Há 33 anos, Dany Sanz fundava uma marca de maquilhagem, a Make Up For Ever. Há 18, vendia-a a um grupo dos grandes, assegurando o papel de diretora criativa. Uma versão da história para lá de curta, quando comparada com a que contou ao Observador na última vinda a Lisboa. O pretexto foi a apresentação da coleção de outono, mas o verdadeiro tema de conversa foi outro — a viagem que começou nas Belas-Artes, em Paris, e culminou com a criação dos produtos que todos os maquilhadores profissionais do mundo querem usar.

Pelo meio, houve uma experiência pioneira no universo da pintura corporal, a abertura de uma escola, experiências na cozinha e duas passagens por Portugal que fizeram história. Os anos 80 foram, sem dúvida, a década de ouro para Dany Sanz. Arriscou, experimentou, saiu-se bem e, em 1984, criou a Make Up For Ever, a marca que seduziu os profissionais da maquilhagem desde o primeiro dia. O sucesso viria a replicar-se mais tarde, com a chegada dos produtos ao grande público. Hoje, são dezenas de lojas espalhadas pelo mundo, 1.600 produtos e dez academias para profissionais.

Começou por fazer pinturas corporais. Como é que chega à criação de uma marca de maquilhagem?

Eu era pintora e escultora e nunca tinha sonhado em tornar-me uma makeup artist. Fiz Belas-Artes e isso marcou toda a minha vida. Para mim, a arte tem de ser útil, por isso é que pintar e esculpir não era suficiente. Estava rodeada de músicos, bailarinos e de outras pessoas ligadas às artes de palco, por isso, descobri essa outra forma de expressão muito depressa. Estávamos nos anos 80, aqueles loucos. Um dia, decidi pintar sobre a pele, só para experimentar. Foi fruto da minha imaginação. Recebi imediatamente a atenção da imprensa e comecei a conhecer vários makeup artists. Era um mundo novo para eles, isto de usar a maquilhagem sem ser só na cara. Para mim, foi super interessante desde o início, porque, de facto, estava a sentir-me aborrecida só a pintar e a fazer escultura.

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O cabelo ruivo, a imagem de marca de Dany Sanz. ©Laurence Laborie

Descobri que podia usar o que tinha aprendido em Belas-Artes no mundo fenomenal que era o da maquilhagem. Apesar daquilo me ter saído naturalmente, tive de aprender a maquilhar. Não sabia, aprendi sozinha. De repente, percebi que tinha vários makeup artists a olharem para mim, por ser diferente e porque o meu toque artístico era novo e fresco. Muitos diziam que queriam aprender comigo. Eram os anos 80 e as pessoas queriam coisas novas. A música estava a mudar, a moda estava a mudar, tudo estava a mudar. Pouco tempo depois, um deles convidou-me para abrir uma escola, a mim, que nem sequer era profissional na área. Abrimos a escola e eu vi que era, de facto, boa naquilo, a comunicar e a transmitir. Construímos a escola. Foi um momento ótimo, porque eu gosto de construir, gosto de começar com uma coisa pequena e fazer dela algo grande. E também aprendi muito. Posso dizer que me tornei numa makeup artist com os meus alunos. Descobri diferentes estilos de maquilhagem e várias possibilidades de utilizá-la. Fiz efeitos especiais para filmes. Dei-me conta de que o mundo da maquilhagem é maravilhoso, precisamente por estarmos sempre a aprender e a tornarmo-nos melhores.

E quando é que começa a fazer os seus próprios produtos de maquilhagem?

Chegou uma altura em que quis fazer algo diferente, outra vez. Os produtos que usávamos na escola eram muito fracos, então comecei a compor as minhas próprias fórmulas, numa cozinha, com os meus alunos. Um dia, percebi que era disso que precisávamos: criar uma linha. Pedi dinheiro ao banco, os meus alunos também contribuíram e o meu marido ajudou-me. Aconteceu por magia, por isso é que, ainda hoje, é uma marca mágica. O negócio era pequeno, mas começou a chamar a atenção da imprensa e, mais uma vez, de outros makeup artists. Abrimos uma pequena loja em Paris, que depressa se tornou num ponto de encontro de artistas, maquilhadores, produtores e profissionais de bastidores. Eu tinha mais de 30 anos quando fundei a marca, em 1984. Já não era assim tão nova. Podia tê-lo feito antes, mas dirigia a escola, ao mesmo tempo que tentava arranjar dinheiro. Aceitava outros trabalhos, de dia e de noite, tudo para este bebé sobreviver.

Durante anos, a marca foi conhecida apenas por maquilhadores profissionais. Porquê começar por esta comunidade?

Foi tudo natural. Desde o primeiro dia que os makeup artists sempre viram a Make Up For Ever como uma marca com personalidade e não só com produtos. Ficámos famosos no meio profissional, nos bastidores. Aí, decidi deixar de gerir a escola. Tinha de me dedicar apenas à Make Up For Ever. Durante anos, viajei por todo o mundo, incluindo Portugal. Apresentava produtos, fazia demonstrações e dava formação a profissionais. A Make Up For Ever tinha ótimos produtos, por isso, também era preciso que os usassem bem. Em alguns países, esta educação não existia. O que eu fiz foi ensinar-lhes a técnica para que, depois, eles usassem os meus produtos. E continuo a fazer isso hoje. Eu formei milhares, eles ajudaram a marca a crescer e deram-lhe uma reputação diferente, era a marca deles, aprenderam com ela. Os tempos estavam a mudar, a vida social estava a mudar e a imprensa e as grandes lojas começaram a estar cada vez mais interessadas nos produtos para profissionais. Abrimos a loja em Nova Iorque e em 1999 vendemos a marca ao grupo LVMH. Continuávamos a ser só nós, o meu marido e eu, e precisávamos de ter um grupo por trás.

