A vida corria bem a Paulinho: era titular indiscutível no Guangzhou Evergrande de Luiz Felipe Scolari, já tinha ganho dois Campeonatos, uma Taça, uma Supertaça e uma Taça dos Campeões Asiática, continuava a ser presença frequente na seleção brasileira, recebia sete milhões de euros por temporada. Até que surgiu, em abril deste ano, uma fotografia do médio a promover uma casa de apostas ao lado de uma atriz de filmes pornográficos. Foi logo dois em um de atividades proibidas e chegou-se mesmo a falar da possibilidade de deportação para o médio. Que nunca passou disso mesmo.

Através da sua assessoria de imprensa, Paulinho explicou que o contrato era com uma empresa de apostas filipina, que previa apenas um dia de campanha para surgir somente no site, que não fazia a mínima ideia quem era Tsukasa Aoi. O assunto ficou esclarecido, ficou na China, ganhou mais uma Supertaça, mas houve uma outra campanha a que não resistiu – a do encantamento do Barcelona. Ao ponto de admitir mesmo reduzir o salário de sete para cinco milhões de euros. E esta quinta-feira, um dia que ficará marcado na história da cidade pelas piores razões, foi apresentado de manhã em Camp Nou, depois de algumas noites em reflexão.

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“Estou num momento muito feliz da minha vida e da minha carreira. Há muitas coisas a colocar na balança para tomar a minha decisão, uma delas a minha felicidade. O momento que estou a viver, a vida que eu e a minha esposa temos aqui na China… Gostamos muito do local, das pessoas, do momento que estou a viver no clube”, explicou ainda no final de junho. Demorou, demorou, mas acabou por aceitar.

No entanto, e como explica o El Confidencial, a transferência de Paulinho por 40 milhões de euros deixou a China a chorar de tristeza e Barcelona a chorar de impaciência. Ernesto Valverde, o treinador dos catalães, ficou certamente satisfeito porque já tinha referido mais do que uma vez que faltava no plantel um médio com as características do brasileiro. No entanto, ficou um vazio no Guangzhou Evergrande que será difícil colmatar e está a começar a nascer um saco cheio de dúvidas nos blaugrana sobre a oportunidade do negócio quando aquilo que falta é sobretudo um avançado criativo e com golo que possa ocupar a posição que pertencia a Neymar.

Há um outro “problema” paralelo: começaram a surgir informações que ligavam o negócio a alegados interesses comerciais do líder Josep María Bartomeu, algo prontamente desmentido pelo clube, que ameaça mesmo avançar com processos em tribunal contra “uma campanha montada contra o presidente”.

Em Inglaterra, a perspetiva da análise é diferente: como foi possível um dos maiores flops do Tottenham, que pagou mais de 20 milhões pelo jogador, tornar-se de repente num elemento fulcral capaz de reforçar o Barcelona? “Aos 29 anos, Paulinho foi a contratação perfeita da Europa para o Oriente”, escreve o The Guardian, que destaca os 95 jogos e 25 golos pelo Guangzhou e uma frase do companheiro Zheng Zhi, que também passou por terras inglesas: “Às vezes ficávamos só a olhar para ele durante o treino. Está um segundo à frente de toda a gente”.

A verdade é esta: o brasileiro deixou um legado difícil de substituir em território chinês. “Nunca colocou o seu cabelo no ar. Diz olá e obrigado a quase toda a gente e vai sempre ao encontro das necessidades dos outros. Ele fica relutante em receber dinheiro porque adora dar. Por exemplo, deu os seus phones e o seu carro [um Mercedes-Benz] ao condutor. E o seu gesto não foi determinado pelo elevado salário: há muitas pessoas mais ricas do que o Paulinho mas poucas são tão generosas e com um espírito tão aberto”, destacou na rede social Weibo Liang Ke, membro do staff da equipa chinesa, sem esquecer a braçadeira de ‘Força Chape’ que usava de forma escondida em homenagem às vítimas do acidente de aviação da Chapecoense e todas as despesas que suportou ao médico e respetiva família.

Nascido em São Paulo, Paulinho, de 29 anos, começou a jogar na formação do Pão de Açúcar mas teve depois uma inusitada experiência na Lituânia, ao serviço do Vilnius. Era um dos destaques da equipa mas a descida à 2.ª Divisão levou-o para a Polónia, ficando um ano no Lodz até regressar ao clube original no Brasil. Arriscou depois o Bragantino, que estava no escalão secundário, e despertou o interesse do Corinthians.

Foi no Timão que o médio chegou ao estrelato e à seleção: em três temporadas, ganhou o Campeonato Paulista, o Brasileirão, a Taça dos Libertadores e o Mundial de Clubes, sendo eleito o terceiro melhor jogador da Taça das Confederações que o Brasil ganhou em 2013, um ano antes do Campeonato do Mundo, frente à Espanha (3-0). Agora, é de tal forma preponderante no conjunto comandado por Tite que marcou um hat-trick na goleada por 5-0 ao Uruguai num jogo de qualificação para o Mundial de 2018.

Agora, o ‘volante’ – termo utilizado pelos brasileiros para definir um jogador com características de médio ‘8’, um box-to-box – tem a complicada missão de guiar um Barcelona num período mais complicado (por causa da saída de Neymar e da superioridade do Real Madrid na Supertaça de Espanha), assumindo o comando de um meio-campo que andou à deriva nos primeiros dois encontros oficiais da temporada. Dembélé (Borussia Dortmund) e Coutinho (Liverpool) são os próximos craques que se seguem, mas é Paulinho, o 27.º brasileiro a jogar no Barcelona desde o pioneiro Lucídio da Silva, que ficará a segurar todas as pontas.

“Estou convencido que posso encaixar no Barcelona e demonstrar que todos os esforços que fiz para estar aqui valeram a pena. Sei que o Barça tem um estilo e um ADN muito próprios, mas poderei jogar aqui. Esta é a realização de um sonho que sempre procurei ao longo da minha vida. Vou jogar onde for preciso, a minha intenção é ajudar os meus companheiros e ganharmos títulos, foi para isso que vim”, destacou na apresentação.