Filmes, curtas-metragens, anúncios — chame-lhes o que quiser, mas a verdade é que alguns destes vídeos são autênticas obras-primas, prova de que o cinema de autor também se pode aplicar à perfumaria. A relação entre as grandes marcas e os realizadores mais reputados nunca foi tão próxima. Há produções que envolvem milhões e outras que não ficam pelo mero exercício estético e de apelo ao consumo. Olhando para os castings encontramos as maiores estrelas de Hollywood e as supermodelos que fazem as capas dos principais títulos mundiais. Entre e seja muito bem-vindo ao mundo encantado dos anúncios de perfumes.

Cheira bem, cheira ao realizador

Há casos em que não é preciso esperar pelos créditos para saber quem realizou o quê. A marca do realizador é tão flagrante que, aos primeiros segundos, já se pode avançar com um palpite certeiro. Em 2008, estreou um desses anúncios. Aos primeiros balões a voar, ao primeiro saltitar da miúda de cor-de-rosa e à primeira vitrine cheia de bolos e chantili estava na cara que tinha o dedo de Sofia Coppola. Marie Antoinette já tinha sido lançado há dois anos, por isso a estética da realizadora estava mais do que afirmada. E apurada. Miss Dior Chérie encaixou na perfeição na “coppolândia”, tal como a canção “Moi je joue”, na voz de Brigitte Bardot. A era Natalie Portman só começou depois. A atriz gravou dois anúncios realizados por Sofia Coppola, uma nova versão para Miss Dior Chérie e um para o original Miss Dior.

Para Wes Anderson, o cenário é tudo. Ainda Grand Budapest Hotel não tinha chegado às salas de cinema, já o estilo se reconhecia ao longe. E quem saiu a ganhar foi a Prada, que convocou o realizador norte-americano, juntamente com Roman Coppola, para fazer um filme de lançamento do perfume Prada Candy, em 2013. O ambiente é pura nouvelle vague. Léa Seydoux é Candy, a doce rapariga dividida entre dois rapazes, papéis desempenhados por Peter Gadiot e Rodolphe Pauly, que a disputam até ao último segundo. “Como é que dizes banana split em francês?”, pergunta um deles. Ela responde: “Banana split”.

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A mais recente obra de um realizador de renome para uma marca de perfumes chega de Paris. É da Guerlain e sim, tem Terrence Malick escrito em todo o lado, das paisagens naturais aos planos em contraluz, das roupas ao vento aos planos fechados. E não são uns planos fechados quaisquer. A nova embaixadora da marca é Angelina Jolie e, no filme de Mon Guerlain, dá a cara, o cabelo, mas também os ombros, as costas e os braços. Tudo isto intercalado com imagens de ingredientes e do processo artesanal que conduz à fórmula de um perfume.

Chanel No. 5, o perfume de Baz Luhrmann

Dez anos depois de ter rodado o primeiro anúncio para a Chanel, Baz Luhrmann voltou a cair nos braços de um ideal de mulher. Uma diva, personificada por Nicole Kidman em 2004, reinventada por Gisele Bündchen em 2014. Para o realizador australiano, é como trabalhar nas suas longuíssimas metragens. Numa entrevista à Vanity Fair, a propósito do segundo anúncio, Luhrmann contou como é que tem imaginado a mulher por detrás desta fragrância centenária. “Para mim, não é tanto a fragrância em si, mas sim a mulher que a usa, porque o que este perfume simboliza é muito maior do que a ideia de ser um produto. Aquele pequeno filme [com Nicole Kidman], que nunca tinha sido feito, foi muito como o filme Férias em Roma — é sobre uma mulher que escapou aos seus deveres mas que voltou”, afirmou o realizador.

