Nome: Depois a Louca Sou Eu
Autora: Tati Bernardi
Editora: Tinta da China
Páginas: 144
Preço: 14,90€

Talvez seja um exagero chamar louca a Tati Bernardi, mas é precisamente o exagero uma das ferramentas mais bem exploradas pela guionista paulistana no livro de crónicas que chega a Portugal depois do sucesso de vendas — 30 mil exemplares — no Brasil. Tati Bernardi pode não ser louca — afinal é isso que ela subentende no título e no texto com o mesmo nome, Depois a Louca Sou Eu — mas tem graça, ri de si própria e da sua mania da perseguição, das suas mentiras, das suas crises de pânico e de ansiedade. Como fica explícito logo na primeira crónica, a autora decidiu que ia escrever este livro no dia em que se convenceu que o avião onde viajava ia cair. Ironia para o leitor descobrir ao longo de 140 páginas: o livro é ao mesmo tempo um pára-quedas e um exercício de queda livre.

“Escrevo para saber que tenho bordas, como um morto na cena do crime. Talvez escrever me salve diariamente e não enlouquecer de verdade e eu possa continuar mesclando estes dias em que apenas pago contas e dou de comer à minha cachorra com outros em que escuto batimentos cardíacos tamborilando pelas paredes da casa enquanto tento em vão descolar a língua do céu da boca.” (pág. 9)

No mergulho para se salvar, a colunista do jornal Folha de São Paulo põe tudo cá para fora, em 22 crónicas autobiográficas que têm tanto de trágico como de humorístico. O melhor é enumerar, enquanto se bebe um copo de água, para recuperar o fôlego:

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– o tormento que é combinar uma passagem de ano fora com os amigos (é preciso ser a última a chegar para ninguém trancar o carro, passar um cheque para o caso de ser necessário e estar demasiado nervosa para escrever, consultar onde fica a paragem de táxis mais próxima);

– a primeira crise de pânico, no aeroporto de Paris. Ou foi debaixo da cama, em casa de uma amiga? Não, foi numa manhã, ao tentar acordar. No supermercado, por não conseguir escolher um melão. Agora a sério: num táxi, parada no trânsito, em cima de uma ponte. Ou foi numa viagem sozinha em Barcelona, debaixo de 43 graus?

Ando pelas ruas com uma garrafa de dois litros de água e, sem vergonha nenhuma, a cada cinco passos jogo um tanto da água na cabeça. Faltam três Gaudí ainda e amanhã vou embora. Preciso ver tudo, mas estou a três segundos de um ataque de pânico. Entro num boteco estranho. Peço Coca-Cola e jogo um saquinho inteiro de sal dentro dela. Preciso resolver ao mesmo tempo a hipoglicemia e a pressão baixa.” (pág.26/7)

– A fobia dos aviões, campeã da lista dos medos, onde estão também comer demais, perder o controle, ser estranha;

– os comprimidos, quase erguidos à condição de personagens. Rivotril, Vonal Flash, Dramin, Clonazepam, Escitalopram, Paroxetina, Efexor XR, Dorflex, Dramin. Mais do que nas páginas de um comunicado da Apifarma;

– os namorados e o desafio do sexo para quem toma tantos antidepressivos:

O Efexor transformou minha libido na vista para as montanhas que os corretores de imóveis juram ter uma sacada de apartamento na Pompeia. Ninguém sabe, ninguém viu.” (pág.50)

– Os périplos para curar a ansiedade, das consultas com um neurologista que insiste em dar-lhe remédios para não desmaiar (sendo que ela nunca perdeu os sentidos) às sessões com uma “bruxa-terapeuta” especialista em constelação familiar que ela frequenta com o mesmo ceticismo;

– ou ainda a predileção por namorados estranhos — “os loucos se atraem” — ou por psiquiatras:

Namorei uma infinidade de psiquiatras, psicanalistas, psicólogos, médicos de outras áreas que se interessassem por psiquiatria – o maior tesão que eu tenho num homem é fantasiar que seu pau é também uma vara de condão contra o mal-estar da loucura. ‘Me deixa louca de amor e depois me deixa calma para eu poder dormir mesmo amando’ é o que eu gostaria de tatuar na minha virilha.” (pág.46)

Escrito ao mesmo tempo contra e no meio do “medo sem explicação”, Depois a Louca Sou Eu é um livro frenético em que a grande loucura é usar o sentido de humor para combater a ansiedade. Tati Bernardi escreve como se estivesse atrasada, o que não deixa de ser uma frutuosa contradição para quem tem sempre a cabeça em todos os cenários do futuro.