Zeinal Bava recebeu 25,2 milhões de euros do ‘saco azul’ do Grupo Espírito Santo (GES), a famosa sociedade offshore Espírito Santo (ES) Enterprises, mas apenas devolveu à massa falida do GES cerca de 18,5 milhões acrescidos de juros de mora. Bava está aberto a devolver a totalidade do dinheiro que recebeu por acordo feito com Ricardo Salgado, mas diz que ainda não tem segurança jurídica para o fazer. “O diálogo está em aberto”, diz Bava.

Estas revelações foram feitas pelo próprio ex-chief executive officer (CEO) da Portugal Telecom (PT) no interrogatório a que foi sujeito no dia 24 de fevereiro deste ano no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) no âmbito dos autos da Operação Marquês — e que foi revelado pela Sábado na sua edição desta quinta-feira.

Num interrogatório tenso em que o gestor falou muitas vezes de forma atabalhoada, Zeinal Bava começou por ser constituído arguido por corrupção passiva, branqueamento de capitais e fraude fiscal por ter recebido entre 2007 e 2011 um total de 25,2 milhões de euros da ES Enterprises. De acordo com as suspeitas do procurador Rosário Teixeira, líder da equipa de investigação da Operação Marquês, Ricardo Salgado ordenou a transferência desse montante para assegurar o apoio de Bava e a sua influência junto dos restantes administradores da PT para um conjunto de decisões favoráveis ao BES/GES. A saber:

  • A oposição à OPA da Sonae à PT — que terminaria com a influência do BES/GES na operadora;
  • A cisão da PT Multimédia, que terá dado a ganhar ao BES várias centenas de milhões de euros;
  • E a venda da empresa brasileira Vivo e consequente compra da Oi/Telemar — duas operações apoiadas pelo BES.

Granadeiro e Bava receberam mais de 50 milhões de euros do saco azul do GES

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As transferências da ES Enterprises para Zeinal Bava foram reveladas publicamente pelo Expresso em maio de 2016 e diziam respeito a um total de 18,5 milhões de euros transferidos, tal como o Observador noticiou posteriormente, em duas tranches, em 2011, por ordens de Ricardo Salgado. Em Março deste ano, o Observador revelou que a investigação da Operação Marquês tinha detetado uma nova transferência do ‘saco azul’ para Bava logo em 2007, mais concretamente a 7 de dezembro de 2007. Foi nesse dia que a ES Enterprises transferiu, por ordens de Ricardo Salgado, 6,7 milhões de euros para a UBS de Singapura, onde Zeinal Bava tinha uma conta aberta em nome de uma sociedade offshore.

Confrontado com esta primeira transferência, Zeinal Bava manteve a sua explicação de sempre para as transferências do ‘saco azul’ do GES: foi uma alocação fiduciária. Ou seja, o dinheiro não lhe pertence, tendo-lhe sido apenas confiado pelo GES numa perspetiva de investimento numa eventual privatização da PT em nome de quadros desta empresa.

Nas suas declarações no DCIAP, Zeinal Bava revelou que, após a derrota da OPA da Sonae à PT, “coloca-se a questão de se eu vou ficar na PT Multimédia, se eu vou ficar na PT. E o dr. Henrique Granadeiro, nessa altura, convida-me… ah.. para ficar como vice-presidente da PT, com a vontade de que eu passasse a ser presidente [em 2008] (…) Naturalmente, o dr. Ricardo Salgado… ah… achou uma boa escolha e nos contactos que eu mantive com o dr. Ricardo Salgado (…) disse que via com bons olhos que eu — e quem eu escolhesse — pudesse ficar mais comprometido com o projeto (…) Eu não fui a primeira escolha, não sei quem foram as outras pessoas, mas aparentemente houve outros convites que tinham sido feitos e essa questão de dar a hipótese às pessoas de poderem ter uma participação na PT já tinha sido aflorada e então eu disse-lhe: ‘olhe, vamos fazer isso, então faz essa transferência'”.

Bava terá feito questão de dizer aos investigadores que não se mostrou surpreendido com esta proposta de Ricardo Salgado:

Tal como o dr. Ricardo me disse que tinha convidado pessoas, não é? Antes de eu ser presidente da PT (…), por isso não me estava a dar nada que não tinha oferecido a outros”, terá afirmado Bava, segundo a revista Sábado.

Confrontado com o facto de não ter sido feito nenhum contrato em 2007 (tal documento só terá sido assinado vários anos depois, a crer nas declarações que Bava fez à comunicação social), Zeinal Bava afirmou aos procuradores Rosário Teixeira, Inês Bonina e Filipe Preces que sentiu-se “desconfortável” com esse facto e pediu a Ricardo Salgado para “formalizar” depois de ter recebido a transferência em dezembro de 2007 mas isso só terá sido feito em 2011.

Tal como já tinha afirmado à comunicação social, Bava admitiu que não chegou a contactar nenhum administrador ou alto quadro da PT para proceder a tal investimento fiduciário com o dinheiro do saco azul’ do GES.

Refira-se que as explicações que Ricardo Salgado deu ao procurador José Ranito no âmbito do caso BES/GES sobre as transferências de 18,5 milhões para Bava, e que repetiu na Operação Marquês, são contraditórias com as de Zeinal Bava, visto que justifica a transferência daquele montante com a ida de Bava para o Brasil para liderar a Oi.

‘Saco azul’ do GES. Ricardo Salgado ordenou transferências de 18,5 milhões para Zeinal Bava

A devolução do dinheiro

Durante o interrogatório, foi revelado que Zeinal Bava, tal como Ricardo Salgado e Carlos Santos Silva, tinha aderido ao Regime Excepcional de Regularização Tributária (RERT) para regularizar em maio de 2012 cerca de 11,5 milhões de euros que tinha depositado no estrangeiro.

Os investigadores desenvolveram igualmente em pormenor a devolução que Zeinal Bava afirmou na comunicação social que tinha feito à massa falida do GES no Luxemburgo. Bava garantiu que tentou devolver o dinheiro ao BES logo em 2013, assegurando que enviou uma carta a Ricardo Salgado nesse sentido. O ex-CEO da PT repetiu por várias vezes que essa sempre foi a sua intenção, tendo feito, diz, outras tentativas ao longo dos últimos anos. Mas só em maio de 2016 devolveu 18,5 milhões de euros que tinha recebido em 2011 — valor este que era o único conhecido publicamente pela notícia do Expresso; o valor de 6,7 milhões só foi revelado em março de 2017 pelo Observador.

Os investigadores, contudo, não deixaram passar em claro a contradição: se tinha 6,7 milhões de euros em Singapura desde 2007 e se recebeu 18,5 milhões em 2011, num total de 25,2 milhões, por que razão apenas devolveu 18,5 milhões?”. “Porque não tinha segurança jurídica”, foi a primeira resposta de Bava. Perante a insistência dos investigadores, Bava acrescentou:

“O valor foi pago… uh… manteve-se… o diálogo está em aberto, não é? Ou seja, não é um processo que se encerrou, é um diálogo que está em aberto”, terá afirmado, segundo a Sábado.

A terminar o interrogatório, Zeinal Bava terá garantido que, “em relação a tudo o que a gente falou sobre as decisões da OPA [da Sonae à PT], na venda da Vivo, no reajustamento da Vivo, etc., em nada, em nada eu faria diferente do que aquilo que fiz. OK? Em nada”, concluiu.