A viver numa crescente onda de protestos nos últimos três meses, a Venezuela enfrenta um momento decisivo no domingo, com a votação para eleger uma nova Assembleia Nacional Constituinte, medida do presidente Maduro que a oposição considera “ilegal”.

A controversa Assembleia Nacional Constituinte foi convocada a 01 de maio pelo Presidente da Venezuela, Nicolas Maduro, com vista a acalmar a crise política que se vive no país. O regime – com a popularidade em queda devido à grave crise económica (causada pela queda dos preços do petróleo) – está em minoria no Parlamento, o que levou os deputados da oposição a exigir que Maduro renuncie.

A 01 de maio, Maduro convocou uma votação para 30 de julho, na qual seriam eleitos os deputados que vão redigir uma nova Constituição. Na altura, o Presidente disse que não queria uma Assembleia “dos partidos da elite”, mas sim “uma Constituinte da cidadania, operária, comunitária, camponesa”, uma última possibilidade de promover o diálogo e atingir a paz no país.

A oposição salienta que Maduro tem a votação visa, pelo contrário, livrar o regime dos poderes que não controla: a Assembleia Nacional (na qual está em minoria) e a Procuradoria-Geral da República, adiar as eleições gerais. Em suma, dar mais um passo rumo a um Estado autoritário.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

No domingo serão eleitos 545 deputados. Deste total, 364 são representantes territoriais, 173 de “âmbito setorial” (79 de sindicatos e grémios, 28 pelos pensionistas, 24 pelos estudantes, 24 dos concelhos comunais, oito pelos camponeses e pescadores, cinco dos empresários e cinco pelas pessoas com deficiência). Os restantes oito são representantes das comunidades aborígenes.

Mais de 50 mil venezuelanos apresentaram-se para ser eleitos (em nome individual ou integrados em grupos de eleitores), mas o organismo eleitoral aprovou apenas cerca de 6 mil candidatos. Para evitar que a eleição se transforme num voto de protesto contra o Governo, foram proibidas as candidaturas a partir de partidos políticos. O que não impede que a maioria dos candidatos seja do partido do Governo, dos partidos seus aliados ou simpatizantes.

É o caso de Diosdado Cabello, vice-presidente do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), deputado da Assembleia Nacional e braço-direito de Maduro. Cabello também é protagonista do programa de televisão “Con el mazo dando” [A dar-lhes com um maço], no qual ameaça abertamente membros da oposição.

Outros candidatos conotados com o regime chavista: a mulher do presidente Nicolás Maduro e atual deputada, Cilia Flores, a ex-MNE Delcy Rodríguez e o irmão mais velho de Hugo Chávez, Adán Chávez.

Quando Maduro aprova, a 23 de maio, o decreto presidencial com as regras da eleição surgem novas surpresas: os círculos eleitorais habituais nas votações venezuelanas são postos de parte em detrimento de um sistema de um deputado territorial por cada município, sem levar em conta a população de cada circunscrição.

Ou seja, as zonas rurais — onde o poder estatal ou estadual conserva maior apoio e consegue influenciar mais diretamente os votantes — ganham uma vantagem desproporcional. Um voto no Estado de Falcón (semi-rural, noroeste da Venezuela) “vale” o equivalente a 26 votos em Caracas, fortemente anti-regime.

A oposição contesta, sobretudo, o facto de Maduro não ter submetido a referendo uma iniciativa que visa escrever uma nova Constituição, algo que até mesmo o líder inicial da revolução bolivariana, Hugo Chávez, fez em 1999. Maduro diz que a iniciativa “conta com o apoio do povo” (razão pela qual não foi preciso consultá-lo diretamente) e que visa “aperfeiçoar” a Constituição chavista de 1999.

Por outro lado, prometeu que o texto constitucional que saia da Assembleia será submetido a aprovação através de um referendo.

Fora das eleições de domingo, a oposição joga tudo na participação (ou na não participação) no ato de domingo. A nova Assembleia começará com menos legitimidade se a participação for inferior aos habituais 25% (de um total de 19 milhões de eleitores) ou inferior aos 7,5 milhões de votos conseguidos numa consulta popular contra a eleição de domingo, organizada pela oposição a 16 de julho.

Ciente do risco, o regime tem incentivado os funcionários públicos a votar e prometeu controlar a afluência às urnas dos beneficiários dos programas de cariz social, através do “Cartão da Pátria”, um documento de identificação lançado por Maduro.