O primeiro foi especial, por vários motivos. A estética, o ritmo, a forma como foi filmado — todas as opções de Luhrmann, realizador de filmes como Romeu e Julieta, Moulin Rouge, Austrália e The Great Gatsby, levaram a que os três minutos mais parecessem o trailer de uma longa-metragem. No ecrã, narrativa e protagonistas (Kidman contracena com o ator brasileiro Rodrigo Santoro) estavam ainda no rasto de Moulin Rouge, o musical que tinha estreado três anos antes. Mas o anúncio também vai ficar para a história pelo orçamento. Um valor entre os 33 e os 40 milhões de dólares, dos quais três foram para o caché da protagonista.

https://www.youtube.com/watch?v=8asRWe5XNw8

Em 2014, Baz Luhrmann mudou o cenário e pôs a sua musa, Gisele Bündchen, a surfar. Os pormenores estão por todo o lado: a prancha com o monograma da Chanel, os brincos com o número cinco, em substituição do pendente que caía sobre as costas de Kidman, e uma aparição do próprio realizador no papel de fotógrafo. Gisele contracena com o ator Michiel Huisman, atualmente no elenco da série A Guerra dos Tronos, mas um dos papéis principais é o da música. Na versão de Lo-Fang, o tema “You’re The One That I Want”, do filme Grease, está quase irreconhecível. Parece que Luhrmann acertou em cheio.

Chanel, a fábrica de filmes

Depois de Nicole Kidman ter brilhado no anúncio mais caro da história, a Chanel nunca mais quis outra coisa. A partir daí, a maison não poupou esforços cinematográficos para fazer brilhar as estrelas da sua perfumaria. E parece que, entre os dois casos com Baz Luhrmann, houve um segundo realizador a pôr as mãos no famoso frasco número 5. Em 2009, o francês Jean-Pierre Jeunet apresentou Train de Nuit, um vídeo com mais de dois minutos, protagonizado por Audrey Tautou, a mesma atriz que, em 2001, foi a estrela de O Fabuloso Destino de Amélie, filme de Jeunet. Isto, depois de muita conversa.

Em notas deixadas no seu site oficial, o realizador conta que recusou o primeiro convite para dirigir um anúncio para outro perfume da Chanel. “Estava ocupado com o storyboard para A Vida de Pi e tive de recusar a proposta, porque só sou capaz de fazer coisas a 100%. Não consigo fazer um filme, mesmo que seja pequeno, considerando-o uma tarefa secundária. Obviamente, como ninguém recusa este tipo de proposta, quanto mais eu recusava, mais a Chanel queria trabalhar comigo. No final, escolheram um realizador inglês para fazer o filme com uma atriz inglesa”, recorda Jeunet. Quanto ao realizador e à atriz inglesa, já lá vamos, porque, um ano depois, o telefone de Jeunet voltava a tocar e desta vez era mesmo para realizar o novo anúncio do Chanel No. 5. Aceitou e contou a história de um amor à primeira vista numa viagem de comboio.

Mas sim, a casa francesa é uma pequena fábrica de filmes. A proposta recusada por Jeunet era para realizar o anúncio do Coco Mademoiselle que, em 2007, já corria mundo, com Keira Knightley como protagonista o Joe Wright como realizador. A dupla (atriz e realizador) já tinha brilhado em Orgulho e Preconceito e em Expiação e continuaria a brilhar em 2012 com Anna Karenina. Mas antes disso, ainda havia de chegar o segundo filme para a Chanel. Em 2011, o mesmo perfume inspirou um filme maior, com mais de três minutos. Keira mergulhou (ainda mais) no papel de femme fatale e apareceu a percorrer as ruas de Paris numa mota clássica. Repetiu-se o coprotagonista, o ator Alberto Ammann, e a voz da banda sonora, Joss Stone.

This is a man’s world

A viagem pelo universo Chanel não acaba aqui, tão pouco fica pelas fragrâncias femininas. Em 2010, Martin Scorsese é convidado para realizar o filme do perfume Bleu de Chanel. O ator francês Gaspard Ulliel foi o protagonista e a escolha da banda sonora recaiu sobre o tema She Said Yeah, dos The Rolling Stones.