Porque a vida é um palco e as pessoas estão sempre nele. Quando dou aulas, quando faço os produtos, cores e texturas, quando olho para as pessoas a usarem os produtos, penso sempre nessa ideia de subir a um palco.

Ao vender a marca, não teve medo de perder o controlo sobre ela?

A Make Up For Ever continua a depender de mim, a fundadora. Sempre fui muito curiosa e sempre gostei de mudanças. Para mim, foi mais uma aventura. Quando a vendemos, a marca já estava acessível ao público, enquanto os profissionais encontravam os produtos em lojas específicas. Tínhamos chegado ali, os dois sozinhos, por isso queríamos ver no que dava com um grupo grande por trás. Sou uma otimista, por isso espero sempre o melhor. É óbvio que as coisas mudaram, deixámos de ser livres, passámos a pertencer a um grupo. Mas o que há de mágico na Make Up For Ever é que é difícil retirar-lhe a sua personalidade. E tal como já tinha acontecido com os profissionais, também já o público estava viciado nos produtos. Ainda hoje, tudo o que acontece à volta da marca é diferente. Ela tem uma atmosfera própria e uma comunidade à volta dela. Lembro-me perfeitamente da nossa primeira inauguração num espaço de venda ao público, nas Galerias Lafayette, em Paris. Estava tão ansiosa e, de repente, vi que tudo aquilo era um novo palco para a marca. Hoje, tal como nessa altura, os produtos são feitos para a comunidade profissional, mas totalmente adaptáveis à utilização do público. Porque a vida é um palco e as pessoas estão sempre nele. Quando dou aulas, quando faço os produtos, cores e texturas, quando olho para as pessoas a usarem os produtos, penso sempre nessa ideia de subir a um palco.

Mantém as referências mais artísticas no trabalho que faz hoje?

Bastante. Desde o início que as artes fazem parte da minha educação e, se hoje sou uma makeup artist, é por causa disso. Nós temos escolas em todo o mundo e abrimos também uma academia de cinema em Paris. A minha visão da maquilhagem foi diferente desde o início e essa influência das Belas-Artes está lá, da maquilhagem mais artística à própria comunicação da marca. Não sei porquê, há dois anos, comecei a pintar outra vez. Talvez tenha sido para mostrar que somos artistas, makeup artists, mas artistas.

O que é que encontrou quando veio a Portugal pela primeira vez?

Eu tenho uma vida em Portugal. Antes de existir a Make Up For Ever, trabalhei para uma outra marca de cosmética, que me trouxe a Portugal. Estava cá durante a vossa revolução. Foi um momento incrível para os portugueses, mas também para mim. Depois disso, logo no início da Make Up For Ever, recebi o contacto de um português. Ele distribuía várias marcas de cosmética e queria abrir uma pequena loja para profissionais em Lisboa. Dizia que os makeup artists portugueses queriam a Make Up For Ever. Não só ele foi o primeiro a distribuir a marca em Portugal, como ficámos grandes amigos. Pediu-me que viesse, porque a formação dos profissionais em Portugal era muito fraca. Isto, ainda durante os anos 80. A mulher dele tinha uma galeria, onde montou uma pequena sala de aula. Recebi montes de gente nova, uns queriam ser profissionais, outros já eram. Dei formação a maquilhadores da RTP, a técnica era toda muito antiquada. Trabalhei muito em Portugal e também aqui se criou uma comunidade em torno da Make Up For Ever. Adoro vir cá e andar pelas ruas. Eu sou sul-americana e detesto andar pelas ruas em Espanha, mas Portugal é diferente. Desde que vim para ensinar, que gosto da sensibilidade artística e da capacidade de improviso que as pessoas têm.

Dany Sanz esteve passou por Lisboa, em julho, para apresentar as novidades de Outono na Make Up For Ever. Entre elas estão os Artist Liquid Matte, à venda na Sephora. ©Divulgação

E quando anda na rua vê muitas pessoas mal maquilhadas?

Sim, mas às vezes até gosto. Vou contar uma história a propósito disso. A nossa primeira loja em Nova Iorque abriu no Soho e em frente havia uma loja de roupa vintage. A dona era incrível. Todos os dias, ela chegava à loja com uma maquilhagem diferente. Nem era maquilhagem, era uma máscara, com os olhos muito carregados e com as maçãs do rosto muito vermelhas. Era diferente e eu imaginava-a a fazer aquilo todos os dias de manhã, em frente ao espelho, antes de sair de casa. Era belíssimo. Há dias em que olho para mulheres na rua e consigo imaginar o tempo que passaram em frente ao espelho, tudo para estarem bem. Mesmo que não corra bem, elas estão bonitas, porque se esforçaram. Às vezes, o erro é bom. Ter toda a gente perfeita é aborrecido.

E para este verão, quais os essenciais de maquilhagem que temos de ter por perto?

Bem, este é um verão um bocado diferente, sobretudo porque, até há uns anos, os verões eram todos a mesma coisa, à base de cores vibrantes. Eu gosto de cor e a Make Up For Ever tem muita, mas há alturas em que é demais. Neste momento, a tendência é um look mais prático. O que as mulheres querem é um ar saudável, sem grandes sobressaltos de cor. Transparências, blush com cores naturais, nude ou terracota. Nos lábios, o rosa fresco, nada dos laranjas do ano passado. E nada de muito sol. O tom demasiado bronzeado está fora de moda.