787kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

"Five Easy Pieces": um caso de pedofilia contado por crianças e adolescentes

Este artigo tem mais de 5 anos

Rapazes e raparigas entre os 9 e os 14 anos contam a história do pedófilo belga Marc Dutroux. Uma peça do suíço Milo Rau "sobre aprender a viver e aprender a representar" que chega agora a Portugal.

Parte do elenco de "Five Easy Pieces"
i

Parte do elenco de "Five Easy Pieces"

Phile Deprez

Parte do elenco de "Five Easy Pieces"

Phile Deprez

Consegue imaginar um grupo de crianças e adolescentes a contar, numa peça de teatro, a história de um pedófilo violador e assassino em série? É precisamente isso que acontece em “Five Easy Pieces”, de Milo Rau, e que este fim de semana chega ao Teatro Maria Matos, em Lisboa, e nos próximos dias 22 e 23 ao Teatro Municipal do Porto.

O convite partiu da produtora belga CAMPO, mas foi o próprio encenador suíço quem escolheu contar a história de Marc Dutroux, o belga condenado em 2004 a prisão perpétua pelo rapto e violação de seis raparigas, entre 1995 e 1996, com idades compreendidas entre os oito e os 19 anos, quatro das quais foram assassinadas.

“Era uma coisa que eu queria fazer há muito tempo. Há cerca de 15 anos que faço co-produções com a Bélgica e por várias vezes me falaram do caso Dutroux. Disseram-me que era a única coisa que todos os belgas irão recordar para sempre, como se fosse um trauma nacional“, explica Milo Rau, numa entrevista por telefone ao Observador.

A peça, cujo nome vem da obra que o compositor russo Igor Stravinsky fez no início do século XX para os seus filhos aprenderem a tocar piano, está divida em cinco partes. A história de Marc Dutroux é contada por sete crianças, entre os nove os 14 anos, que interpretam várias personagens ligadas ao caso: o pai do homicida, um polícia, uma criança raptada por Dutroux e presa na cave de sua casa, e os pais de uma outra vítima — nenhuma delas interpreta Marc Dutroux.

É uma peça sobre aprender a viver e aprender a representar”, refere Milo Rau, que dirige a companhia International Institute of Political Murder (IIPM) .

Mas até que ponto não é traumatizante para uma criança contar uma história tão violenta? Milo Rau garante que a complexidade do caso foi tida em conta, tanto que houve psicólogos envolvidos na produção para perceber qual a melhor forma de abordar esta questão com as crianças. Os pais dos jovens atores também acompanharam de perto todo o processo. “Não se pode fazer um casting de crianças sem antes fazer um casting dos pais. Tudo o que experimentámos e que não estava no texto, perguntámos-lhes antes.”

O encenador, contudo, não estava à espera que as crianças soubessem tanto sobre o caso e estivessem tão “à vontade” com o caso Dutroux.

Fiquei chocado. Eles estavam mais preparados do que eu imaginava. Para eles é uma história antiga“, considera o suíço. “Ficaram impressionados quando souberam que o pai de Marc Dutroux vivia em frente ao teatro onde ensaiávamos e isto torna a história de alguma forma contemporânea, mas eles representam-na como se eu representasse Ricardo III [uma peça de William Shakespeare].”

Para o encenador, esta peça é acima de tudo uma “alegoria” que, além de retratar o caso Dutroux, serviu como “escola de atores” para este grupo de crianças e adolescentes, levando-os a representar situações e sentimentos limites, sobre os quais não têm qualquer conhecimento, “de uma maneira muito pura e naïve“.

“Eles interpretam pais que perderam um filho. Se fosse comigo, que tenho 40 anos e duas filhas, fá-lo-ia com mais experiência, mas eles não podem. Eles têm mesmo de representar e com isso mostram a força do teatro. Era isso que estava interessado em mostrar: o enigma do teatro, a forma como alguém pode mudar completamente e tornar-se noutra pessoa. No fundo, é transmitir emoções que eles não conhecem para o público que sente estas emoções ao ver uma criança interpretá-las.”

© Phile Deprez

Milo Rau sublinha ainda o peso que o caso Dutroux teve na vida das crianças. “As crianças são de alguma maneira o objeto desta história, porque a vida delas mudou muito depois de Dutroux. Começou a paranoia, a pedofilia tornou-se o principal tabu da nossa sociedade, mudou o que é ser criança e mudou a relação das crianças com os adultos e a relação entre a sociedade e o Governo.”

“Five Easy Pieces” estreou em maio do ano passado e desde então passou em vários palcos europeus. Em alguns, não foi bem aceite. Em Frankfurt, por exemplo, não foi possível fazer a cena em que uma das atrizes, que interpreta uma das vítimas de Dutroux presa numa cave, está praticamente nua (fica apenas de cuecas) em palco — para o encenador, isto é mais um exemplo da “paranoia” que surgiu após o caso Dutroux.

“Tal como aconteceu em noutras peças que fiz, a revolta é algo que acontece antes da estreia. Depois de a verem, e em particular neste caso, as pessoas ficam comovidas e veem que resultou. Temos noção que pode causar este tipo de reações, mas tentámos fazer uma peça que consiga lidar com estas emoções negativas e de revolta e que as absorva.”

© Phile Deprez

Mas se a peça pode chocar alguns espectadores, pode-se assistir ainda a um “momento catártico”, isto é, a peça demonstra que é possível seguir em frente apesar de uma história tão marcante e trágica. “Há uma verdade mórbida nesta história, mas há também um significado poético na forma como estas crianças a representam e continuam a viver. Acho que é algo que tem de ser feito com uma série de traumas: não os esquecer, mas relembrá-los e seguir em frente. E é isso que a peça faz.”

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Assine por 19,74€

Não é só para chegar ao fim deste artigo:

  • Leitura sem limites, em qualquer dispositivo
  • Menos publicidade
  • Desconto na Academia Observador
  • Desconto na revista best-of
  • Newsletter exclusiva
  • Conversas com jornalistas exclusivas
  • Oferta de artigos
  • Participação nos comentários

Apoie agora o jornalismo independente

Ver planos

Oferta limitada

Apoio ao cliente | Já é assinante? Faça logout e inicie sessão na conta com a qual tem uma assinatura

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.

Assine por 19,74€

Apoie o jornalismo independente

Assinar agora