Joana Lopes e Filipe Janeira estavam à beira da água quando ouviram um rapaz gritar “olha o avião!”. Daí para a frente, tudo aconteceu de forma muito rápida. O Cessna 152 aproximava-se da praia, com pouco ruído e a planar, acabando por aterrar na areia molhada. Pelo caminho, arrastou consigo duas pessoas com as rodas, provocando-lhes a morte: um homem de 56 anos e uma menina de oito. A violência entrou de rompante nas vidas de Joana e Filipe e colocou a normalidade das férias em suspenso.

Os dois amigos, de 35 e 34 anos, estavam tão perto das vítimas que assistiram de perto ao impacto do embate e foram dos primeiros a tentar socorrê-los, embora pouco já houvesse a fazer. “Foi enquanto a avioneta estava a aterrar que bateu nas pessoas que morreram, ainda não tinha aterrado”, conta Joana. Sentada na areia, uns metros acima do local onde a CS-AVA ainda espera ser recolhida, Joana e Filipe têm ainda o chapéu de sol amarelo montado. Marcada pelas imagens que viu, faltam forças a esta psicóloga para agarrar nas suas coisas e pegar no carro.

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Uns metros mais abaixo, o comandante Paulo Isabel, da capitania do Porto de Lisboa, confirmaria algumas horas depois aos jornalistas presentes no local que a aterragem de emergência se deu às 16h51 na praia de São João da Caparica, provocando a morte a duas pessoas e ferindo uma terceira, embora sem gravidade.

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“Poderá ter sido uma falha mecânica, já que as testemunhas no local relataram não ter ouvido qualquer som da aeronave e que esta vinha a planar”, confirmou o comandante no local, realçando, no entanto, que estão atualmente a decorrer duas investigações – uma judicial, liderada pela Procuradoria Geral da República, e uma técnica a cargo do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GEPIAF).

A capitania do Porto de Lisboa confirmou igualmente que os pilotos comunicaram à torre de controlo de Cascais que tinham uma falha no motor e que iriam aterrar na praia.

“Mayday, falha do motor, vai aterrar na praia”

Questionado pelo Observador sobre se o número de vítimas mortais poderia ter sido mais elevado tendo em conta as condições do local, o comandante Paulo Isabel admitiu que, embora “lamentando as vítimas mortais”, “num dia de verão como este, com centenas ou milhares de pessoas na praia, só ter duas vítimas poderá até ser um milagre“.

Pânico e indignação

O casal António Duarte e Sandra Gouveia, que vivem perto da praia, em Santo António da Caparica, também estavam próximos do local onde o acidente se deu. “Estava sentado na areia e vi o avião a vir no sentido Lisboa-Sul e a varrer o areal. Não sei como isto não foi pior”, admite António, que telefonou de imediato à mãe para lhe assegurar que estava bem. “As pessoas gritaram, fugiram, estavam em pânico”, conta. “Depois queriam fazer sei lá o quê ao piloto…” Outras testemunhas, como Maria Arminda [no vídeo abaixo], garantem que muitas pessoas “fugiram imediatamente da praia” e falam em “alarido” e “pânico”.

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A capitania do Porto de Lisboa não confirmou que os dois pilotos tenham necessitado de escolta policial para sair do local, mas várias testemunhas ouvidas na praia pelo Observador dão conta de que foram ditas palavras azedas e de que alguns nadadores salvadores tentaram serenar os ânimos. “Viemos logo cumprimentá-los, está a perceber?”, diz em tom irónico António Gonçalves, veraneante vindo de Moscavide, que estava a poucos metros, “com água pelos joelhos”. “Houve umas agressões verbais e tal. E depois apareceram os familiares das vítimas, por isso pode imaginar…”, conta.

6 fotos

As várias testemunhas ouvidas pelo Observador no local, dispararam críticas em várias direções: contra os pilotos, a permissão de aviões voarem tão perto da praia, “os aviões publicitários” ou “os operadores turísticos”, numa tentativa desesperada de racionalizar o sucedido e apurar responsabilidades. Mais tarde, a Escola de Aviação Aerocondor explicaria, num comunicado enviado às redações, que a avioneta CS-AVA tinha sido alugada pela escola ao Aeroclube de Torres Vedras e que se encontrava “num voo de treino com um aluno e um instrutor sénior”, piloto este “com elevada experiência e milhares de horas de pilotagem”.

Contudo, os banhistas questionavam incessantemente se o piloto não poderia antes ter amarado em vez de aterrar na areia. Em declarações ao Observador, o piloto Pedro Diniz explicou que, pelas características do Cessna 152, o avião se “partiria ao meio ou ficava desfeito”, caso tentasse aterrar na água – o que pode ajudar a explicar a decisão do piloto.

Aterrar no mar ou num mar de gente? As opções do piloto da aeronave da Caparica

“Não sendo eu um especialista, não posso dizer que [amarar] não foi tentado. Não sei se os pilotos tinham condições. Tal terá de ser investigado, não podemos especular”, declarou o comandante Paulo Isabel.

A capitania confirmou ainda que os dois pilotos, ambos portugueses, foram entretanto sujeitos a termo de identidade e residência e serão amanhã ouvidos pelo Ministério Público no âmbito da investigação judicial. A investigação técnica, levada a cabo pelo GEPIAF, continuará a decorrer num hangar para onde a avioneta foi levada por volta das 20h, a fim de ser sujeita a mais perícias.

Enquanto as autoridades aguardavam a chegada do reboque para remover a avioneta da praia e as dezenas de curiosos iam abandonando o local, a psicóloga Joana e o amigo Filipe continuavam a reunir coragem para ir embora. O momento em que Joana viu duas pessoas perderem a vida à sua frente, a apenas alguns metros do local onde estava, está-lhe gravado a ferro e fogo na memória e teima em não sair. “Ainda há poucos dias fiz o Caminho de Santiago e deu-me consciência de tanta coisa…”, diz, olhando para o vazio. “Estamos vivos por acaso, por uma questão de sorte ou azar. Podíamos ter sido nós. Porquê uma criança e não nós?”