Bernard Hinault quando tinha condições para vencer. O espanhol tem-se mantido fiel a Froome, mas já deixou o aviso: “Não quero voltar a ser o segundo”.

É raríssimo haver uma quebra dessa cadeia. Existiu, por exemplo, na última Volta a Portugal em bicicleta, mas apenas porque Rui Vinhas, do FC Porto W52, ganhou uma enorme vantagem numa fuga que o pelotão não conseguiu travar. E mesmo assim, e até ao fim, o chefe-de-fila Gustavo Veloso foi tentando recuperar o “seu” lugar, sem sucesso. Neste caso, Landa limitou-se apenas a ser o melhor escudeiro de Froome durante três semanas.

Hoje era o dia da verdade para os candidatos que queriam destronar o inglês mas, no final, ainda foi o líder a ganhar algum tempo a alguns adversários. Na 18.ª etapa, que terminou com a última grande subida da prova (Col d’Izoard), o francês que tem dominado a classificação da montanha, Warren Barguil, voltou a vencer uma etapa, a segunda em 2017, com o tempo de 4.40.33. Froome terminou em quarto, a 20 segundos do líder: ficou com 23 segundos de vantagem sobre o francês Romain Bardet, mas aumentou a distância para Uran (29 segundos) e Aru (quase dois minutos). Landa, esse, subiu à quarta posição, a 1.36. Como seria noutras condições? Fica a dúvida.

Certo é que, passada que está a alta montanha, Froome tem caminho mais do que aberto para o tri, naquela que, a confirmar-se, será a quarta vitória no Tour. O último a conseguir três triunfos seguidos, tendo em conta que os resultados de Lance Armstrong foram todos apagados após o escândalo do doping em que foi apanhado, foi Miguel Indurain nos anos 90 (ganhou cinco Voltas, entre 1991 e 1996). Antes, apenas Louison Bobet, Jacques Anquetil e Eddy Merckx tinham conseguido alcançar esse feito em França.