Abdelbaki Es Satty, o imã de Ripol encontrado morto nos escombros da casa em Alcanar, tem-se tornado nos últimos dias cada vez mais central nas investigações sobre o atentado terrorista de Barcelona. Esta terça-feira, quando foram ouvidos em tribunal, os quatro detidos foram consensuais ao apontaram o imã como o cabecilha dos ataques. Mas, afinal, não é a primeira vez que este líder religioso do Islão chama às atenções pelas piores razões: em 2016, a comunidade muçulmana da cidade belga de Diegem, vizinha de Vilvoorde, já o tinha expulsado da mesquita e as autoridades belgas tinham questionado as autoridades espanholas sobre os antecedentes de Es Satty.

Mas não havia antecedentes criminais. A história é contada pelo autarca de Vilvoorde, Hans Bonte, numa entrevista à agência de notícias Efe. “O imã da localidade vizinha de Diegem veio perguntar-nos por ele, que vivia em Vilvoorde. Parecia-lhes um homem estranho, que dizia que vinha de Espanha porque lá não tinha futuro, e que se auto-proclamava imã, mas não tinha nenhum papel que o comprovasse”, conta Hans Bonte, explicando que Abdelbaki Es Satty se tinha mudado para aquela cidade flamenga a 12 quilómetros de Bruxelas em janeiro de 2016.

Perante a estranheza da situação, o verdadeiro imã de Diegem quis saber se Es Satty tinha histórico policial e contactou as autoridades belgas e espanholas. Mas, segundo disse Bonte à Efe, não havia qualquer prova de vínculo direto ou indireto a atos de terrorismo, nem tinha antecedentes suspeitos. “Ainda assim, sem provas em contrário, a comunidade muçulmana daquela zona decidiu expulsá-lo da mesquita”, explicou, mostrando-se “orgulhoso” por ter sido a comunidade, de dentro, a diagnosticar o problema e a dirigir-se diretamente à polícia.

“A polícia local contactou com os serviços de inteligência e foi à procura de toda a informação possível”, acrescenta Hans Bonte, sublinhando que houve “muitos contactos da Polícia Federal e da polícia de Vilvoorde com as forças de segurança de Barcelona”. Mas não detalhou que forças de segurança eram essas — se a Guarda Civil, se a polícia catalã (Mossos d’Esquadra), se a polícia nacional.

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Barcelona. Um dos quatro detidos saiu em liberdade, dois ficaram em prisão preventiva

É que há muito que este presidente da câmara fez da luta contra o terrorismo e a radicalização jihadista uma bandeira daquela localidade belga. O “método”, que tem sido aplaudido, passa por envolver toda a comunidade, da polícia às escolas passando pela própria comunidade muçulmana, que deve estar toda em alerta. Vilvoorde tem sido, na verdade, um foco de radicalização terrorista na União Europeia: de um total de 40 mil habitantes, entre 2011 e 2014 sabe-se que 28 jovens partiram dali para a Síria, para se juntarem ao autoproclamado Estado Islâmico. “Tivemos graves problemas de radicalismo”, admitiu o autarca naquela entrevista, lembrando que desde 2014 que tem posto em prática métodos de controlo e de prevenção “que se têm mostrado efetivos”.

A verdade é que nada indicava que Es Satty estaria ligado ao terrorismo islâmico. Segundo o El País, quando em 2006 foi desmantelada no município de Vilanova i la Geltrú, em Barcelona, uma célula que formava e enviada terroristas ao Iraque, o nome do imã de Ripol saltou para as mãos da polícia por ser primo de um dos detidos. Mas não se encontrou nenhuma prova ou vínculo que o relacionasse com o movimento. Entre 2010 e 2014, contudo, o seu percurso tornou-se mais suspeito: foi preso por tráfico de droga e voltou a Vilanova i la Geltrú, onde estaria em contacto com membros radicalizados do movimento islâmico. O facto de ter passado a dirigir, recentemente, uma comunidade islâmica em Ripol também chamou a atenção das autoridades, que, segundo o El País, admitem que “cada nova mesquita é um mundo a estudar: é preciso saber quem a dirige, o que motivou a sua criação, quem são os fiéis, o que se prega…”.

Mas nas vistorias de rotina nada foi encontrado e nada chamou a atenção para a radicalização daquele imã. Um facto que Hans Bonte, o autarca de Vilvoorde, questiona: “Como pode alguém com problemas em Espanha viajar livremente para a União Europeia?”

No decorrer das operações policiais desta terça-feira foram encontrados, nos escombros da casa de Alcanar, onde o grupo preparava um atentado ainda maior, bilhetes de avião no nome do imã Es Satty com destino a Bruxelas. Minutos antes do ataque em Cambrils, os suspeitos compraram facas e um machado, e tentavam fabricar peróxido de acetona — um explosivo usado pelo Estado Islâmico em ataques como os de Paris e Bruxelas.