O Ministério da Administração Interna (MAI) recusa-se a confirmar se os cidadãos brasileiros suspeitos de corrupção no Brasil e em Portugal que acederam a uma Autorização de Residência para Atividade de Investimento (ARI) continuam a ter direito aos direitos especiais facultados por Portugal aos titulares do que também é conhecido como visto gold. Entre esses direitos, encontra-se a livre circulação pelo Espaço Schegen.

A notícia fez a manchete da tarde desta segunda-feira do jornal britânico The Guardian mas nem mesmo o facto de Portugal ser notícia pelas piores razões num dos sites informativos mais influentes do mundo, faz com que o Governo de António Costa queira comentar a matéria. Confrontada com o facto de o empresário Otávio Azevedo ter ganho um visto gold em 2014 e ter sido condenado em 2016 a 18 anos de prisão domiciliária pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e participação em organização criminosa, fonte oficial do MAI limitou-se a afirmar: “O Ministério da Administração Interna não faz qualquer tipo de comentário a casos concretos, nomeadamente a investigações judiciais”.

Fonte oficial do MAI, numa resposta genérica, apenas garante que a lei em vigor permite o cancelamento do visto gold concedido “a qualquer momento” e “por factos praticados em momento posterior à concessão”. Contudo, e apesar de ter sido questionada sobre se tal aconteceu com Otávio Azevedo, a mesma fonte recusa-se a divulgar a informação.

Condenado na Operação Lava Jato teve acesso a visto gold em Portugal

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O Observador tinha solicitado ao MAI a confirmação da concessão administrativa de um ARI em 2014 ao ex-presidente executivo do grupo Andrade Gutierrez e questionou o Ministério sobre se foi realizada alguma renovação depois de Otávio Azevedo ter sido condenado em 2016 mas não obteve qualquer resposta. O mesmo silêncio aplica-se à pergunta relacionada com a possibilidade legal de a autorização especial para residência ser revogada, na sequência da condenação a que Azevedo foi sujeito no Brasil.

O Observador questionou a mesma fonte sobre o enquadramento legislativo que permite a recusa na divulgação dessas informações, tendo a porta-voz do MAI a Constituição da República (que proíbe o acesso o dados pessoais de terceiros) e o regime jurídico nacional em matéria de proteção de dados pessoais.

De acordo com o The Guardian, há outros cidadãos brasileiros suspeitos de corrupção e de outros crimes económico-finaneiros no Brasil e em Portugal que terão apresentado candidatura no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) para acederem a um visto gold:

  • Sérgio Andrade — chairman e principal acionista do grupo Andrade Gutierrez que já fez um acordo de delação premiada;
  • Pedro Novis, ex-CEO e ex-chairman da Odebrecht, uma das principais empresas de construção visadas pela Operação Lava Jato
  • Carlos Pires Oliveira Dias, vice-presidente do conselho administrativo do grupo Carmargo Correa
  • José Mauricio Caldeira ex-diretor financeiro da empresa brasileira Asperbras, detido na Argentina a pedido das autoridade judiciais portuguesas e constituído arguido em Portugal pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal por suspeitas do crime de corrupção no comércio internacional e branqueamento de capitais no âmbito da Operação Rota do Atlântico, também conhecida por caso José Veiga

Além de um governante e de um militar angolanos com ligações a alegados conflito de interesses:

  • João Manuel Inglês — coronel angolano que foi acusado nos Estados Unidos de ser um testa de ferro do general Hélder Vieira Dias ‘Kopelipa’, chefe da Casa Militar do Presidente José Eduardo dos Santos
  • Pedro Sebastião Teta – secretário de Estado angolano que será proprietário de parte de uma empresa privada (Impulso) à qual foi adjudicado um contrato para fazer o mapeamento nacionail dos recursos mineiros angolanos.

As regras para os vistos gold, segundo o Governo

Fonte oficial do Ministério da Administração Interna limita-se a deixar claro que “os procedimentos de atribuição de Autorizações de Residência para Atividade de Investimento (ARI) seguem com rigor todos os procedimento de segurança legalmente previstos, importando referir que as diferentes entidades nacionais competentes dispõem dos mecanismos adequados à salvaguarda da legalidade e da segurança”.

Ou seja, os candidatos ao visto gold têm de apresentar, entre outros documentos, uma certidão do seu registo criminal devidamente limpo — documento esse que é devidamente fiscalizado pelo SEF, que tem um estatuto de órgão de polícia criminal, através dos meios de cooperação judiciária internacional ao seu dispor.

“Para além da aferição por via do registo criminal do país de origem ou do país onde resida há mais de um ano e do registo criminal português, o SEF assegura, tal como em todos os processos de documentação de cidadãos estrangeiros, todas as consultas (a todas as bases de dados SEF e internacionais, tais como a Interpol e a Europol) e diligências necessárias no sentido de garantir que os candidatos a ARI reúnem cumulativamente os seguintes requisitos cautelares:

– Ausência de condenação por crime que, em Portugal, seja punível com pena privativa de liberdade de duração superior a um ano;

– Não estar interdito de entrar em território nacional, subsequente a uma medida de afastamento do país;

– Ausência de indicação no Sistema de Informação Schengen;

– Ausência de indicação no Sistema Integrado do SEF para efeitos de não admissão”, garante fonte oficial do MAI.

A única informação disponibilizada pelo Governo sobre a renovação dos ARI, foi uma explicação genérica que o Observador já tinha avançado esta segunda-feira.

“No momento de renovação dos títulos é feita nova avaliação relativamente à manutenção ou não das condições que levaram à concessão. As disposições legais em vigor incluem os termos no âmbito dos quais é justificada a não renovação de título de residência ou o seu cancelamento que pode ser acionado, se necessário, a qualquer momento, nomeadamente por factos praticados em momento posterior à concessão”, lê-se na resposta escrita enviada por fonte oficial do MAI.