Depois de semanas de especulações, tudo indica que a Uber terá finalmente escolhido o sucessor do polémico Travis Kalanick na liderança da empresa. O eleito é Dara Khosrowshahi, CEO da Expedia, empresa de reservas de viagens online. A notícia ainda não foi confirmada oficialmente por nenhuma das partes — a Uber disse que iria avançar com o nome primeiro aos seus funcionários –, mas a escolha já é dada como certa.

O homem que vai liderar a empresa que está avaliada em 68 mil milhões de dólares — e que é, por isso, a startup não cotada mais valiosa do mercado — é um desconhecido para muitos. Aqui ficam cinco coisas que precisa de saber sobre Dara Khosrowshahi:

Iraniano, ‘nerd’ e um líder nato

Nascido em 1969 em Teerão (Irão), Dara Khosrowshahi chegou aos Estados Unidos com apenas nove anos, quando a família imigrou em 1978 devido à Revolução Iraniana. Tem boas memórias desse tempo, como confessou à Bloomberg: “A nossa família escapou do Irão nas vésperas da Revolução Iraniana, quando tinha nove anos. Mudámo-nos para casa do meu tio em Tarrytown. Para os adultos, foi uma transição difícil. Para nós, crianças, pudemos fazer a festa todos juntos, o que foi divertido”.

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Passou a infância apenas com a mãe e os dois irmãos no estado de Nova Iorque. O pai, que regressou ao país de origem quando Dara tinha 13 anos para cuidar do avô do CEO, acabou por ficar preso durante seis anos.

Nos tempos do liceu, apesar de ser um aficionado dos computadores, era um adolescente popular. Os primos, os investidores Hadi e Ali Partovi — com quem passou a infância em Teerão e estudou nos Estados Unidos –, contaram à Recode que Khosrowshahi ganhou o prémio de melhor aluno, tendo ainda sido eleito delegado de turma e capitão da equipa de futebol e de lacrosse. “Éramos computer nerds, mas ele era mesmo fixe”, afirmou Hadi Partovi. Já Ali descreve-o como um líder nato. “Em qualquer cenário, quando Dara fala, as pessoas ouvem-no.”

Atualmente com 48 anos, é casado — casou-se com Sydney Shapiro, em Las Vegas, no dia 12 de dezembro de 2012 (sim, no dia 12.12.12) — e tem quatro filhos.

O 11 de setembro quase boicotou a Expedia

Dara Khosrowshahi tem dupla nacionalidade: iraniana e americana. Estudou engenharia na Brown University, mas o primeiro emprego que teve foi na banca, mais concretamente enquanto analista no banco de investimento Allen & Co, onde esteve sete anos. Foi lá que conheceu o empresário Barry Diller, que viria a ser um dos seus mentores. “Barry Diller era um cliente. Fez uma oferta hostil pela Paramount quando estava na QVC e pensei para mim mesmo: ‘É para este homem que eu quero trabalhar'”, afirmou à Bloomberg.

Mudou-se para a empresa de Diller, a IAC — na altura, USA Networks — em 1998, onde esteve novamente durante sete anos e tendo ocupado cargos de topo na empresa. O grande trampolim da sua carreira chegaria em 2005, quando se tornou CEO da Expedia. A IAC comprou 75% das ações da empresa à Microsoft, em 2001, por dois mil milhões de dólares, refere o TechCrunch.

O negócio esteve, contudo, tremido com o ataque às Torres Gémeas. “Anunciámos o acordo para adquirir a Expedia, e antes de ficar finalizado, houve o 11 de Setembro. Tivemos a oportunidade de nos retirarmos, mas Barrry disse: ‘As pessoas vão continuar a viver e a viajar, portanto vamos para a frente'”, recordou à Bloomberg.

Já foi o CEO mais bem pago dos EUA

Depois da compra, em 2001, o negócio da Expedia autonomizou-se da IAC quatro anos depois e Khosrowshahi assumiu a liderança. Desde então, a empresa não parou de crescer, tornando-se na maior agência de viagens online dos Estados Unidos, refere o Business Insider. Segundo o TechCrunch, a receita desta empresa, sediada em Bellevue (Washington), passou de 2,1 mil milhões de dólares em 2005 para 8,7 mil milhões no ano passado — mais de seis mil milhões de dólares em 11 anos.

A Expedia cresceu sobretudo por aquisição de outras empresas — desde 2005 foram mais de 20 aquisições e investimentos –, nomeadamente a Trivago, a HomeAway — principal concorrente do Airbnb — por 3,9 mil milhões de dólares; a Hotels.com; a Orbitz por 1,6 mil milhões de dólares; e a Travelocity por 280 milhões, explica o TechCrunch.

A boa performance da empresa levou a que Khosrowshahi fosse eleito “Empresário do Ano” na região Pacífico-Noroeste dos EUA, em 2013, pela consultora EY.

Em 2015, foi considerado o CEO mais bem pago pela Equilar, com um rendimento avaliado em quase 95 milhões de dólares. Este valor, segundo a Inc., inclui cerca de 91 milhões de dólares em ações da Expedia, que recebeu pelo compromisso que estava a estabelecer com a empresa até 2020. Agora que pode estar de saída, resta saber se terá de devolver os títulos antes de ir para a Uber.

