Pode a notação de crédito de um país fazer respirar de alívio um autarca? Pode, se esse autarca tiver vivido uma das piores semanas da sua vida política. Fernando Medina terminou uma semana negra (por causa da polémica compra da sua casa nas Avenidas Novas) a oferecer o palco do seu comício de arranque de campanha a uma vitória do Governo: a saída de Portugal do lixo. E neste jantar-comício em Lisboa, Medina teve mesmo o seu antecessor na câmara e primeiro-ministro a revelar que foi à frente do executivo municipal que ganhou “gosto para tratar do lixo”.

Na noite do final da semana horribilis, o autarca e candidato à Câmara de Lisboa pelo PS recebeu consolo em dose tripla: a novidade do rating, a sala grande da antiga FIL com cerca de 2 mil pessoas num jantar-comício e ainda o líder socialista ao seu lado. O PS a querer dar uma prova de força no comício que marca o arranque da campanha socialista em Lisboa e a tentar sacudir do sapato as pedras desta última semana. Mas o apoio teve um preço e o de Costa foi aproveitar aquele palco para festejar a saída do “lixo”, com trocadilhos à mistura:

Foi aqui [em Lisboa] que ganhei o gosto pela higiene urbana, por tratar do lixo, e é por isso com grande satisfação, quando já não tenho essa responsabilidade, que tenho o orgulho de testemunhar o dia em que Portugal saiu do lixo das agências de rating.

A sala cheia de representantes das várias freguesias da cidade reagiu de forma efusiva, como já tinha feito quando Helena Roseta, do Movimento Cidadãos Por Lisboa, tinha falado da notícia que surgiu no início do jantar, ainda antes de António Costa chegar. E havia de voltar a reagir quando foi a vez de Fernando Medina tocar no mesmo assunto, ao mesmo tempo que elogiava Costa, “alguém que teve a coragem para tornar os impossíveis possíveis”.

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Mas nem só de rating se fez este comício em que António Costa subiu ao palco quase com vontade de cantar, segundo revelou. O líder do PS e primeiro-ministro também aproveitou o momento para pedir — à semelhança do que tem feito noutros palcos autárquicos — que Lisboa dê um “contributo especial”, nas eleições 1 de outubro, para que o Governo possa “prosseguir o que caminho que tem de prosseguir”. Até porque a saída do “lixo” não significa uma mudança de trajetória: “Se há coisa de que todos temos a certeza é que não queremos voltar atrás”. Já o tinha dito antes de entrar na sala, em declarações aos jornalistas sobre a novidade da S&P.

Também houve elogios para Medina (ainda que misturados com auto-elogios), como quando o anterior presidente da CML disse ter “muito orgulho no contributo” que deu à cidade: “Mas seguramente uma das melhores decisões que tomei foi ter convidado o Fernando Medina para deixar a Assembleia da República e vir para a Câmara Municipal de Lisboa”. E ainda o apoio da praxe: “Força Fernando confiamos em ti, contigo Lisboa será uma cidade ainda melhor”. “Ainda”, porque o próprio reclama muitos dos créditos da cidade hoje.

Sogros compraram casa igual à de Medina pelo mesmo preço seis anos antes

Já Fernando Medina subiu ao púlpito para se diferenciar da concorrência e carregar nas tintas quando garantiu que não vai ser “um governo em part-time. Vamos ser governo a tempo inteiro”, atirando à oposição. “A nós não nos move nenhuma afirmação de liderança partidária — está bem entregue — nem vingar a liderança de um governo passado, só nos move servir Lisboa e os lisboetas”.

Mas nesta oposição distingue as partes. À esquerda (a mesma que apoia o PS no Governo do país) não “vê discurso sobre o crescimento, nem para a vitalidade” da cidade” — curiosamente a sala reagiu com um aplauso apagado. Já se entusiasmou mais quando o candidato malhou na direita, onde Medina diz ver “uma situação bem pior”. “Não tem discurso para a coesão nem para a modernidade. Diz o que não podemos ser, mas se atentarmos bem o que nos propõem é o regresso às ideias do passado”.

O Bloco de outros tempos aterrou na sala

Antes de tudo isto, entre as 20h50 e as 21h20, ainda não tinha Costa chegado, o jantar comício levou quem nele participava ao Bloco de Esquerda de 2005, 2007 e 2009. Seguidos no palco discursaram Rui Tavares, o candidato do partido às Europeias de 2009, e José Sá Fernandes, candidato à câmara de Lisboa apoiado pelo BE em 2005 e 2007. Têm uma coisa em comum: ambos romperam com o Bloco de Esquerda. Outra: um aliou-se ao PS logo de seguida, o outro fundou um partido à esquerda, o Livre, que assumia — ao contrário dos restantes — que podia vir aliar-se ao PS. Acabou por não ter relevância eleitoral para o conseguir em 2015 e viu, à distância, BE e PCP a prosseguirem o caminho que traçava como vital para a esquerda.

Ambos fazem parte, tal como Helena Roseta, da coligação encabeçada por Fernando Medina. Foi por isso que Rui Tavares não teve grande cerimónia em chamar à sala de cheia do PS “camaradas”: “Somos todos camaradas nesta aventura”. Já José Sá Fernandes associou-se a um dos principais ataques de Medina à oposição nesta campanha, garantindo (em oposição aos outros) que o atual presidente da Câmara é “o único candidato que está com a cabeça e os dois pés em Lisboa”.

Aos apoio de Livre e do Movimento Lisboa é Muita Gente, de Sá Fernandes, juntou-se ainda a independente Helena Roseta, do Cidadão por Lisboa, que arrancou a maior ovação da noite sobre o rating. Foi ela que falou imediatamente a seguir a António Costa ter chegado à antiga FIL e não conteve o entusiasmo com a notícia que ainda estava fresca. Depois falou da sua experiência ao lado de Medina e ainda lembrou o dia em que o avisou: “Olhe que isso são obras a mais. E ele continuou e a cidade está mais bonita”.