A agência de rating S&P surpreendeu, esta sexta-feira, os investidores com a atribuição de uma notação de qualidade à dívida portuguesa. Desde o início de 2012 que o investimento na dívida nacional tinha recomendação de “alto risco”. A S&P decidiu avançar já para a subida do rating sem sinalizar essa decisão com uma atribuição de uma “perspetiva” positiva — que indicaria que a promoção poderia estar iminente — como estão a fazer as outras duas grandes agências: a Moody’s e a Fitch. Porém, não é de todo inesperado que tenha sido a S&P a primeira a tirar a dívida portuguesa de junk, ou lixo, como se convencionou traduzir em português. Tomada a decisão, o que vai mudar para Portugal e para os portugueses?

Desde há vários meses que alguns analistas comentam que a S&P estava a assumir uma visão muito mais “cor de rosa” da situação portuguesa do que as outras duas agências principais. Em maio, em antecipação a uma decisão da Moody’s, o Observador escreveu que, tendo em conta a análise de alguns especialistas, a agência que parecia mais próxima de subir o rating era a S&P.

Na opinião de alguns desses analistas, a essa perspetiva não era alheio o facto de a S&P ser a única das grandes agências a quem o Estado português já não paga (e poderá, possivelmente, voltar a pagar um dia). Isto porque em finais de 2013 o governo de Passos Coelho decidiu suspender o contrato de rating com a S&P, uma medida de contenção de custos explicado pelo facto de que, na altura, as três agências (Moody’s, Fitch e S&P) diziam basicamente o mesmo sobre Portugal e não fazia sentido estar a pagar às todas. A S&P continuou a acompanhar a situação em Portugal, mas em base não-solicitada (tal como a DBRS) e contando com menos informação do que se fosse um rating contratado.

Numa altura em que a Fitch, por exemplo, dizia que o Governo de esquerda estava firme mas que era incapaz de fazer reformas, a S&P escrevia que Portugal “seguia na direção certa”. Os analistas das agências de rating são independentes, mas sempre foi claro nos últimos meses que a S&P tendia a ver a situação portuguesa com maior otimismo.

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Destino de Portugal deixa de estar nas mãos da DBRS

A primeira consequência de a S&P ter decidido retirar o rating de lixo é que Portugal deixa de estar dependente da análise da pequena firma canadiana DBRS. Apesar de não ser uma das três maiores, essa agência é reconhecida pelo Banco Central Europeu (BCE) — e foi, portanto, graças a essa agência, que nunca chegou a colocar Portugal no lixo, que Portugal pôde aceder às compras de dívida que o BCE tem feito nos últimos anos e que têm sido decisivas para conter as taxas de juro dos países da zona euro.

Mesmo o rating da DBRS chegou a estar em risco, no início de 2016, e esse momento coincidiu com o período de maior incerteza para o Estado português — já que se a DBRS retirasse o rating positivo, como não havia perspetiva de as outras três agências promoverem os seus, isso significaria um novo resgate ao País, que poderia ou não ser nos mesmos moldes do que foi pedido pelo governo de José Sócrates em 2011. O que era claro é que seria, sempre, necessário um novo acordo com os parceiros europeus para que Portugal pudesse continuar a receber a ajuda do banco central.

A sucessão de análises da DBRS tornou claro que a agência canadiana não iria baixar o rating, sobretudo depois de o conflito inicial do novo Governo com a Comissão Europeia ter sanado e com o Executivo de António Costa, sobretudo a partir de certa altura, ter reforçado as garantias públicas de que o compromisso com a redução do défice iria ser robusto.

“Rating” sai de “lixo” antes de o BCE acabar com as compras no mercado

Ainda assim, se o rating da DBRS sempre deu acesso às compras de dívida por parte do BCE no mercado — à escala, a certa altura, de mil milhões de euros por mês — era crucial garantir que também as outras agências, mais relevantes no mercado privado, subissem a notação de crédito. Isto porquê? Porque o BCE não estará para sempre a comprar dívida no mercado, ajudando a conter os juros dos países, e era importante assegurar que os ratings subissem antes de esse programa decisivo terminar.

A expectativa é que o programa seja continuado mesmo depois do final deste ano (data formal que existe para o seu encerramento), mas as compras serão feitas a um ritmo menor já a partir do início de 2018 — é esta a expectativa dos analistas. As compras de dívida portuguesa (e de outros países) pelo BCE até já têm vindo a cair, nos últimos meses, e o facto de os juros se terem mantido abaixo de 3% nesse período tem sido um sinal encorajador.

Mario Draghi lançou o programa de compra de dívida que tem sido decisivo, mas não irá durar para sempre.

