Em fevereiro de 2013, John Stanmeyer tinha um trabalho em Djibouti, no nordeste de África – um país que faz fronteira com a Etiópia e a Somália. Enquanto deambulava pelo território à noite, acompanhado de um intérprete local, o fotojornalista norte-americano viu um grupo de emigrantes que tentava apanhar rede da Somália para entrar em contacto com os familiares do outro lado da fronteira. O momento que captou em fotografia correu o mundo e venceu a categoria principal do World Press Photo em 2014. A este prémio juntou-se também o primeiro lugar na categoria “Assuntos Contemporâneos” da mesma competição.

Esteve no Porto como orientador num workshop do Porto Photo Fest, tido como o primeiro festival de fotografia na cidade. John Stanmeyer gosta pouco de falar do seu papel enquanto fotojornalista ou mesmo de si próprio. Acredita que todos podem ser contadores de histórias e que cada um tem algo de extraordinário para dizer ou fazer. A carreira estendeu-se pela revista Time durante dez anos e hoje faz-se na revista National Geographic. As fotografias, essas, já percorreram o mundo: a guerra no Afeganistão, a luta pela independência em Timor e as inúmeras viagens a África são alguns dos pontos assinalados no passaporte e no currículo.

Os fotógrafos deste workshop estão a seguir o conselho do John: “esperar o inesperado”?
Não sei, tem de lhes perguntar. Temos dois fotógrafos fabulosos (aponta para eles): o José, que vive no Porto, e por isso, estou a tentar que vá fotografar sítios menos confortáveis para ele; e a Camila que veio de Itália e está a fotografar coisas que nem eu nem o José conseguimos reparar. São eles que têm de testemunhar o inesperado.

Mas porquê é que dá este conselho?
Porque se não esperarem pelo inesperado, estarão cegos. Se vamos automaticamente à procura de alguma coisa, não seremos presenteados com nada. Temos de ser humildes e também agradecidos pela magnitude de tudo o que está lá fora. As pessoas usam as expressões como “vamos pesquisar para tentar encontrar algo”. Nestes casos, estamos a forçar. A verdadeira beleza vem do inesperado. Em muitas estórias que me propõem, penso: “quero fotografar isto e aquilo”, mas depois prendo-me e percebo que tenho de me deixar ir. Interesso-me por tudo e no processo de fascínio, tenho de admitir o inesperado. Não podemos estar à espera como se fosse um presente no dia de aniversário. Depois ficamos desiludidos porque não recebemos o que queríamos.

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É um lugar comum dizer que as melhores histórias têm de ter pessoas dentro. As fotografias do John são muito sobre pessoas. A emoção pode falar mais alto neste tipo de registo? Costuma interagir com os seus protagonistas?
Tento interagir com toda a gente. Gosto de ficar íntimo com as pessoas. Fala-se muito de “fotografia de rua” e não sei porque é que se chama assim. É fotografia, ponto. Não faz muito sentido. OK, eu entendo: vou a caminhar pela rua e fotografo ruas. Mas não deixa de ser uma narrativa, é contar histórias com imagens. Claro que não falo com todas pessoas, porque muitas vezes a recetividade não o permite. No entanto, quando tentamos perceber a cultura de alguém, a sua essência ou o que tem de interessante na sua vida (e se formos bem-vindos), o sentarmo-nos com essa pessoa a beber uma chávena de chá é um processo de aprendizagem. A vida de todos é interessante. A nossa tendência é pensar que é uma vida normal, mas há sempre algo de extraordinário nas nossas histórias, desde as mais simples às mais complexas. É aí que começa a fotografia e eu tento sempre ligar-me às pessoas.

