Nove quadros do Estado, um trabalhador de uma empresa com participação pública e o então presidente do Conselho Económico e Social fizeram parte da lista de participantes no evento Oracle Open World em 2016, que decorreu já depois de ter sido aprovado o novo código de conduta para membros do Governo e dirigentes da administração pública. A participação de dois deles — um funcionário de um Instituto ligado ao Ministério da Justiça e a secretária-geral do Ministério da Economia — foram confirmadas ao Observador pelas tutelas. Mas se na Justiça o pagamento da viagem foi assegurado pelo próprio Estado, na Economia outra foi a Oracle a assumir todas as despesas.

A edição do Oracle Open World, que decorreu de 18 a 22 de setembro, tinha na sua lista de participantes uma delegação que incluía 61 portugueses, seis deles da própria Oracle. Na lista da delegação a que o Observador teve acesso, há várias pessoas que estão ligadas a organismos públicos.

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Ministérios tomaram decisões diferentes face a convite da Oracle

Maria Ermelinda Carrachás, secretária-geral do Ministério Economia e membro do Conselho de Prevenção da Corrupção, viajou com aquele grupo para São Francisco numa viagem com despesas pagas pela Oracle. O convite foi aprovado pelo Ministério da Economia, que considerou que a participação da dirigente no evento se justificava, com os objetivos de “desenvolvimento de contactos, apresentação de tendências tecnológicas e partilha de boas práticas nacionais nas Administrações Públicas”.

Ao Observador, o ministério confirma que considera a viagem “compatível com as funções da dirigente pelo seu relevante interesse do ponto de vista da informação e formação na área das Tecnologias de Informação e Comunicação” — acrescentando ainda que o ministério já recusou outros convites do género “por não se adequarem ao âmbito das funções dos respetivos dirigentes”. Na sua resposta, a Economia não explicitou se a viagem tinha sido aprovada pelo próprio ministro Caldeira Cabral. Usou a fórmula genérica “aprovado pelo ministério”. Mas como a secretaria-geral depende diretamente do ministro, segundo o despacho de delegação de competências cabia a Caldeira Cabral aprovar a viagem deste alto quadro da sua equipa. O Observador voltou a contactar o gabinete do ministro para saber se a autorização tinha partido do próprio Caldeira Cabral, mas a resposta foi que nada havia a acrescentar.

Outro dos participantes no evento foi José Moura, coordenador do Núcleo de Arquitetura de Serviços e Plataformas Partilhadas do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ), que viajou até São Francisco, como confirmou ao Observador o próprio Ministério da Justiça. No entanto, ao contrário do que aconteceu com dois dos quadros dos SPMS, a deslocação e o alojamento de José Moura foram pagos pelo próprio IGFEJ.

A viagem foi autorizada “por deliberação do Conselho Diretivo deste Instituto no dia 29 de julho [de 2016]” e o IGFEJ optou por custear “todas as despesas”, fundamentando a decisão com o facto de estar a decorrer à data “um processo de migração do ESB [Enterprise Service Bus] da Justiça para a nova plataforma SOA [Service-Oriented Architecture] Suite da Oracle” e pelo facto de o IGFEJ pertencer a um fórum colaborativo da Oracle que tem como objetivo a troca de “ideias com vista ao avanço da plataforma”, cuja participação é considerada pelo Instituto como “relevante”.

Maria Ermelinda Carrachás é secretária-geral do Ministério da Economia (Imagem retirada da lista de participantes no evento da Oracle)

No Ministério da Educação, o procedimento foi diferente. A sub-diretora geral da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), Teresa Evaristo, faz parte da lista de participantes da Oracle. No entanto, contactado pelo Observador, o Ministério da Educação garantiu que “não houve quaisquer viagens [de membros da DGEEC] durante o mandato do atual governo”. Questionado, o ministério não explicou contudo por que razão o nome e a fotografia de Teresa Evaristo fazem parte da lista da Oracle se ela não foi ao evento, não especificando se foi ou não rejeitado um convite e por que razões. O gabinete do ministro refere ainda que está a ser investigada outra viagem de um funcionário, mas que foi realizada durante o Governo anterior.

Para além dos funcionários destes ministérios, há ainda Vítor Costa, chefe de equipa multidisciplinar da secretaria-geral do Ministério da Administração Interna (MAI), que faria parte desta delegação. Contactado pelo Observador, o MAI declarou que não irá comentar este tema enquanto estiver a decorrer o inquérito aberto pela própria tutela à participação de um outro funcionário do MAI, Francisco Baptista, no evento da Oracle em 2014.

