Não há nada como termos rotinas na vida: o acordarmos sempre à hora certa de manhã, o seguir o mesmo roteiro até sairmos de casa, o apanharmos aquelas pessoas no caminho, o chegarmos naquele momento do costume ao trabalho. Depois, há aquela parte do cair na rotina: fazer sempre a mesma coisa, frequentarmos os mesmos sítios, ter as mesmas conversas. Esta é a diferença entre a parte boa e má das rotinas. E este foi o grande segredo do Sporting para golear em Guimarães, um reduto que por rotina nunca traz facilidades.

Na conferência de imprensa de antevisão ao encontro, Jorge Jesus abordou os primeiros três encontros oficiais dos leões seguindo a sua filosofia enquanto treinador mas com um olho no rival Benfica. 1) Era normal a equipa estar mais evoluída em termos defensivos do que ofensivos (ainda não tinha sofrido golos, marcando apenas três) porque a grande prioridade até ao momento tinha sido consolidar os processos do setor recuado e a partir daí evoluir para o resto; 2) Só com o tempo será possível que todos os jogadores consigam chegar às sua ideias, não só em termos físicos mas também na vertente técnico-tática; 3) Esta equipa, que com todas as alterações, parece “nova”, tem apenas oito semanas de trabalho e não oito anos como os encarnados.

Ficha de jogo

Mostrar Esconder

V. Guimarães-Sporting, 0-5

3.ª jornada da Primeira Liga

Estádio Dom Afonso Henriques, em Guimarães

Árbitro: Hugo Miguel (AF Lisboa)

V. Guimarães: Miguel Silva; João Aurélio, Marcos Valente, Pedro Henrique, Sacko; Celis, Zungu (Rafael Miranda, 58’); Hélder Ferreira (Rafael Martins, 70’), Hurtado (Fábio Sturgeon, 58’), Raphinha e Texeira

Suplentes não utilizados: Douglas, Magalhães, Suéliton e Kiko

Treinador: Pedro Martins

Sporting: Rui Patrício; Piccini, Coates, Mathieu (André Pinto, 86’), Fábio Coentrão (Jonathan Silva, 79’); Battaglia, Adrien; Gelson Martins, Bruno Fernandes, Acuña (Iuri Medeiros, 62’) e Bas Dost

Suplentes não utilizados: Salin, Bruno César, Alan Ruíz e Doumbia

Treinador: Jorge Jesus

Golos: Bruno Fernandes (3’ e 60’), Bas Dost (21’ e 23’) e Adrien (85’)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Rafael Miranda (64’), Adrien (69’), Marco Valente (74’), Celis (88’) e Bruno Fernandes (90’)

O Sporting apresentou-se apenas com uma mexida em relação ao onze que iniciou o jogo com o Steaua, com a saída de Podence e a entrada de Bruno Fernandes. No entanto, foi uma alteração que quase transformou as oito semanas de trabalho em oito anos. E porquê? O internacional Sub-21 tem grande qualidade e uma margem de progressão tremenda, mas também não façamos dele já um Maradona; o que mudou foi sobretudo a dinâmica e a ideia de jogo do conjunto verde e branco, que durante 90 minutos criou uma rotina sem cair nela, como tinha acontecido a meio da semana em Alvalade na partida para o playoff da Champions.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Com mais uma exibição quase imaculada da defesa (Piccini deu uma goela incompreensível aos 55′, mas Rui Patrício conseguiu evitar o golo de Hurtado), o posicionamento de Adrien, mais encostado e às vezes quase em linha com Battaglia, e a maior capacidade de jogar por dentro dos extremos foram uma espécie de estender de passadeira para Bruno Fernandes dominar por completo o encontro. Até porque se juntou a “vontade de comer” à “fome”: com um quarteto recuado remendado entre lesões e castigos, o maior problema do V. Guimarães foi sempre o espaço entre essa linha e os dois médios centro (Celis e Zungu), que andaram perdidos em campo sem referências para defender nem fulgor para chegar à frente.

Logo aos três minutos, Bruno Fernandes aproveitou essa cratera na organização sem bola dos vimaranenses para encher o pé e acertar no ângulo da baliza de Miguel Silva. E tudo mudou: os visitados mostraram-se cada vez mais ansiosos e precipitados na abordagem à partida, ao passo que os leões conseguiam ir estabilizando o seu jogo sem cair na rotina de recorrer apenas e só aos corredores laterais mesmo quando estavam congestionados. O Sporting nem teve mais bola do que no passado recente, mas soube sempre o que fazer com ela; o V. Guimarães, com ou sem bola, andava às aranhas.

Bruno Fernandes já tinha ameaçado o segundo golo de novo numa meia-distância (8′), mas seria Bas Dost a desequilibrar de vez a balança em apenas três minutos: primeiro num esquema tático (que provavelmente até deve ter sido trabalhado no treino desta manhã) onde surgiu na zona do penálti a cabecear sozinho (21′); depois, numa jogada fantástica a explorar a profundidade com um passe a rasgar de Battaglia, cruzamento de Fábio Coentrão e toque à matador do melhor marcador da Primeira Liga do ano passado (23′).

Chegando a esta parte, o estimado leitor poderia pensar ‘Mas espera lá, no ano passado não esteve também 3-0?’. É verdade, esteve mesmo. E até 15/20 minutos do final. Mas se poderia sempre acontecer uma quebra do Sporting como na temporada transata, percebia-se claramente que o V. Guimarães não tinha o mesmo gás que lhe permitiu fazer uma época de grande nível em 2016/17. Hurtado e Raphinha ainda fizeram remates para defesas fáceis de Rui Patrício, mas percebia-se que quando os leões passavam do meio-campo havia perigo à vista.

A formação verde e branca vencia por 3-0 ao intervalo num encontro onde, curiosamente, Acuña fez o jogo menos conseguido desde que chegou a Portugal (apesar da assistência para o segundo golo) e Gelson Martins só na segunda parte partiu a loiça tendo mais espaço no flanco esquerdo. A diferença estava no corredor central, onde Battaglia e Adrien acertaram o passo a jogar juntos (já agora, William continua lesionado e ficou em Lisboa) e Bruno Fernandes entrou no DeLorean do Regresso ao Futuro e rodou os ponteiros para oito semanas parecerem oito anos. O internacional Sub-21 conseguiu mexer com o tempo e a dupla de médios centrais ganhou o espaço para um filme perfeito até ao final do encontro.

Na segunda parte, quando se esperava uma reação naquele timbre guerreiro dos adeptos, os vimaranenses continuaram amorfos, sem criatividade, em intensidade mínima. Entregaram o jogo e colocaram-se mesmo a jeito para serem goleados. Bruno Fernandes, aos 60′, aumentou para 4-0 com mais um remate de meia-distância depois de ter percorrido vários metros sem a mínima oposição; Adrien, a cinco minutos do fim, fechou as contas numa jogada onde a bola circulou entra a esquerda, o centro e a direita em transição com a maior das facilidades. Mas pelo meio, Acuña, Iuri Medeiros e Gelson Martins tiveram oportunidades flagrantes para dilatar ainda mais o marcador.

O Sporting arrancou a melhor exibição da temporada, goleou, comanda o Campeonato só com triunfos e ainda não sofreu qualquer golo. Até aqui, perfeito. Mas também é verdade que esta é a mesma equipa que empatou a zero com o Steaua, adversário perfeitamente ao alcance dos leões. Diferença? Bruno Fernandes. E uma conjugação cósmica igual à que Marty McFly usou no Regresso ao Futuro II para andar para a frente no tempo.