O Exército afastou seis militares da força que vai partir em missão para a República Centro Africana e que estão envolvidos no processo em que se investigaram as mortes de Hugo Abreu e Dylan Araújo, nos primeiros dias do 127º curso de Comandos. Fonte do Exército confirma que a rendição dos militares destacados naquele teatro de operações, que partiram em janeiro, vai ser atrasada para que se cumpra o processo de certificações dos militares substitutos.

Estava tudo pronto para que, já na próxima semana, o primeiro grupo de Comandos embarcasse para uma missão de seis meses naquele país africano. Na semana seguinte, um segundo grupo partiria com o mesmo destino e, ao que o Observador apurou, na força de cerca de 160 militares que vai render os homens destacados na República Centro Africana estavam seis militares envolvidos no chamado processo dos Comandos, que levou à acusação de 19 militares com diferentes responsabilidades no curso.

Ao contrário do que aconteceu em janeiro — em que dois enfermeiros investigados no mesmo processo participaram na missão das Nações Unidas –, os comandos que se preparavam para partir em missão não pertencem às equipas de saúde. São elementos envolvidos no combate no terreno, o que traz dificuldades acrescidas ao processo de substituição.

A nova composição vai ter de certificada pelas Nações Unidas mas, mais que isso, é preciso “criar rotinas” entre os novos elementos que vão partir em missão e as equipas que já estavam formadas, explica fonte do Exército ao Observador. Os militares dessas equipas — que, nos últimos meses, treinaram em conjunto, preparando-se para o cenário sensível que vão encontrar na RCA — terão de reorganizar-se em contra-relógio para se aprontarem para a rendição das tropas que chegaram a África em janeiro deste ano (um destacamento que também foi feito cerca de meio ano depois do previsto).

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A decisão foi tomada esta quinta-feira, no mesmo dia em que a edição diária do Expresso dava conta de um braço de ferro dentro do Exército, com o chefe do regimento de Comandos a manifestar desagrado face à ideia de ter de refazer equipas e retirar seis elementos (acusados, mas não condenados) da força constituída. Segundo o jornal, não existia da parte do coronel Pipa Amorim “flexibilidade” para mexer nas suas equipas. Essa alteração acabou por acontecer, com o argumento de que é preciso assegurar que a força a destacar está “em conformidade” com os pressupostos das Nações Unidas.

Segundo o Expresso, um documento interno da ONU estabelece regras para os militares destacados para missões da organização. “O Secretariado (das Nações Unidas) sublinha que é da responsabilidade do Governo de Portugal assegurar que cada membro da unidade não foi condenado e não está, de momento, sob investigação ou acusado de qualquer ofensa criminal, incluindo violações às leis internacionais de direitos humanos ou ao direito humanitário internacional”, diz o documento citado pelo jornal, ainda que fonte do Exército refira que essa premissa se aplica a todos os contingentes em missão sob comando das Nações Unidas. “No caso de um membro da unidade ter sido investigado ou acusado por qualquer ofensa criminal, mas não tenha sido condenado, o Governo português deve fornecer informações sobre as investigações ou acusações em causa”, acrescenta o mesmo documento.

Não foi possível, até ao momento, perceber se estas condições impostas pelas Nações Unidas são anteriores ao destacamento da primeira força portuguesa, no início do ano. Certa é a presença, nesse grupo, de dois enfermeiros que já nesse momento tinham sido constituídos arguido e estavam a ser investigados no processo dos Comandos por suspeitas de envolvimento na morte de dois instruendos do curso.

Comandos. 19 militares acusados de 489 crimes

O processo dos Comandos foi instaurado em setembro do ano passado, depois de Hugo Abreu, um dos militares que integrava o 127º curso, ter morrido no primeiro dia de instrução, durante a chamada Prova Zero. Dylan Araújo da Silva, outro dos instruendos, viria também a morrer passados alguns dias. Tinham ambos 20 anos e não resistiram às lesões sofridas devido a uma situação de desidratação extrema.

No âmbito do processo que correu no Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa, 19 militares foram acusados de quase 500 crimes. O próprio comandante do regimento, coronel Dores Moreira, foi visado no despacho de acusação, com a procuradora Cândida Vilar a determinar a abertura de um processo autónomo, na Relação de Lisboa, por haver suspeitas de que o militar terá cometido os crimes de falsificação de documentos, insubordinação e abuso de autoridade.

Chefe dos Comandos investigado pelo Ministério Público em novo processo