A história começa assim: em Itália, começou a escrever-se que, antes dos jogos grandes, Bruno Fernandes dormia mal. Ficava ali a moer e remoer sobre o que devia fazer, como devia fazer, quando devia fazer. O porquê das coisas se fazerem, isso ele sabe desde miúdo, quando despertou a atenção de emissários italianos quando jogava no Boavista e rumou ao Novara. Afinal não é bem assim. “Não durmo mal, sonho é muito, principalmente com futebol. A minha prioridade também se revela aí, sou muito focado”, explicou em entrevista ao jornal do clube.

Partilhava o quarto com o meu irmão, por isso ele sabe mais histórias do que qualquer outra pessoa em relação a esse tema. Mas ainda hoje a minha mulher diz que reclamo durante o sono ‘Passem-me a bola!’. É como se estivesse mesmo dentro do jogo (…) Quando dormia com o meu pai, cheguei a acordar e vê-lo no chão. Dava-lhe chutos

Bruno Fernandes é o dono da bola e o dono do jogo. Em Guimarães, foi o dono do tempo: conseguiu acelerar o processo evolutivo para uma exibição quase perfeita, transformando oito semanas de trabalho em oito anos, como Jorge Jesus gostava. E marcou dois golos, os primeiros na Liga portuguesa, ambos de fora da área.

Nascido na Maia, o internacional Sub-21 começou a jogar no Infesta, de onde se transferiu para o Boavista. Ia alternando os axadrezados com o Pasteleira, mas estava no Bessa quando acabou por transferir-se para Itália em 2012 um pouco do nada, como o próprio admite. Dos tempos em que andava por cá, as pessoas mais próximas recordam o miúdo irreverente (era terrível na hora de andar a reclamar), humilde, educado, que chegou a jogar a central (o que odiava) mas que quando se chegou à frente tinha o defeito de fintar toda a gente e a seguir falhar.

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Bruno Fernandes. O miúdo que começou a rolar na capital do hóquei

Depois, em Itália, com as passagens por Novara, Udinese e Sampdória, o fã de Rui Costa que chegou a receber a alcunha de ‘Maradona de Novara’ e estava sempre a levar na cabeça de Di Natale, mítico avançado transalpino que achava que poderia estar ali um jogador de top mundial caso suprisse algumas lacunas no seu jogo, tirou aquilo a que chamou de mestrado em termos táticos, como é costume da própria Serie A. Não trocou a francesinha pela pizza, mas habituou-se a um novo futebol. Cresceu, cresceu e cresceu. Até chegar ao Sporting.

Agora, depois da primeira titularidade na Vila das Aves (onde tem um toque de calcanhar excecional que origina a jogada do primeiro golo de Gelson Martins), Bruno Fernandes voltou ao onze após a opção por Podence frente ao V. Setúbal e ao Steaua. Com total proveito: jogou e fez jogar, marcou e deu a marcar, soube correr com bola e ocupar os espaços certos sem ela. Um jogo de encher o olho que começa a justificar a elevada quantia investida pelos leões na compra do seu passe, que o transformou no quarto jogador mais caro de sempre do clube (8,5 milhões).

Na mesma entrevista, e falando de Jorge Jesus, Bruno Fernandes explicava que sempre foi um médio interior, jogando mais vezes num meio-campo a três do que a dois, como aconteceu hoje (o 4x4x2 habitual do Sporting transformou-se em Guimarães num 4x2x3x1). “Sou um jogador de sacrifício. Por vezes sei que exagero nas corridas que dou e na pressão porque quero ocupar o campo todo. O mister tem insistido comigo na perceção dos momentos de pressão e, a nível ofensivo, diz para não andar tanto nas alas porque acredita que posso ser mais influente na zona central”, explicou o número 8 verde e branco. Algo que cumpriu em Guimarães na perfeição.

Hoje tudo correu bem a Bruno Fernandes. O médio pode dormir descansado. Mesmo sabendo que se vai fartar de sonhar na próxima terça-feira, véspera do encontro dos leões na Roménia frente ao Steaua para a Champions.