O presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, faz esta sexta-feira o discurso mais aguardado do simpósio anual de banqueiros centrais de Jackson Hole, no Wyoming (EUA). Foi no mesmo cenário idílico, de paisagens verdejantes e montanhas aconchegantes, que há três anos o italiano aproveitou o palco para preparar os mercados financeiros mundiais para o inédito programa de compra de dívida pública pelo banco central — o quantitative easing — que tem sido decisivo para a trajetória da economia europeia nos últimos anos.

Desta vez, na agenda dos mercados está, precisamente, o desmame desses estímulos monetários. Mas depois de, em Sintra, em junho, Draghi ter sido — talvez inadvertidamente — interpretado como estando mais próximo de retirar esses estímulos, desta vez acredita-se que Draghi não irá sair muito fora de pé e terá, pelas 20h de Lisboa, um discurso sobre “Como Fomentar uma Economia Global Dinâmica” (o tema deste ano, no encontro). A mensagem será a mais inócua possível, o que não é fácil para um líder de um banco central — porque qualquer escolha de palavras, ou mesmo de tom, pode ser lida pelos investidores como uma dica sobre os próximos passos da política monetária.

Dada a importância que está a ter o programa de compra de dívida, não só na Europa mas com repercussões para todo o mundo, Mario Draghi terá o discurso mais importante do simpósio, apesar de, poucas horas antes (pelas 15h em Lisboa) falar Janet Yellen, a presidente da Reserva Federal que, muito criticada por Donald Trump, poderá fazer hoje o seu último discurso num evento da importância de Jackson Hole.

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Depois de ser atacada por Donald Trump durante a campanha eleitoral — acusada de manter as taxas de juro demasiado baixas para favorecer uma nova vitória dos Democratas, ou seja, uma sucessão de Hillary Clinton a Barack Obama — Yellen verá o seu mandato revalidado (ou não) em fevereiro próximo. “O meu palpite é que não parece muito provável que ela seja reconduzida”, diz Luke Bartholomew, estratego da Aberdeen Investments, citado pela CNBC. O especialista assinala o estilo tecnocrático — quase de professora primária — de Janet Yellen, que “não condiz com o estilo atualmente em voga na Casa Branca”.

Um ex-alto responsável da Goldman Sachs, Gary Cohn, é o nome mais falado para suceder a Yellen, mesmo tendo em conta as críticas recentes à forma como Trump geriu os confrontos em Charlottesville.

Cohn mantém-se como principal conselheiro económico de Donald Trump — e poderá dentro de alguns meses assumir o cargo mais importante da finança mundial, a presidência do banco central mais poderoso do mundo, numa altura em que a Reserva Federal há muito está a reduzir o plano de compras de dívida, já subiu a taxa de juro algumas vezes e está, claramente, a querer normalizar a política monetária. Mas serão decisivos o ritmo e o método usado pela Reserva Federal, nos próximos anos, para desinchar o gordo balanço da Fed (4,5 biliões de dólares em ativos adquiridos) que ainda resta das políticas extraordinárias com que se respondeu à crise.

Porém, em grande foco estará Mario Draghi, o presidente do BCE, que também tem um discurso importante para fazer na Alemanha na próxima quarta-feira. Há poucos dias, uma notícia da Reuters, que citava “fontes próximas do BCE”, garantia que será um Mario Draghi “discreto” aquele que se apresentará esta sexta-feira em Jackson Hole. Isto apesar de a taxa de inflação continuar teimosamente baixa e o euro ter encarecido subitamente nos últimos meses (12% em 2017), sobretudo desde o discurso em Sintra em que Mario Draghi pareceu dar a entender que é entendimento do BCE que estejamos na altura de começar a traçar o caminho de retirada dos estímulos.

A pecar, Mario Draghi deverá preferir pecar por excesso — isto é, na sua mensagem de hoje ser entendido como estando mais disponível para continuar com os estímulos enquanto for necessário, sem perder de vista os riscos negativos que esta política de juros ultra-baixos e intervenção no mercado de dívida também pode acarretar. Na gíria dos mercados, prevê-se um tom mais dovish, para contrabalançar a perceção mais hawkish que foi deixada em Sintra, — esse é o resultado mais provável, acreditam analistas como os da Aberdeen Standard Investments.

O discurso de Janet Yellen acontece às 15 horas e o de Mario Draghi às 20 horas, hora de Lisboa (13h em Jackson Hole).