De Procuradora Geral da República a fugitiva. Luisa Ortega Díaz saiu da Venezuela no início da semana em direção à Colômbia, que está disposta a oferecer-lhe asilo político. Voltar à Venezuela pode significar, pelo menos, ir para a prisão por tempo indeterminado.

Há várias semanas que a ex-procuradora dizia publicamente temer pela sua vida. Quando deixou de apoiar o regime de Nicolás Maduro, ele virou-se contra ela. Díaz é uma conhecida apoiante da revolução socialista de Hugo Chávez e alguém que, até aos confrontos dos últimos meses, era vista com uma pessoa muito mais próxima da continuidade do que da oposição. Durante dez anos (2007-2017) seguiu a linha do governo como se estivesse traçada no chão a giz e até mandou prender várias das pessoas que se manifestaram contra Maduro em 2014, data da primeira vaga de protestos contra o atual Presidente

Para entender como é que uma advogada no topo da carreira e com ligações fortes ao governo optou, com grande custo pessoal, por assumir o papel de dissidente é preciso recuar até março de 2017, quando o Supremo Tribunal decidiu esvaziar a Assembleia Nacional dos seus poderes e a população tomou as ruas. Mas o verdadeiro choque deu-se quando a ex-procuradora veio a público dizer que o Supremo tinha quebrado a ordem constitucional. Mudou tudo na Venezuela. Havia alguém de dentro dos corredores do governo que concordava com quem gritava nas ruas que o Parlamento era soberano. Do governo chegaram acusações de “traição” e lançaram-se suspeitas sobre a sua saúde mental.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Nada melhorou desde aí. Maio, junho e julho foram meses em que faltou tudo na Venezuela menos violência. Morreram mais de 120 pessoas em protestos contra e a favor do regime. Mas Maduro conseguiu o que queria: uma nova Assembleia Constituinte. A primeira ordem a sair desse órgão? A destituição de Díaz. Tarek William Saab, um feroz seguidor de Maduro, tomou o seu lugar.

Temendo pela sua vida e pela da sua família, Luisa Ortega Díaz fugiu de barco em direção à Colômbia, com o seu marido, Germán Ferrer, que abandonou o partido de Maduro (PSUV) para formar um “bloco socialista” independente, e que também está a ser perseguido pelo regime. Na terça-feira chegou ao Brasil, para uma reunião com os procuradores dos outros países do Mercosul — e foi aí que decidiu largar mais um bomba. Díaz afirmou que tinha em sua posse provas de atos de corrupção não só de Nicolás Maduro, mas também de vários nomes do círculo mais próximo do Presidente. E as acusações envolvem a Odebrecht, a gigante da construção civil brasileira no centro do processo de corrupção Lava Jato.

A ex-procuradora disse que tinha na sua posse provas de que o governo de Maduro recebeu mais de 100 milhões em “luvas” para garantir contratos de construção de obras públicas na Venezuela, coisa que a própria Odebrecht já admitiu. A empresa tornou-se a “preferida” para os contratos públicos de construção na Venezuela ainda no tempo e Hugo Chávez. Segundo a acusação no Brasil, a Odebrecht gastou mais dinheiro a subornar oficiais na Venezuela entre 2006 e 2015 do que em qualquer outro país, excluindo o Brasil — cerca de 98 milhões de dólares.

Essas provas, tenho-as comigo e vou cedê-las a alguns Estados para que possam processar as pessoas a que elas correspondam. A Nicolás Maduro [Presidente da Venezuela], Diosdado Cabello [vice-presidente do partido de Maduro], Jorge Rodríguez [presidente de Câmara de Libertador, município de Caracas] e a todos que se envolveram nisso. Mas não somente no caso da Odebrecht”, disse, numa conferência de imprensa.

Na mesma conferência, Díaz contou que o Ministério Público da Venezuela foi “assaltado militarmente” por mais de 300 membros da Guarda Nacional e por funcionários da polícia política de Maduro, “de forma violenta”, e acrescentou que o maior problema da Venezuela era a corrupção. “Quero denunciar perante o mundo a situação grave da Venezuela: uma corrupção desmedida. E por essa razão, para se protegerem de atos de corrupção, vêm violando a Constituição e a lei. Um dos graves factos é o desmantelamento do Estado de Direito. Uma Constituinte que foi eleita sem aval do povo, e arremeteu contra o Ministério Público e contra todas as instituições independentes”, disse ainda a ex-procuradora.

Desconfianças da oposição

Nicolás Maduro mandou emitir um mandado de captura internacional para Díaz e para o seu marido, que são acusados de extorsão pelo governo. Ela é ainda acusada de negligência enquanto exercia o seu cargo por não ter perseguido aqueles que, para o regime, seriam os verdadeiros suspeitos de corrupção.

O seu sucessor desvalorizou o que Díaz disse no Brasil. “Não há validade nenhuma naquilo que diz uma procuradora destituída porque durante dez anos podia ter feito alguma coisa contra as pessoas de que agora fala”.

A oposição a Maduro ainda desconfia de Luisa Díaz. Durante o seu tempo à frente do Ministério Público, Díaz nunca hesitou em condenar os opositores do Presidente — e de Chávez antes deste. María Lourdes Afiuni, uma juíza que decidiu libertar Eligio Cedeño, que estava preso há demasiado tempo, mesmo segundo a própria lei venezuelana, foi detida com o aval de Díaz.

Mas a decisão da ex-procuradora de se colocar contra Maduro numa altura em que não tinha ainda sido alvo das críticas do regime, tornou-a num símbolo poderoso da dissidência. Díaz e a família deverão procurar asilo nos Estados Unidos.