A fasquia está bem alta no campeonato dos perfumes masculinos. A começar por Un Rendez Vous, a curta-metragem de Guy Ritchie para o perfume Dior Homme. São cinco minutos de mistério e tensão sexual entre Jude Law e a modelo Michaela Kocianova, que começam num quarto de hotel e terminam junto à Torre Eiffel. Ao fundo, ouve-se a voz inconfundível de Matthew Bellamy, vocalista dos Muse.

Em 2011, ano em que Black Swan arrecadou cinco Óscares, incluindo os de Melhor Atriz, Melhor Filme e Melhor Realizador, a Yves Saint Laurent apanhou a boleia do fenómeno e chamou Darren Aronofsky para dirigir um novo filme publicitário. O perfume em questão era La Nuit de L’Homme e o realizador não pensou duas vezes em chamar para o papel principal um ator do elenco do seu aclamado filme. Vincent Cassel é um Don Juan daqueles e, ao longo de dois minutos de filme, surge a seduzir três mulheres diferentes. Se o perfume da casa francesa não tiver, de facto, efeitos comprovados ao nível da poligamia, Aronofsky pode muito bem ser acusado de publicidade enganosa.

No trabalho de Steve McQueen é que não há margem para engano. O realizador de 12 Anos Escravo não precisou de atores de Hollywood para fazer um dos anúncios mais bonitos dos últimos anos, se bem que os três minutos de curta-metragem podiam muito bem ser o videoclip de “I won’t complain”, a canção de Benjamin Clementine que corre todo o anúncio do perfume Mr. Burberry. Joshua Whitehouse e Amber Anderson são um casal apaixonado num quarto de hotel, em Londres, e a sua única preocupação parece ser “onde é que vamos fazer amor a seguir?”. Um filme cheio de lençóis brancos, tabuleiros de pequeno-almoço e romance, muito romance. Como escreveu o The Guardian aquando o lançamento da campanha, em abril do ano passado, “Isto é o mais perto que McQueen já esteve de filmar uma cena d’As Cinquenta Sombras de Grey“.

David e Spike, o mestre e o principiante

Nos anos 80, houve quem se tornasse pioneiro a transpor a fronteira que separa cinema e publicidade. Yves Saint Laurent, Giorgio Armani, Karl Lagerfeld, Gucci e Calvin Klein — o historial de David Lynch na realização de anúncios de perfumes é longo. O último chegou em 2007. Além de Raquel Zimmermann, Natasha Poly e Freja Beha Erichsen, o anúncio de Gucci by Gucci teve uma quarta protagonista, Heart of Glass, a música de Blondie. Ao som dela e com luzes intermitentes, as três modelos dançam até enlouquecerem.

Fórmulas simples, pensadas para seduzir a audiência. Bem mais complexa foi a estreia de Spike Jonze nesta área. Além de filmes, Jonze traz muitos videoclips na bagagem, entre eles trabalhos para Björk, Fatboy Slim, Arcade Fire e Kanye West. Há um ano, o pequeno filme Kenzo World pôs toda a gente a falar do realizador, da marca, da bailarina e atriz Margaret Qualley, do coreógrafo Ryan Heffington, responsável pelo vídeo Chandelier, de Sia, e dos anúncios de perfumes no geral.

“O primeiro anúncio a um perfume da Kenzo é uma paródia de todos os outros anúncios de perfumes”. Em Agosto de 2016, a ideia por detrás do título da W Magazine replicava-se noutras revistas e sites. Ao colocar Qualley a dançar enlouquecidamente, a fazer caretas e movimentos bizarros, Jonze pintou a caricatura de todas as modelos. O forçado, o encenado e o natural, numa curta-metragem do realizador de Her pôs tudo em cima da mesa e voltou a concentrar todas as atenções no maravilhoso mundo dos anúncios de perfumes.