No caso do Ministério da Saúde, entre os nomes que constam na lista estão Raquel Vilas (coordenadora de registos nacionais dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde) e Pedro Miranda (coordenador dos sistemas de suporte a Programas Estruturais de Saúde). O Observador já tinha noticiado que estes dois funcionários do Ministério da Saúde viajaram até São Francisco com tudo pago por uma empresa parceira da Oracle em 2016 — ao contrário de outros quatro quadros do Ministério da Saúde que viajaram com despesas pagas pelo Estado, mas que não constam desta lista de participantes.

No entanto, a estes dois nomes junta-se agora um terceiro funcionário da Saúde, Domingos Pereira, diretor de Sistemas e Tecnologias de Informação do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia. Contactado pelo Observador, o Ministério da Saúde decidiu não comentar o tema.

Para além de funcionários dos ministérios, a lista de participantes conta ainda com o coordenador dos sistemas de Informação da Câmara Municipal da Moita, Guilherme Batista, um professor assistente da Universidade do Minho, José Carlos Nascimento, e Luís Filipe Pereira, que surge identificado como conselheiro e board member, mas que à data da viagem era presidente interino do Conselho Económico e Social. Luís Filipe Pereira foi também ministro da Saúde nos governos de Durão Barroso e Santana Lopes. Para além destes nomes, surge ainda na lista de participantes Sérgio Almeida, diretor informático da OGMA – Indústria Aeronáutica de Portugal, S.A., empresa de manutenção e fabrico de aeronaves onde o Estado tem uma participação de 35% através da Empordef.

O Observador tentou contactar estes diferentes organismos, a fim de confirmar a participação dos seus membros no evento da Oracle e em que circunstâncias, mas não foi possível obter resposta da Universidade do Minho, da Câmara da Moita e de Luís Filipe Pereira até à hora de publicação. A OGMA, reforçando que é uma empresa privada, confirmou apenas que “participa, de forma pontual, em eventos técnicos, em várias partes do mundo, por iniciativa própria ou a convite de outras entidades”. O objetivo destas viagens, segundo a empresa, é o de “estar a par das novas soluções e produtos de TI [Tecnologias de Informação] disponíveis no mercado”.

A Oracle também foi contactada a fim de se perceber quantos destes convidados tinham de facto participado no evento e quem teria pago as suas deslocações e estadias, mas a empresa tecnológica escusou-se a comentar o assunto.

Código de Conduta do Governo proíbe viagens — excepto se relacionadas com “usos sociais consolidados”

A data da viagem a São Francisco (18-22 setembro de 2016) coincide com o início da aplicação do novo Código de Conduta, aprovado pelo governo a 8 de setembro e publicado em Diário da República a 21 de setembro.

O Código prevê que os membros de Governo e dirigentes da Administração Pública devem abster-se de aceitar convites “de pessoas singulares e coletivas privadas” que “possam condicionar a imparcialidade e a integridade do exercício das suas funções”, definindo tais convites como aqueles cujo valor estimado seja superior a 150€.

No entanto, o Código prevê uma ressalva onde as viagens ao evento da Oracle podem vir a ser incluídas, já que exclui da proibição os convites “relacionados com a participação em cerimónias oficiais, conferências, congressos, seminários, feiras ou outros eventos análogos”, no caso de corresponderem “a usos sociais e políticos consolidados” ou “quando exista um interesse público relevante na respetiva presença”.

Antes da aprovação do Código de Conduta, já uma Resolução do Conselho de Ministros de 2006 estipulava que só poderiam ser realizadas deslocações por pessoal da administração pública em casos cujas viagens sejam necessárias “para concretizar os resultados esperados dos serviços”, ou se “justifiquem por imperativos legais, acordos, protocolos, representação, obrigações internas ou externas”. Quaisquer exceções, determina a resolução, terão de ser aprovadas “por despacho da tutela”, por serem consideradas “indispensáveis para a prossecução dos objetivos dos serviços”.

Resta saber qual será o entendimento do Ministério Público, já que a lei sobre o recebimento indevido de vantagem considera como crime todo o recebimento de “vantagem patrimonial ou não patrimonial” que não seja “devida”, mesmo que não haja contrapartidas. Por essa mesma razão, o Ministério Público já anunciou que está a investigar as viagens de secretários de Estado pagas pela Galp ao Euro-2016 no ano passado, mas também as viagens de outros representantes políticos à sede da Huawei. Esta terça-feira, a Procuradoria-Geral da República confirmou que está “a recolher elementos” sobre as viagens de quadros do Estado ao evento da Oracle em 2014, noticiadas pelo Observador na segunda-feira passada.

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