A frase feita

“Estamos nestas eleições para disputar a vitória em todas as freguesias e concelhos e não só nos que já conquistamos” (António Costa)

“Todas” é uma força de expressão — e de dissimulação. António Costa passeou esta corajosa ambição por três câmaras do PSD, durante uma acção de campanha. Mas, como o primeiro-ministro bem sabe mas não pode dizer, há sítios onde perder é ganhar e onde ganhar é perder. Jerónimo de Sousa, que com razão treme e se agita ao pensar na possibilidade de um mini-PCP autárquico, já ameaça derrubar o Governo como quem toma o Palácio de Inverno.

Por isso, em certas zonas do país, o PS terá que tratar os comunistas como os pais tratam os filhos pequenos: simular esforço, fingir que tropeça e deixá-lo chegar à meta em primeiro lugar. Na realidade, não estará a disputar a vitória, mas a derrota. Mas isso não é coisa que se diga.

A frase desfeita

“Não acha que uma mulher trata melhor desta junta de freguesia do que um homem?” (Teresa Leal Coelho)

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Se André Ventura parasse num café de Loures e perguntasse a um sexagenário de bigode e palito na boca se ele não “achava” que “um homem trataria melhor da câmara do que uma mulher”, acabaria o dia coberto em alcatrão e penas, perseguido por uma multidão em fúria liderada por clones de Rita Ferro Rodrigues. Mas, por qualquer razão misteriosa que os “politólogos” seguramente explicarão, Teresa Leal Coelho, que fez toda a carreira como uma social-democrata de “causas fracturantes”, está a realizar a sua campanha com base numa inabalável crença na superioridade do sexo feminino.

Depois do cartaz “Por uma Senhora Lisboa”, a candidata do PSD tornou-se agora mais explícita. Mas não tão explícita quanto seria necessário. Faltou, por exemplo, esclarecer com mais detalhes por que obscura razão é que uma mulher “trataria” melhor de Campo de Ourique. Ou porque é que a Estrela, que fica mesmo ao lado e onde o seu candidato se chama Luís Newton, é mais bem “tratada” por um homem.

A eleitora que ouviu a frase em cima ainda tentou responder com alguma racionalidade: “Nem sempre as mulheres… Lá porque eu sou mulher…”. Ouvindo-a, Leal Coelho embrulhou-se ligeiramente, mas seguiu em frente com a mesma perturbadora confiança.

A frase perfeita

“O que nos distingue, em particular da direita, é a constatação de que a mobilidade assente no transporte individual não tem sustentabilidade” (Fernando Medina)

Tem graça. Ou melhor: não tem graça. A notícia de onde foi retirada esta frase era ilustrada por uma foto de Fernando Medina a sair de um carro (e ainda esta segunda-feira o candidato do PS foi em campanha visitar o Bairro Padre Cruz num confortável minibus). Durante uma passagem por Campo de Ourique, o presidente da câmara mostrou-se chocado, espantado e contrariado pelo facto de naquele bairro haver, imagine-se!, mais do que um automóvel por habitação.

A frase é perfeita porque descreve um mandato, uma política, uma obsessão — e uma herança. Primeiro, Medina transformou a cidade numa armadilha para os carros; e agora, só agora, promete “trabalho e determinação” para tornar os transportes públicos eficazes, rápidos e fiáveis, esquecendo que neste momento são o seu exacto contrário. A culpa, como não poderia deixar de ser, é inteiramente “da direita”. Já se sabe, desde Joseph de Maistre, que “a direita” só atinge a felicidade suprema ao volante de um carro a diesel manipulado pela Volkswagen.