São grandes as transformações por que passa o automóvel. Numa época em que conceitos como electrificação e condução autónoma parecem dominar o futuro da indústria, assiste-se igualmente a uma quase confusão em termos de papéis, com as tecnológicas dispostas a entrar num terreno até aqui exclusivo das marcas automóveis, ou seja, o fabrico dos carros do futuro, ao passo que os construtores parecem apostar no desenvolvimento e fabrico, eles próprios, de tecnologias e software. Será mesmo este o futuro?

Aonde nos leva esta mudança de papéis?

Ora, vamos lá recuar no tempo, pois muito mudou na última década. A começar pelos consumidores que, cada vez mais deslumbrados com os avanços da tecnologia, já não admitem prescindir da mesma. Seja onde for, carro incluído.

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A par daquilo que é apontado como algo de inevitável, a electrificação do automóvel, outras necessidades, decorrentes da forma como a própria sociedade tem evoluído, têm vindo a emergir. Desde logo, a necessidade de aproveitar melhor o tempo gasto no trânsito, que passou a ser encarado como uma oportunidade para fazer muitas outras coisas – algo que facilmente poderá acontecer a partir do momento em que possamos contar, nas nossas estradas, com automóveis de condução autónoma.

Hoje em dia já não se vendo a si próprios como “meros” fabricantes automóveis, mas antes como fornecedores de soluções de mobilidade, os construtores começam a alargar a sua acção para outros domínios, assumindo o interesse não só naquilo que tem sido o seu core business (desenvolver, fabricar e vender carros), mas também em áreas de negócio que até aqui lhe eram estranhas, como os serviços de mobilidade ou os sistemas de conectividade. Soluções que, até há não muito tempo, estavam nas mãos das grandes empresas tecnológicas, mas que os fabricantes automóveis pretendem agora também desenvolver. Até porque, do lado contrário, gigantes como a Apple ou a Google parecem querer fazer o caminho inverso, ou seja, passar a comercializar automóveis.

Da parte dos construtores tradicionais, a solução encontrada tem sido, na maioria dos casos, a aquisição ou a constituição de empresas dedicadas especificamente ao desenvolvimento destas novas tecnologias com aplicação aos automóveis, como é o caso dos serviços de mobilidade. Um estudo da CB Insights, fala mesmo num investimento de mais de 849 milhões de euros em startups relacionadas com a indústria automóvel, só em 2016. Valor que praticamente duplica o montante aplicado em 2015 e avançado pela Forbes.

Apesar desta vontade de acompanhar os tempos, a verdade é que o principal inimigo dos fabricantes nesta corrida poderá mesmo ser… o tempo – a rapidez com que a realidade evolui. Basta pensar no ciclo de um automóvel, a começar nos anos que são precisos para desenvolver um modelo até que este possa ser lançado no mercado, e a que há que acrescer o período em que tem de estar à venda, até ser possível recuperar o investimento, seguindo-se então a introdução de um novo modelo. Tudo isto consome um tempo que começa a ser difícil de coadunar com a velocidade em que vivem as sociedades, permanentemente ávidas por terem à disposição o último grito da tecnologia.

Se dúvidas existem, basta recordar o que tem vindo a acontecer no sector dos telemóveis, onde, durante um único ciclo de vida de um automóvel (entre cinco e oito anos), um dos maiores fabricantes, a Nokia, passou de uma fase em que vendia 500 milhões de equipamentos por ano para, simplesmente, desaparecer do mercado.

O foco mudou. E não há volta a dar

Igualmente a demonstrar a voragem dos tempos, as conclusões de um estudo sobre startups relacionadas com a indústria automóvel, no qual se procurou apontar não só aquelas que poderiam aportar maior valor ao sector, como também apresentar-se como mais inovadoras. Sendo que, depois de no início dos trabalhos terem sido identificadas um total de 500, terminado o estudo, já eram 1.700! Todas elas, com uma visão disruptiva relativamente ao sector.

A HERE, fundada pela Nokia, acabou por ser adquirida por um consórcio que junta Audi, BMW e Mercedes

Perante esta realidade, parece claro que o desafio dos fabricantes automóveis, relativamente ao futuro, passa não só por explorar novos modelos de negócio, mas sobretudo por conseguir manter uma capacidade de adaptação a novas realidades e exigências muito superior àquela que a indústria tem revelado até ao momento. Ao mesmo tempo, serão precisas também sinergias profundas e entendimentos mais que pontuais entre fabricantes, que extravasem o fabrico de plataformas ou motores, para responder afirmativamente às exigências a que o automóvel autónomo e os veículos permanentemente conectados obrigarão. Caminho que, de certa forma, já começou a ser trilhado. Veja-se o caso da HERE, uma das mais promissoras empresas no domínio da digitalização de ruas e estradas (mapeamento), e que, depois de ter sido fundada precisamente pela Nokia, foi adquirida em 2015 por um consórcio formado pela Audi, BMW e Mercedes-Benz. Contribuindo, com a sua acção, para que os três fabricantes automóveis alemães possam não só oferecer novos e inovadores serviços, mas, principalmente, darem mais um passo no sentido da sua transformação em empresas tecnológicas. Se calhar, mais cedo do que pensamos…