Há um lado muito antropológico nas fotografias do John. Foi sempre assim ao longo da sua carreira?
Eu não penso muito na evolução da minha carreira. Acho que tenho mais capacidades para fotografar pessoas. Não sou um fotógrafo de paisagens e quando tenho de fotografá-las, entro em pânico (ri-se). Acho que sempre fui um humanista, interesso-me por tudo e por todos. Eu acho que me fotografo em tudo o que faço. Porque estou a fotografar-nos. A todos nós. Nós somos todos a mesma coisa. Esta talvez seja a força que guia a vertente mais social do meu trabalho. É a advertência de que somos todos iguais. Apenas muda o nosso aspeto.

Na entrevista ao World Press Photo, disse que gostava de se perder enquanto estava a fotografar. Um dos resultados foi até a fotografia “Signal” que ganhou esta competição em 2014. A maioria dos fotógrafos “perdem-se” enquanto fotografam ou estão preocupados com os prazos e as exigências da profissão?
Eu não analiso o trabalho das outras pessoas. Os fotógrafos que trabalham para jornais têm prazos para cumprir e eu não quero, de forma alguma, dizer que eles estão a fazer as coisas da maneira errada. Eu já trabalhei num jornal e sei o que é ter cinco ou seis trabalhos por dia para entregar até ao final do dia. Não acredito que haja uma maneira errada ou correta de fazer as coisas. Nem quero cometer o erro de estar a julgar as pessoas.

Quando o John viu aqueles emigrantes no Djibouti com os telemóveis nas mãos, pensou imediatamente que teria uma fotografia poderosa diante de si?
Consigo sentir. Na altura, estava apenas a contar a história sobre a migração humana em África há muitos séculos. Quer se goste ou não, vimos todos dali e temos diferentes pigmentações no nosso corpo devido à geografia. É assim que se explica as diferentes tonalidades entre humanos. Eu nunca conheci uma pessoa negra ou uma pessoa branca. Conheci sim, pessoas com sombras e luzes bonitas. E quando eu estava em Djibouti, a deambular, perguntei ao meu intérprete e amigo, o que é que aquelas pessoas estavam a fazer. Ele não ligou muito, porque vê aquilo a acontecer muitas vezes. “Eles estão a apanhar rede da Somália, porque assim conseguem falar com os familiares”, disse-me. Eu perguntei se eram todos emigrantes e ele confirmou-me. A única coisa que eu consegui sentir foi que aquela imagem falava de muitos temas e tópicos dos dias de hoje. Era algo importante para uma narrativa. Eu não me interesso muito por competições e concursos. Entrei em algumas, porque a revista [National Geographic] queria que o fizesse. Durante algum tempo, parei de fazê-lo, porque achava desinteressante. Não preciso de ganhar prémios para me sentir melhor comigo mesmo. A única coisa com que me preocupei na altura, e ainda hoje, é a de que a fotografia proporcionou um diálogo visual do que foi o nosso caminho enquanto humanidade.

Trabalhou para a revista “Time” e atualmente trabalha para a revista “National Geographic”. Sente-se um privilegiado?
Sinto-me agradecido. Sou apenas um homem, sou insignificante.

Mas é insignificante mesmo quando conta e retrata as histórias de outras pessoas em fotografia?
Não penso nisso na minha perspetiva. Se uma fotografia despertou algo no espírito ou sensibilizou alguém, fiz o meu trabalho. Toda a gente tem um papel importante quando conta uma história. Para desmitificar a pergunta, dou um exemplo: tenho estado a trabalhar com 12 fotógrafos arménios e 12 fotógrafos turcos para que me contem as suas histórias e tentar assim construir pontes através das diferenças, porque sou só um fotógrafo, não posso mudar o mundo mas posso tentar. Há muito tempo pensava que conseguia, mas depois tive uma epifania: Martin Luther King não acabou com o racismo na América, a Madre Teresa de Calcutá não acabou com a pobreza, Mahatma Gandhi não acabou com o sistema de castas, Mandela deu toda a sua vida ao fim do apartheid e a intolerância racial ainda existe. Eu não sou nada quando comparado com eles. Coletivamente podemos mudar as coisas. Coloco-me sempre atrás de mim mesmo, não porque queira ou me sinta melhor assim, é apenas porque não sou importante. O mais importante e interessante é: “O que eu posso fazer no mundo enquanto existo?”. Porque não vou durar para sempre. As histórias que contamos é o que nos vai iluminar, uns aos outros.