Mas o que ajuda a explicar que os juros se tenham mantido em baixa apesar das compras menos volumosas pelo BCE (que compra no mercado mas que, com a sua ação, contribui para a fluidez dos negócios entre os investidores privados ativos no mercado), é que já há vários meses existia a expectativa nos investidores de que o rating subiria em mais agências do que apenas na DBRS. Poderia não ser agora, potencialmente só no início do próximo ano, mas isso ainda viria a tempo de fazer com que uma coisa substituísse a outra e Portugal continuasse a poder financiar-se no mercado a juros razoáveis.

Quando se fala em “uma coisa substituir a outra”, falamos na necessidade de haver mais interesse entre os investidores privados para colmatar a presença menos intensiva do BCE. E os ratings são decisivos para que mais investidores queiram e possam comprar dívida portuguesa. E isto acontece por dois efeitos: por um lado, há muitos fundos que estão proibidos de comprar dívida que tenha uma notação de “alto risco” — falamos de fundos de pensões e seguradoras, por exemplo, que têm bolsos fundos mas limitações ou mesmo proibições quando se fala em investir em ativos com notação menos favorável.

Por outro lado, o facto de Portugal ascender a “grau de investimento” coloca o país em vários índices importantes de obrigações. Muitos investidores investem não em emitentes específicos mas em índices (da mesma forma que se compram ações de um país, ou, sobretudo, deste ou daquele setor de atividade). Os títulos são comprados seguindo a ponderação de um índice e, portanto, se a dívida portuguesa volta a constar desses índices isso leva a que vários investidores tenham obrigatoriamente de comprar os títulos, pela simples razão de terem de acompanhar o índice.

Ainda assim, neste ponto, há que referir que cada índice tem a sua metodologia: para alguns bastará haver um rating de qualidade para estar no índice (desde que seja de uma destas três principais agências) mas para outros, por exemplo, pode ser necessário duas agências, pelo menos, com rating positivo. Outras, por exemplo, podem fazer uma média ou considerar apenas o melhor ou o pior rating disponível.

Isto significa que ainda poderá ser importante que haja mais agências a subir o rating de Portugal para que este efeito positivo se faça sentir de forma mais notória. Ainda assim, o Ministério das Finanças já adianta que esta decisão da S&P “abre caminho ao alargamento da base de investidores na dívida da República Portuguesa e, assim, à melhoria das suas condições de financiamento”.

Este efeito permitirá a melhoria das condições de financiamento das famílias e empresas portuguesas”, acrescenta o Ministério liderado por Mário Centeno.

Ainda esta semana Portugal emitiu dívida de longo prazo a taxas que foram as mais baixas desde 2015, abaixo de 2,8% no prazo a 10 anos. Ainda assim, há que sublinhar que ao mesmo tempo Espanha, com toda a sua incerteza em relação à Catalunha, por exemplo, está a financiar-se no mesmo prazo a cerca de metade desses juros, 1,5% — e a explicação, em parte, está relacionada com o facto de Espanha já ter ratings positivos há bem mais tempo. Mesmo Itália, com todos os problemas de baixo crescimento, poucas reformas estruturais e problemas na banca, tem conseguido manter os juros perto de 2%. A expectativa para Portugal é que esta (e futuras) subidas de rating ajudem a aproximar os juros de Portugal destes países.

Com juros mais baixos no mercado, a Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP) tenderá a tomar iniciativas no mercado para tirar partido dos juros mais baixos. Por um lado, isso passa por operações de troca e recompra antecipada de títulos e, por outro lado, as emissões normais podem permitir avançar com reembolso antecipado da dívida ao FMI, que neste momento é a mais cara que Portugal paga. Essa gestão pode gerar, gradualmente, poupanças orçamentais que podem libertar recursos para outras áreas da despesa pública.

Tão ou mais importante do que este impacto sobre o financiamento do Estado é que, depois da subida do rating público, nos próximos dias deverão ser divulgadas decisões semelhantes, também pela S&P, para a notação de risco das maiores empresas portuguesas, que são seguidas pela agência de rating. Daí tenderá a gerar-se um efeito de cascata, contribuindo para que as empresas portuguesas, de um modo geral, possam obter financiamento mais acessível seja nos mercados externos seja no setor financeiro, que também está em vias de tentar uma solução para desentupir os seus balanços de crédito malparado, abrindo espaço a mais nova concessão de crédito.

António Saraiva, presidente da Confederação de Empresários Portugueses (CIP), disse ao Observador que a subida do “rating” de Portugal é “o resultado dos sacrifícios que todos fizemos”, que as empresas “só se podem regozijar com esta boa notícia” e que a decisão devia ser aproveitado para aumentar a competitividade do país, marcando “o início de um novo ciclo de desenvolvimento”.

Subida de “rating” pode “marcar o início de um novo ciclo”, diz António Saraiva