O deputado que há mais anos ocupa um lugar na Assembleia Legislativa de Macau vai deixar o hemiciclo e disse que um dos motivos é o fraco conhecimento jurídico dos colegas.

“É um problema genético da AL. Uma das razões que me levou a sair é a falta de uma discussão jurídica dos diplomas. Pode ser defeito meu, sou advogado, mas também acho que se a AL é para fazer leis, têm de ser boas”, disse Leonel Alves, em entrevista à Lusa, a poucos dias da eleição para a sexta Assembleia da Região Administrativa Especial de Macau.

Alves, que este ano completou 33 anos como deputado — tantos quantos os lugares que compõem atualmente o hemiciclo — é dos poucos com ‘background’ jurídico. Os colegas, afirmou, remetem frequentemente as questões de direito para os assessores da AL.

“Quando abdicam disso é mau. Isto é uma fraqueza da AL. Não há nas comissões uma discussão possível a nível do Direito. As comissões são normalmente constituídas por nove deputados e a regra é haver um deputado jurista em cada uma. Que diálogo pode haver? Às vezes sinto-me frustrado porque não temos a mesma linguagem, quando se fala de um assunto utilizo determinado raciocínio, parto do pressuposto que é o ‘bê-à-bá’, e depois chego à conclusão que não têm as premissas que deveriam ter”, queixou-se.

Em jeito de diagnóstico da AL, o também membro do Conselho Executivo, disse ser muito difícil fazer passar projetos de lei, pelo menos a título individual.

Segundo o deputado, quando um diploma não é apresentado pelo Governo “sofre imediatamente entraves” e “os colegas não subscritores inventam todos os problemas e mais alguns”, explicou o também membro da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês.

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Já apresentar um diploma sozinho, como tem feito, nos últimos anos, o deputado José Pereira Coutinho, “obviamente que está votado ao fracasso”. Porquê? A resposta prende-se essencialmente com “um fator político”: “Não quero que aquele ou aqueles deputados consigam ter a glória e o triunfo de ter um diploma aprovado”.

Apesar de serem raros os exemplos mais recentes de projetos de lei — à exceção dos múltiplos apresentados por Coutinho, sempre chumbados — Alves lembrou que foi, no passado, subscritor de vários diplomas “com algum fôlego”, em conjunto com colegas, alguns bem-sucedidos, “mas houve sempre entraves”.

O caso mais recente foi este ano quando nove deputados, incluindo Leonel Alves, apresentaram um projeto para regular o mercado de arrendamento, que conseguiu “luz verde” mas viu ‘cair’ elementos centrais como um mecanismo de controlo dos aumentos das rendas.

Este caso veio evidenciar o conflito entre os interesses da população e dos “agentes económicos”, fortemente representados na AL. Alves acredita que proximidade da data da votação do diploma, em agosto, às eleições, no domingo, também teve peso.

“O arrendatário médio quer segurança, o intermediário quer facilitismo, receber a sua comissão. Há muitos agentes económicos em Macau que trabalham na área do imobiliário e dadas as características de formação ideológica de um largo setor da população, essa ação de influência pode ter uma tradução grande em número de votos”, disse Leonel Alves.

Já a possibilidade de os deputados chumbarem propostas do Governo parece-lhe “altamente improvável”, algo também raro no “tempo da administração portuguesa” e que “faz parte da idiossincrasia política de Macau”.

De saída do hemiciclo, Alves recordou como “desde o primeiro dia”, aos 27 anos, manteve a “missão” de representar a comunidade macaense, que gostaria de ver mais “interessada pela coisa pública”.

“Não podemos viver acantonados”, alertou, dizendo-se, no entanto, otimista em relação ao futuro. “Vejo a camada jovem bastante mais ativa do que as pessoas da minha geração”, apontou, notando a presença de alguns macaenses nas listas candidatas às eleições, ainda que quase sempre em lugares menos proeminentes.

Alves também não afastou a entrada de macaenses na AL por via de nomeação do chefe do Executivo, mas disse estar indisponível para aceitar essa posição: “[Devia nomear] um ou mais (…). Isto é que forja aquilo que é o Macau atual com as suas próprias características”.

A AL é constituída por 33 deputados, 14 dos quais eleitos diretamente pela população, 12 por sufrágio indireto (através das associações) e sete nomeados pelo chefe do Executivo.