Sempre que chegava à hora de o pai voltar do trabalho, Carlos aguardava-o ansioso à porta de casa. Não eram as saudades que o mantinham ali, mas os computadores velhos, as motherboards ou os grandes monitores que o pai podia trazer.

“O meu pai trabalhava na antiga Grundig, em Braga, e a frota informática estava constantemente a ser renovada. E os funcionários podiam comprar o material antigo que ia para a sucata”, recorda ao Observador Carlos Castro, líder da Mobiware, empresa que lançou a Ivaware, aplicação portuguesa que promete facilitar a forma como os trabalhadores independentes gerem os pagamentos do IVA.

Com apenas sete anos, passava os tempos livres a montar e a desmontar computadores e a explorar os programas descontinuados da fábrica alemã. “Influenciado pelo meu pai, acabei em engenharia eletrotécnica”, conta ao Observador. Aprendeu a programar e a ligar o software ao hardware na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), até que se inscreveu na “Operação Triunfo 2”, concurso de talentos musicais, transmitido na RTP. “A música era um sonho antigo”, revela. Ficou nos 30 finalistas e quase admitiu trocar os computadores pelo microfone.

De regresso ao Norte e quase com o ano académico perdido, decidiu mudar de licenciatura. Foi estudar engenharia informática no Instituto Politécnico do Cávado e do Ave (IPCA), em Barcelos. O percurso universitário correu tão bem que foi considerado o melhor aluno do curso e da Escola Superior de Tecnologia, do IPCA. Ganhou ainda uma bolsa de mérito de 1200 euros.

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“Sou fascinado por esta área. É um mundo em que tudo é possível, literalmente. É apenas uma questão de recursos, tempo e, claro, custos”, explica Carlos Castro.

Dali seguiu para a Critical Software, a empresa de tecnologia portuguesa que desenvolve projetos para a NASA, onde fez programação em JAVA depois foi trabalhar para a empresa Primavera, onde desenvolveu um modelo de software para faturação eletrónica. Até que decidiu estabelecer-se por conta própria e criar a Mobiware, uma marca de serviços que atuava no mercado web e mobile, em 2010. E, claro, a recibos verdes.

O stress de Carlos levou-o à Ivaware

Quando chegava o dia 15, Carlos entrava em stress. Era preciso reunir as despesas, fazer contas e preencher a declaração periódica de IVA às Finanças. Mas nem sempre esta tarefa era fácil. Trabalhava em regime freelancer, planeava os projetos e colocava de lado o valor do IVA a pagar ao Estado.

Mas houve alturas em que Carlos precisou de utilizar esse dinheiro antes de o entregar ao Estado. Nos meses em que não faturava tanto, continuava a haver contas para pagar. Mais precisamente, os impostos. “Era sempre uma incógnita saber se ia receber ou pagar IVA e quanto seria”, explica ao Observador.

Como não tinha contabilidade organizada, era numa folha de Excel que somava a diferença entre o IVA faturado e o IVA das despesas. O controlo era manual, algumas vezes com ajuda de um programa de cálculo, outras vezes de cabeça, a contar recibo a recibo e, na maioria das vezes, fazia-o na noite anterior à entrega da declaração.

“Esperava sempre pelos meses melhores, onde conseguisse receber IVA, para renovar ou comprar novo material para o dia-a-dia. “Era sempre um jogo”, acrescenta o engenheiro informático.

Foi aí que que teve a ideia de criar uma app que permitisse, em qualquer altura, inserir uma despesa, saber exatamente quanto ia deduzir e controlar em tempo real o montante a entregar ao Estado na próxima declaração de IVA. “Agora consigo saber se este é um bom trimestre para comprar aquele monitor que me faltava”, afirma.

Com a aplicação lançada pela Mobiware, é possível exportar relatórios mensais, trimestrais ou anuais com base nas necessidades de cada profissional freelancer. “Mensais para um controlo pessoal, trimestrais para as declarações do IVA e anuais para fazer um apanhado dos custos”, exemplifica Carlos.

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Uma das dificuldades que o engenheiro informático tinha era dividir as faturas por categoria. Aproximava-se o dia 15 e surgiam sempre três montes de papel na secretária: um para as imobilizadas, outra para os bens e serviços e outro para as existências. “Tinha que pegar fatura a fatura e somar em cada área”, explica o responsável.

Para evitar este processo manual , a Ivaware separa as despesas por categorias. Se num mês quiser comprar um computador, a despesa é colocada diretamente na categoria “imobilizado” que encontra na app, ou seja, na área dos produtos mais caros. Já o combustível ou a água são direcionados para a categoria de bens e serviços e, na categoria das existências, podem ser colocadas as despesas com produtos que não são tão caros. “Falamos de, por exemplo, uma máquina calculadora de 40 euros”.

O mesmo acontece com as taxas de IVA. Através da app, é possível inserir a categoria (moderada, normal ou reduzida) que abrange cada um dos trabalhadores independentes e qual a contribuição a pagar. As outras funcionalidades passam por poder listar todas as despesas, criar gráficos simples, exportar informações, fazer backups (cópias de segurança), sempre com os dados seguros e encriptados. “Tudo isto numa app intuitiva, fácil e rápida de utilizar”, acrescenta Carlos Castro.

150 mil portugueses trabalham a recibos verdes

Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, existem mais de 150 mil trabalhadores portugueses a recibos verdes. “Pode ser desde canalizador a um programador web. A Ivaware é pensada para todos eles”, assegura o responsável. A app está disponível nas versões Business, que é gratuita, e na Premium, que custa 1,99 euros.

A Ivaware foi apresentada há duas semanas, mas o fundador já está a preparar mais novidades. “Estamos a trabalhar na integração da app com softwares de faturação com diferentes fornecedores”, explica Carlos que também dá aulas no departamento de computação gráfica e multimédia no Politécnico onde se formou.

Além de estar disponível para o sistema operativo Android, a Ivaware também vai estar disponível para o iOS em breve. O produto está pensado apenas para o mercado português. “A ideia inicial era que fosse internacional, mas as regras fiscais são diferentes e variam de país para país”, afirma Carlos.

Dois dias depois do produto chegar ao mercado, Carlos e o sócio, Duarte Andrade (ex-aluno de Carlos) receberam uma chamada da equipa da Web Summit. “Vamos estar presentes no maior evento de tecnologia do mundo”, afirma, orgulhoso. A ideia é apresentar a app, divulgar a Mobiware, e, quem sabe, conseguir investimento para outros voos. “Não estabelecemos metas. Queremos receber feedback do que andamos a fazer. Mas imagina que alguém nos desafia a adaptar a Ivaware a outros mercados?”.

*Tive uma ideia! é uma rubrica do Observador destinada a novos negócios com ADN português.