Desde 2015 que faz parte do conselho de administração da empresa dona do jornal The New York Times.

Forte opositor de Trump, diz que é um exemplo do sonho americano

Khosrowshahi tem sido um grande crítico do presidente norte-americano, ao contrário do ex-CEO da Uber, Travis Kalanick, que fez parte do grupo de conselheiros de Donald Trump — cargo que abandonou em fevereiro depois de muita pressão por parte dos utilizadores da aplicação, logo após a imposição do travel ban, que impedia a entrada no EUA de cidadãos oriundos de sete países muçulmanos.

Logo na noite das eleições, e perante a vitória de Trump, Khosrowshahi fez o seguinte tweet: “Enquanto líderes tecnológicos, temos de admitir que estamos enormemente desconectados da nossa nação. Não gosto disto, mas tenho de admiti-lo”, lê-se na publicação.

No dia da tomada de posse, a 20 de janeiro, voltou a utilizar o Twitter para publicar um anúncio da Expedia, que encoraja as pessoas a viajar e a conhecer o mundo: “Espreita por cima da cerca do vizinho para veres o outro lado. A diferença és TU”.

A Expedia, juntamente com a Amazon e a Microsoft, tentaram interpor um processo contra a “reacionária” proibição imposta por Trump aos sete países muçulmanos, incluindo o Irão.

“Os Estados Unidos podem tornar-se um lugar um pouco menos perigoso para viver, mas vão, com certeza, ser vistos como uma nação mais pequena, uma [nação] que olha para dentro em vez de olhar para a frente, reacionária em vez de visionária”, lê-se numa carta enviada pelo CEO da Expedia aos seus funcionários, citada pela CNN, na qual acrescenta que a empresa vai ajudar os colaboradores a lidar com as dificuldades que podem advir desta medida.

Ideia que voltou a reforçar numa entrevista ao Financial Times: “É importante ter fronteiras seguras, mas, ao mesmo tempo, não podemos esquecer como chegámos aqui. Somos um país feito pela imigração”.

“Aquilo que alguns norte-americanos não compreendem é quão forte é a marca do sonho americano. Sou um exemplo de quão forte essa marca é. E, agora, o nosso presidente está a tentar tirá-la de algumas pessoas, pessoas de determinadas origens e de determinadas crenças religiosas. Julgo que isso é triste e vai contra aquilo que os nossos fundadores quiseram construir”, referiu à Bloomberg.

No seu último tweet, de 16 de agosto, volta a criticar Trump, desta vez relativamente aos acontecimentos de Charlottesville: “Continuo à espera do momento em que o nosso Presidente vai ficar à altura das expetativas do seu cargo, mas ele continua a falhar, repetidamente”.

Terá um grande desafio: limpar a imagem da Uber

A saída para a Uber acontece 12 anos depois de estar à frente da Expedia, mas não encontra a tecnológica nos melhores anos. Apesar de as receitas do segundo trimestre do ano terem crescido 17%, totalizando 1,75 mil milhões de dólares, a Uber continua a apresentar prejuízos elevados — 645 milhões de dólares no mesmo período — enquanto enfrenta processos judiciais e várias denúncias de ex-colaboradores da empresa. O declínio da imagem da empresa tem estado muito associado ao fundador e ex-CEO, Travis Kalanick.

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Em fevereiro deste ano, a empresa começou a enfrentar acusações de assédio sexual e sexismo, por parte da engenheira informática Susan J. Fowler, o que levou o ex-Procurador-geral, Eric Holder, a investigar o caso. As recomendações, que surgiram depois de meses de investigação à empresa, não deixavam dúvidas. Eric Holder e Tammy Albarrán aconselharam o conselho de administração a “rever e reavaliar se as responsabilidades que historicamente eram dadas a Travis Kalanick deveriam ser passadas [a outra pessoa] ou partilhadas com outros membros da administração da empresa”, acrescentando que a “a procura por um novo CEO devia refletir esta preocupação”.

Nem dois dias depois, Kalanick anunciava o seu afastamento, mas citava um motivo pessoal: a morte da mãe, a 27 de maio, num acidente de barco. Era um afastamento temporário, mas o conselho de administração impediu o regresso definitivo do CEO, tendo dado início a uma busca pelo novo líder da Uber. A verdade é que, após a sua saída, começaram a chegar novas denúncias de funcionários que caracterizaram o ambiente da Uber como uma cultura de “assédio e obsessão”, surgiu um vídeo de Kalanick a discutir com um motorista da Uber e a Google processou dois ex-funcionários por terem dado documentos confidenciais à Uber.

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É neste contexto que Dara Khosrowshahi irá encontrar a Uber, se efetivamente aceitar o convite (como toda a gente espera que o faça). Resta saber se conseguirá ter os mesmos resultados que teve com a Expedia, além de mudar a cultura “sexista” da empresa. Segundo o Financial Times, foi ele o responsável pelo crescimento da empresa numa altura em que a Expedia estava a perder a liderança do mercado e a crise já se fazia sentir.

Mas a área dos transportes não é totalmente desconhecida para Khosrowshahi. O CEO da Expedia é um dos investidores da Convoy, a empresa que é considera a versão da Uber para os camiões, lê-se na Recode.

Além de ser um fã dos carros autónomos — um dos últimos projetos de Kalanick –, como se percebe por esta publicação de 2014: