O Milhões de Festa celebra dez anos. A décima primeira edição do festival arrancou ontem, o chamado dia zero. Entrada gratuita e cartaz ligeiro para abrir as hostilidades. É melhor assim, um aperitivo antes dos três pratos principais em preparação para o que aí vem. Falar em pratos é essencial, afinal este é o festival que tem um palco chamado Taina, onde se pode comer e ouvir música. Há jantares, bifanas, sandes de rojões e arroz de cabidela entre as duas e as três da manhã. Hoje vou experimentar. Pela primeira vez. Foram precisos dez anos para eu aparecer no Milhões. Sou assim, às vezes gosto de aparecer tarde e quando há bolo.
O dia começou em Lisboa, partida de manhã a tempo de chegar à hora de almoço a Pombal. Aquela paragenzinha a meio do caminho para encher a barriga n’O Pote do Leitão. Desde ontem que parar em Pombal será diferente para mim. Farei questão de passar por ali a horas de refeições e parar n’O Pote. Se eu fosse leitão queria ser degustado ali, é um sítio onde toda a atenção estaria virada para mim.
Começar por onde? Pelas entradas? Ora bem, feijoada de leitão, chamuças de leitão, folhados de leitão, chouriço preto e uma nova entrada nas 1001 formas de fazer bacalhau em Portugal: pastéis de bacalhau sem bacalhau. Adivinham com o quê? Leitão. Uma delícia. Há entradas para desenjoar um pouco do leitão, como um camarão enrolado numa massa e queijo frito. Até porque o prato principal vai ser leitão, com batata, migas e salada. A salada foi o elo mais fraco ali, não sei se por ser assim-assim ou por não fazer qualquer sentido. Tomate e alface não rimam com leitão.
As sobremesas não escapam ao leitão. Há miminhos de côco com gelado e molho de leitão. Ou normalmente há, ontem não havia. Pena, fui para uma opção sem toque de leitão. De certeza que haveria miminhos para o Fernando Mendes se de repente ele parasse ali. Há fotografias de gente conhecida espalhadas por todo o restaurante. Há uma do Fernando Mendes, claro. Mas também há um mural só com fotografias do Fernando Mendes. Estava a tentar fazer uma comparação de “ele já foi mais vezes ali do que” mas não consigo. São vezes demais para conseguir sacar uma piada.
Barriga cheia mas confortável, pronta para mais duas horas de viagem. No carro ouve-se J.J. Cale e o seu Troubadour, daqueles discos que entraram no meu roteiro de música para ouvir em viagem. É perfeito. Chegada a Barcelos. Ou a dez minutos de carro de Barcelos, que é onde estou. Eu sei que é suposto estar a falar do festival e de música, mas isto é importante. Estou num sítio lindíssimo que parece um parque de campismo com moradias lá dentro. Na receção há uma dificuldade em fazer-me perceber, não percebo a nacionalidade das rececionistas e pedem-me para falar em inglês. Assim faço, também não me percebem. Há imensas referências à Polónia na receção. Talvez sejam polacas.
A coisa fica resolvida e lá vou para a minha moradia. Sou o primeiro a chegar. Casa com quatro quartos, três duplos e uma camarata para quatro. Adivinhem onde eu fiquei? Ao entrar na camarata só me ocorre na forte possibilidade de dormir todos os dias com mais três bacanões. Eu nem sabia o que era um bacanão. A minha cabeça começou a criar a definição, uma espécie de bacano exponenciado por níveis ilimitados de bacanice. Mas isso é um, há a possibilidade de serem três. Claro que podem não ser bacanões, mas não há piada nisso.
A ideia de bacanões fica mais presente quando dou uma volta pelo espaço. Não vejo portugueses, apenas jovens com um ar de que estão a fazer uma versão do “Love On Top Erasmus”. Há muito “Love On Top” na piscina deste complexo de moradias. E começo a pensar que um espaço assim, nestas condições, poderia ser um ótimo cenário para um filme pornográfico. Há piscina e um cenário idílico em volta. E volto a pensar nos bacanões.
Ok, hora de jantar e vou para Barcelos. Comi para picar o ponto. Ainda havia muito leitão dentro de mim. Dez horas e chego ao recinto do Milhões de Festa. O festival arrancou às 18:00 com o Ensemble Insano, um conjunto de músicos locais que abrem, por defeito, o Milhões. A tarde terminou com Live Low e Enablers. O recinto fica perto do rio Cávado, no Parque Fluvial de Barcelos. Malta rodada no Milhões conta-me a história dos palcos e de como este ano, pela primeira vez, o dia zero acontece no palco principal, o Palco Milhões. Quando chego estão a tocar os Cigarra & BirdzZie mas não consigo prestar muita atenção. Estou a tentar perceber onde tudo é. O recinto do Milhões é pequeno mas dá a ideia de que vai estar sempre a acontecer muita coisa. O espaço reduzido cria a sensação de que cada pessoa é um evento próprio. Isso tem alguma piada.
Além do palco principal há o Palco Lovers, o Palco Taina e o Palco Piscina. Entre os concertos de ontem, um pouco ao lado do Palco Milhões, acontecia Favela Impromtu, uma banquinha montada perto das bebidas para criar alguma animação sonora durante a espera. O meu primeiro concerto foi o dos Stone Dead às 23:15. Rock entusiasmante que, por diversos momentos, fazia lembrar uma versão portuguesa dos Oasis. Estranhamente fazia mais sentido estar a ouvir aquilo agora, em 2017, do que em meados dos anos 1990. Seguiu-se Rizan Said, um sírio que no rider deixou bem explícito: “no alcohol, no pig, no english”. Tudo certo, mas ele não deve ter percebido que os Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs tocavam logo a seguir a ele.
Foi durante o concerto de Rizan Said, com os seus dois teclados Korg, que me bateu que este primeiro dia de Milhões estava a ser o melhor dia de Queima das Fitas que nunca existiu. Havia um tom de celebração, uma espécie de after party de um casamento. Gente a fazer comboio e essas coisas. Foi divertido q.b. Seguiram-se os Pigs x 7, rock amadurecido no enjoo, que mais parecia uma versão em slow motion do fim do mundo. Nunca mais acabava e estava sem paciência para aquilo. A noite terminou com os DJs da Casa. Animação perfeita para gastar as últimas energias do dia e rumar para a cama. Chego ao meu quarto e ainda estou sozinho. Zero bacanões.