Qual é a importância de um computador para um treinador de futebol? Provavelmente, grande. É lá que guarda as suas análises estatísticas, os resultados dos testes físicos que vai fazendo ao longo da temporada, as movimentações que pretende da equipa, os lances de estratégia preparados para cada jogo. Mas esta semana parecia que o futebol português vivia apenas à volta de um computador: o de Jorge Jesus.

O FC Porto voltou aos emails para revelar uma alegada preocupação do Benfica com o computador de Jorge Jesus e o que o mesmo continha. O Benfica emitiu um comunicado a falar em desculpas para encobrir insucessos desportivos e financeiros. E Jorge Jesus, o dono do computador, focou-se no disco do mesmo. “Sabem o que é um disco do computador? Nesse disco estavam seis anos do meu trabalho e, basicamente, ficaram com o meu trabalho. É só isso”, explicou na conferência de imprensa antes do jogo com o V. Setúbal. Às vezes, ou cada vez mais, o futebol português é discutido num código que não está ao alcance de todos os computadores.

Com ou sem computador, a verdade é que o Sporting tem o seu programa de jogo, os seus ficheiros de movimentações, os seus códigos de como chegar ao golo. Que não funcionaram até aos 86 minutos, apesar das várias combinações tentadas. Até que surgiu um disco já riscado: roda o Campeonato e toca o mesmo, com Bas Dost a apontar o único golo, a quatro minutos do final, com que os leões venceram esta noite o V. Setúbal.

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Ficha de jogo

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Sporting-V. Setúbal, 1-0

2.ª jornada da Primeira Liga

Estádio José Alvalade, em Lisboa

Árbitro: Bruno Paixão (AF Setúbal)

Sporting: Rui Patrício; Piccini, Coates, Mathieu, Jonathan Silva; Battaglia, Adrien (Bruno Fernandes, 69′); Gelson Martins, Acuña (Bruno César, 65′), Podence (Doumbia, 65′) e Bas Dost

Suplentes não utilizados: Salin, André Pinto, Palhinha e Iuri Medeiros

Treinador: Jorge Jesus

V. Setúbal: Pedro Trigueira; Arnold, Frederico Venâncio, Pedro Pinto, Nuno Pinto; Podstawski, Costinha, João Teixeira (Nené Bonilha, 76′); João Amaral (Willyan, 56′), André Pedrosa e Edinho (Gonçalo Paciência, 68′)

Suplentes não utilizados: Cristiano, César, Allef e Luís Felipe

Treinador: José Couceiro

Golo: Bas Dost (86′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a João Teixeira (42′), Nuno Pinto (88′) e Bruno César (90′)

A primeira parte tem um resumo fácil de fazer. O ficheiro A, de ataque, estava lá. O Sporting começou com uma onda vertiginosa em termos ofensivos que surpreendeu o V. Setúbal, incapaz de passar sequer do meio-campo durante largos minutos. O ficheiro C, de circulação, também: Battaglia e Adrien, as duas unidades do meio-campo leonino, iam rodando o plano de jogo, Gelson conseguia criar alguns desequilíbrios no 1×1, mas a rodagem pelos corredores laterais nunca conseguia encontrar na área a referência Bas Dost. O ficheiro D, de domínio, foi uma constante. Mas como faltava o ficheiro B de baliza no ficheiro, havia sempre alguma coisa em falta na programação.

Gelson Martins, aos 8′, teve um remate acrobático na área após cruzamento de Acuña mas a bola saiu por cima da trave. Mais tarde, o argentino que foi hoje convocado para a seleção apanhou uma bola a jeito à entrada da área mas o tiro saiu ao lado (o facto de ter sido feito com o pé direito também não ajudou nada). O V. Setúbal foi aguentando esse impacto inicial, manteve-se arrumadinho mesmo sem esticar jogo e conseguiu equilibrar mais a posse, tendo até um lance de relativo perigo quando, na sequência de um livre, Patrício saiu mal e teve de cortar com os pés para canto após cabeceamento de Pedro Pinto (38′). E chegou o intervalo.

Neste caso, não é uma questão figurada, foi mesmo assim: nem o Sporting nem o V. Setúbal conseguiram fazer um único remate enquadrado. Um único. E o futebol sem balizas não tem muita piada.

Jesus deve ter batido nessa tecla ao intervalo. E de que maneira: após o reatamento, a fome transformou-se em fartura e, à exceção de Bas Dost em dois lances na área, os leões começaram a rematar sempre que encontravam uma pequena nesga na carreira de tiro. Adrien, logo a abrir, até teve pontaria a mais: aproveitando uma segunda bola à entrada da área, atirou forte, o remate sofreu ainda um desvio e foi bater caprichosamente na trave da baliza de um Pedro Trigueira que estava de joelhos, batido, a fazer força com os olhos para o desvio ir para fora (46′).

O capitão, que melhorou em relação ao encontro com o Desp. Aves, deu o mote para o que se iria passar: carregamento total de pastas, ficheiros e o que mais houvesse na frente em busca do golo que Trigueira travou uma vez (o remate de Podence aos 51′ saiu à figura) e outra vez (o cabeceamento de Bas Dost, que até estava numa excelente posição e sem marcação, saiu fraco aos 54′). Mantinha-se o 0-0, começavam os nervos.

Não vai a bem, vai a mal. Ou da forma que for possível. Que foi bonita, quando Mathieu tentou um pontapé de bicicleta que saiu fácil para Trigueira (63′). Que foi meio atabalhoada, quando Doumbia rematou por cima (66′). Que foi inglória, quando o marfinense cabeceou a rasar a trave (68′). O caudal ofensivo do conjunto verde e branco era avassalador e, com Bruno Fernandes já em campo a mexer no jogo com diagonais e desmarcações de rutura, o internacional Sub-21 obrigou o guardião sadino a grande defesa e Doumbia falhou a recarga (77′).

Estava a chegar o momento do jogo: no seguimento de um cruzamento da esquerda, Bas Dost foi empurrado pelas costas por Nuno Pinto e Bruno Paixão assinalou grande penalidade. O holandês, a quem Jesus ensinou a marcar penáltis, não falhou. E o Sporting somou a segunda vitória na Primeira Liga a quatro minutos do final. Afinal, muito mais importante do que a teoria de um disco, é a prática de uma ideia e modelo de jogo. Mesmo que o software tenha ainda de ser afinado para encontrar códigos mais fáceis para alvejar a baliza.