Faltam sensivelmente 40 minutos para o arranque do desfile numa sala do Pier 59 Studios, junto ao rio Hudson, e as modelos esperam em fila para entrar na passerelle. O objetivo é treinar a marcha, os olhares sérios e a postura direita. Mas ao contrário do que se possa pensar, a música que dá início ao ensaio é, tal como o estado de espírito das mulheres altas e magras, animada. De outra forma não podia ser, não fosse a coleção para a próxima primavera-verão de Katty Xiomara buscar inspiração à Art Deco de Miami Beach.

Nem o furacão Irma, que por estes dias se fez sentir com força e pujança, atrapalhou a viagem do paraquedas imaginada por Xiomara, que trouxe à Semana da Moda de Nova Iorque o espírito de Miami através de coordenados fluídos e coloridos. A coleção da designer, que voltou à Big Apple a convite do Portugal Fashion, chama-se “Parachute Trip” e é, no fundo, uma ode à sucessiva reinterpretação do movimento artístico já citado.

O paraquedas, o elemento aglutinador de toda a coleção, está presente na forma de alguns vestidos, largos, simples e esvoaçantes. © Ugo Camera

“A base de tudo é o Art Déco”, diz Xiomara ao Observador minutos antes do desfile começar. A grande força do movimento acontece no início do século passado, nos anos 1920, mas a designer optou por não absorver o conceito na sua forma mais clássica. Ao invés, foi procurar influência às décadas seguintes, aquelas que trouxeram ao mundo um Art Déco “muito mais pop, explosivo e colorido”, do qual o Art Deco Historic District, em Miami, é o exemplo máximo. E como unir tantos anos e tantas transformações? Xiomara responde: a viagem temporal é feita através de um paraquedas, “a única forma de fazer uma ligação entre estes anos todos, de 1920 a 1970”.

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O paraquedas, esse elemento aglutinador, está presente nos diferentes coordenados, seja na vez de vestidos largos e esvoaçantes, estampado em camisas ou na forma de fitas bordadas e cordões adicionados — algumas modelos desfilaram, inclusive, com máscaras estilizadas a fazer lembrar o equipamento de quem se manda dos céus ao encontro da terra. A geometria elementar, os ornamentos e as cores garridas, que ajudam a representar o movimento artístico, também são ponto assente na coleção, sobretudo através das figuras geométricas impressas num padrão que se repete em vestidos, calças, calções e camisas — tem ele flamingos “atrevidos e de saltos altos”, hibiscos e olhos “sedutores”.

Os tecidos usados foram pensados ao pormenor e oscilam entre ripstop (tecido feito de nylon e com um reforço especial que lhe concede resistência), crepe (com o seu aspeto leve e ondulado), xadrez gingham, tule e renda. Toda a coleção, tal e qual um paraquedista, mergulha a fundo numa paleta de cores “adoçadas e exóticas”, das quais são exemplo o laranja e a papaia, o melão e a framboesa. Tons que se assumem em blocos de cor presentes nas quase 50 peças apresentadas no desfile e que ajudam a trazer à tona a estética nos anos 1960.

Katty Xiomara nos agradecimentos finais. © Ugo Camera

Nem de propósito, há toda uma aura de nostalgia associada à coleção. “Temos sempre este conceito retro nas nossas coleções, mas com um look muito contemporâneo”, diz Xiomara, que admite facilmente ser uma designer e uma mulher saudosista. “Ainda há pouco tempo fiz um vídeo para uma campanha sobre o Alzheimer. Costumamos dizer aos outros para esquecer o passado e viver o presente. Mas sem as nossas memórias não somos nada, é como começar do zero.” Katty Xiomara até pode ter entrado e saído a correr da passerelle, findo o desfile, mas deixou para trás uma memorável viagem a um passado intenso e rico em cor. Miami, mesmo que abalada pela força da natureza, agradece o apoio impremeditado.

Depois da apresentação de Katty Xiomara, naquela que é a terceira participação consecutiva do Portugal Fashion na Semana da Moda de Nova Iorque, segue-se o desfile de Miguel Vieira, marcado para as 17h de Nova Iorque (22h em Portugal) desta terça-feira.

O Observador viajou para Nova Iorque a convite do Portugal Fashion.