O primeiro caso português de infeção por uma bactéria de uma estirpe híper-virulenta, e com uma característica genética que ainda não tinha sido identificada, foi registado numa doente sem fatores de risco, que ficou curada após tratamento hospitalar.

O caso está documentado na edição de junho da Acta Médica Portuguesa, a revista científica da Ordem dos Médicos, e dá conta de uma mulher portuguesa de 64 anos “sem história de viagens ou exposição a produtos de origem asiática”, a quem foi diagnosticado abcesso hepático, causado por uma estirpe híper-virulenta da bactéria Klebsiella pneumoniae serotipo K1.

Esta estirpe é responsável por uma síndrome invasiva infeciosa, caracterizada por abcessos hepáticos com manifestações extra-hepáticas.

Inicialmente identificada em Taiwan, tem aumentado significativamente em vários países da Ásia, e mais recentemente na Europa e América do Norte, conferindo a esta entidade um carácter emergente e global”, lê-se na publicação.

Os autores do artigo — Aida Pereira e Tiago Petrucci, do Centro Hospitalar de Lisboa Norte (CHLN), e Maria João Simões, do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) – apresentam o caso clínico de uma mulher de 64 anos, caucasiana, portuguesa, sem antecedentes pessoais ou epidemiológicos, como viagens ou exposição a produtos asiáticos, na qual foi diagnosticada, abcesso hepático piogénico complicado de derrame pleural por esta estirpe híper-virulenta.

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O caso, tratado no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, com terapêutica antibiótica combinada com drenagem percutânea, permitiu a identificação do primeiro caso de síndroma invasiva infeciosa por Klebsiella pneumoniae do clone híper-virulento ST23 documentado em Portugal.

Segundo os autores, este serotipo K1 tem sido “raramente identificado nos países ocidentais, não estando esclarecida a razão da sua emergência”.

Na doente em causa, “não foi possível estabelecer uma cadeia epidemiológica evidente, dada a ausência de risco (comorbilidades, viagens, contactos com produtos ou população asiática)”.

Os autores apontam como uma possível explicação para a identificação do caso português de estirpe híper-virulenta de Klebsiella pneumoniae, numa doente sem comorbilidades ou contacto direto com produtos ou população asiática, “a aquisição do agente através de exposição ambiental local”.

A presença desta estirpe no meio ambiente pode resultar da imigração asiática e consequente importação dos seus produtos e hábitos alimentares, assim como a sua flora comensal.”

Por outro lado, acrescentam, “não é de desvalorizar o contacto, resultante da globalização e deslocação da própria população portuguesa a países endémicos, importando consequentemente a flora local”.

“Do ponto de vista de saúde pública, seria de todo o interesse fazer um estudo epidemiológico da comunidade geral (através do rastreio das fezes de potenciais portadores assintomáticos), com o objetivo de controlo da disseminação deste e de outros agentes altamente virulentos”, defendem os autores.

Para o presidente da Sociedade Portuguesa de Doenças Infeciosas e Microbiologia Clínica, Fernando Maltez, trata-se de “mais uma bactéria multirresistente, que torna muito difícil a terapêutica, pois dificulta a atividade dos antibióticos disponíveis”.

Este tipo de bactérias, referiu, ultrapassa os antibióticos que vão sendo inventados.

“Não é um problema de Portugal, é um problema dos cuidados de saúde, pois temos cada vez mais idosos, usamos meios cada vez mais invasivos e dispomos de cada vez mais terapêuticas imunossupressoras e biológicas, que proporcionam as infeções”, explicou.

Sobre este caso, Fernando Maltez referiu que se destaca por ter “uma característica genética que ainda não tinha sido identificada em Portugal”, mas sublinhou que “não merece mais preocupação que as outras”.