Cientistas de 13 agências federais norte-americanas, que elaboraram um relatório onde apresentam várias provas que apontam para a influência da Humanidade no aquecimento global e no surgimento de catástrofes naturais, temem que a administração de Donald Trump não aprove o seu estudo. Sem essa luz verde, que terá de chegar até 18 de agosto, o estudo não será publicado.

A notícia é do The New York Times, que reproduz no seu site o rascunho do estudo em questão. Segundo aquele projeto, a temperatura ao longo deste século pode aumentar até 2 graus celsius. E, mesmo que as emissões dos gases de efeito de estufa sejam reduzidos imediatamente a zero, as temperaturas continuaram ainda assim a aumentar, previsivelmente 0,3 graus celsius ao longo do presente século.

“É extremamente provável que mais de metade do aumento médio da temperatura desde 1951 tenha sido causado por influência humana no clima”, diz o estudo, sublinhando que faz essa alegação com “grande confiança”.

O estudo refere que a onda de calor que varreu a Europa em 2003 ou as temperaturas recorde na Austrália em 2013, quando os termómetros bateram nos 49,6 graus celsius como casos onde há “provas relativamente fortes” de haver influência humana. Ainda assim, o rascunho publicado no The New York Times contradiz estudos que apontavam que a influência do aquecimento global aumentava em 20 a probabilidade de catástrofes naturais no estado norte-americana no Texas.

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Ao The New York Times, Katharine Hayhoe, uma das cientistas que participou na elaboração do estudo, diz que este é “um dos relatórios de climatologia mais abrangentes” a serem produzidos e a aguardar publicação. Também àquele jornal, mas em anonimato, há cientistas que referem haver receio de que essa publicação nunca venha a acontecer.

Para ser aprovado, o estudo tem de receber a luz verde não só do Presidente como de 13 agências governamentais.

Departamento de Agricultura pede a funcionários para não dizerem “mudanças climáticas”

A notícia do The New York Times surgiu poucas horas depois de o The Guardian publicar excertos de e-mails trocados dentro do Departamento de Agricultura. Numa mensagem enviada a 16 de fevereiro enviada por Bianca Moebius-Clune, diretora de um departamento da sub-agência Natural Resources Conservation Service (NRCS), os funcionários recebiam ordens diretas para “evitar” termos como “mudanças climáticas” para “temperaturas extremas”. Também o termo “adaptação a mudanças climáticas” deve ser substituído por “resiliência a temperaturas extremas”.

A lista continua. No lugar de “reduzir gases de efeito de estufa” deve passar a ler-se “construção de matéria orgânica” ou “aumentar eficácia do uso de nutriente”. No mesmo e-mail, enviado menos de um mês depois da tomada de posse de Donald Trump, Bianca Moebius-Clune dizia que termos que remetessem a ideia de crescimento económico na agricultura e novas oportunidades de negócio no setor deveriam ser “tolerados, se não mesmo apreciados por todos”.

Noutro troca de e-mail, novamente entre funcionários da NRCS, pergunta se é permitido “publicar trabalhos trabalhos foram do Departamento de Agricultura que usam o termo ‘aquecimento global'”. Segundo o The Guardian, um colega interrompe a conversa, referindo que esta deve ser antes feita ao telefone.

Donald Trump, o homem de carvão

Donald Trump é conhecido pelo seu ceticismo em relação à influência da Humanidade no aumento global de temperaturas. Em junho deste ano, o Presidente dos EUA anunciou a retirada dos norte-americanos do Acordo de Paris para o Clima, referindo que este iria “prejudica a economia” do país e colocaria os EUA “permanentemente em vantagem”.

Em novembro de 2016, numa entrevista ao The New York Times poucas semanas depois de vencer as eleições presidenciais, Donald Trump abriu a hipótese de haver uma ligação entre a ação da Humanidade e o aumento global de temperaturas — algo que nem sempre fez durante a campanha —, mas acabou por relativizar essa questão, atribuindo maior importância à competitividade do tecido industrial norte-americano.

Quando lhe perguntaram se havia uma relação de causa-efeito entre a ação humana e o aquecimento global, Donald Trump respondeu: “Eu acho que neste momento… bom, eu acho que há alguma ligação. Há alguma, qualquer coisa. Depende de muitas coisas. E também depende de quanto isso vai custar às nossas empresas. Têm de entender, hoje em dia as nossas empresas não são competitivas”.

Quando questionado sobre a autenticidade do aquecimento global e o seu combate, Donald Trump costuma responder com a necessidade de manter uma indústria competitiva

Ao longo da campanha eleitoral, Donald Trump prometeu reavivar a indústria do carvão, o que o ajudou a conquistar votos nas zonas rurais e industriais de swing-states como a Pensilvânia e o Ohio, ambos cruciais para a sua vitória a 8 de novembro. Porém, de acordo com um relatório para o ano de 2017, a prática tem revelado que essas promessas dificilmente serão cumpridas. “As promessas para criar mais empregos na indústria do carvão não vão ser mantidas — na verdade a indústria vai continuar a cortar nos salários”, lê-se no relatório anual do Institute for Energy Economics and Financial Analysis. “Essas perdas estarão ligadas em parte ao modelo de negócio da indústria do carvão de produzir mais com menos trabalhadores.”

Em 2012, precisamente no dia em que Barack Obama viria a ser reeleito, Donald Trump escreveu um tweet onde negava a existência do aquecimento global — e onde já falava da indústria para contornar o assunto. “O conceito de aquecimento global foi criado pelos Chineses para tornarem as fábricas dos EUA não-competitivas”, garantiu.