Fotografou a guerra no Afeganistão e também a luta pela independência em Timor. Esses momentos podem definir uma carreira e sensibilizar ainda mais para os direitos humanos?
A minha mãe ensinou-me a importância dos direitos humanos. Não sei se esses momentos conseguem marcar uma carreira, porque já tive muitos momentos e estou habituado a fotografar nestas zonas, perto da Indonésia, nomeadamente. Acho que fiz o meu trabalho enquanto lá estive, mas são situações que destabilizam muito, que nos destroem. Posso pegar no meu passaporte e ir embora a qualquer momento. E o resto das pessoas não o podem fazer. Timor foi particularmente importante em matéria de direitos humanos, principalmente quando vemos alguém a ser baleado na nuca por trás [Joaquim Bernardino Guterres, timorense, foi agredido e baleado pela polícia indonésia à frente do fotojornalista]. É uma maneira muito cobarde de matar alguém e mostra o quão fraco é o ser humano. Foi um marco muito profundo na história de Timor e da Indonésia. A minha documentação foi antes da Internet, ainda assim conseguiu ser amplamente divulgada e colocou imensa pressão nos governos. Mas é esse o nosso propósito, é uma relação de causa e efeito. Não sei se foi decisivo na minha carreira, mas foi um pedaço do meu trabalho que me foi acompanhando.

O John já disse que precisamos de “contadores de histórias mais do que nunca”. Isto aplica-se a uma pessoa que utiliza uma conta de Instagram ou a um fotojornalista? Ambos podem contar histórias?
Mal posso esperar pelo momento em que deixemos de encarar um smartphone como uma câmara fotográfica separada ou à parte. É uma câmara. Todos têm uma história a contar e um propósito na vida. Alguns serão agricultores. E de certeza que o agricultor terá um telemóvel e uma história para contar. Ele vai ser jornalista? Não. Vai ser fotógrafo? Não. Mas vai ter algo para nos dizer. Aconteceu eu ter um trabalho que se chama fotojornalismo. Cada um é o que é. Hoje, torna-se importante sermos contadores de histórias, mais do que nunca, porque estamos a publicar conteúdo. O que fazemos nas redes sociais tem mais impacto do que tem a edição impressa de um jornal, a televisão ou a rádio. Atualmente, todos temos capacidade de partilhar e publicar informação. Às vezes de forma negativa. O importante é que essa partilha tenha um impacto positivo na vida dos outros. Precisamos de contadores de histórias, de inspiradores, de pessoas que nos deem esperança para avançar e crescer.

Disse à organização do Porto Photo Fest que não sabia o que esperar de Portugal. Já está aqui há alguns dias. O que é que acha do país?
Nunca estive em Portugal. Vivi em Espanha e provavelmente viajei cerca de 15 vezes [entre Espanha e os Estados Unidos da América]. Talvez seja demasiado cedo para dar uma opinião sobre Portugal. Dormi aqui, até agora, quatro noites e a única coisa que conheço é o caminho até ao meu hotel. E alguns restaurantes. Conheço o Porto, para já, através dos participantes deste workshop. Mas antes de me ir embora, vou sair e percorrer as ruas. O mais interessante é que vou conhecer o Porto através da comunicação visual. E isso acaba por ser também o objetivo do Porto Photo Fest. Quando tiver tempo para respirar, conseguirei ver o Porto através da fotografia e vou-me deixar inspirar pela cidade. O que é que posso dizer? Comida maravilhosa, pessoas fantásticas, no entanto, ainda estou a tocar a superfície.