O regulador das telecomunicações avisa que a compra da Media Capital pela Altice é “suscetível de criar entraves significativos à concorrência efetiva nos vários mercados de comunicações eletrónicas, com prejuízo em última instância para o consumidor final”. A Anacom defende por isso que a operação “não deverá ter lugar nos termos em que foi proposta”.

A Anacom tem de dar parecer sobre a operação, mas a sua posição não é vinculativa. No entanto, a opinião agora conhecida sinaliza que o comprador terá de ajustar as condições e termos da aquisição para responder aos riscos e alertas dos reguladores e assegurar a sua aprovação.

Na análise remetida esta semana para a entidade da concorrência, o regulador das telecomunicações conclui que o grupo resultante desta operação ficará com o poder de fechar o acesso dos operadores concorrentes a conteúdos e canais de televisão. E acrescenta que não foram identificados benefícios da operação de concentração por parte do comprador.

Na análise, o regulador conclui que a aquisição pela MEO do controlo exclusivo da Media Capital, nos termos que foi notificada, “traduz-se uma integração vertical completa da cadeia de valor. Internaliza no mesmo grupo as relações comerciais entre a produção de conteúdos, o fornecimento de canais de TV e de rádio, a publicidade e a distribuição de serviços de televisão”.

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Dada a dimensão dos dois intervenientes — a quota de 30% que é a referência seria ultrapassada em todos os mercados relevantes de comunicações eletrónicas — há indícios de que a empresa que resultaria da fusão ficaria com a capacidade de:

  • Encerrar, total ou parcialmente, o acesso dos operadores concorrentes aos seus conteúdos e canais de televisão e de rádio, bem como ao seu espaço publicitário.
  • Encerrar, total ou parcialmente, o acesso de outros canais — a SIC ou a RTP — às suas plataformas, nomeadamente de televisão por cabo, portais de internet (Sapo) e serviços OTT.
  • Utilizar informação sensível ou confidencial dos concorrentes em seu benefício, nomeadamente ao nível das campanhas publicitárias.
  • Introduzir menor transparência nos preços do serviço da televisão digital terrestre (TDT) à TVI, a nível interno, e aos outros operadores de televisão, a nível externo. Esta situação dificultaria a análise do cumprimento das condições impostas nos regulamentos.
  • Impedir os operadores alternativos de fornecer serviços a gama “760” à TVI, como o televoto, participação em concursos televisivos e angariação de donativos.

Segundo a Anacom, a TVI é o canal líder de audiências e a Plural, detida pelo mesmo grupo, é a principal produtora de conteúdos televisivos no mercado nacional. Já a MEO é o operador líder em vários mercados de comunicações eletrónicas, chegando a ter quotas superiores a 40%. O negócio junta ainda os principais portais nacionais de internet, a Sapo e a IOL.

O regulador das telecomunicações alerta também que os instrumentos que têm à sua disposição “não são suficientes para acautelar o impacto que pode resultar da operação de concentração, tal como notificada, nos mercados de comunicações eletrónicas”. O parecer da Anacom foi já aprovado com o novo presidente, João Cadete Matos, mas ainda com o conselho de administração reduzido a três elementos.

Contornos finais da operação ainda estão em aberto

Apesar de ser claramente negativa, a opinião da Anacom não é suficiente para travar a compra da Media Capital pela PT, empresa controlada pelos franceses da Altice. Até porque as objeções agora conhecidas foram suscitadas em relação aos termos iniciais da operação, cujos contornos têm vindo a evoluir à medida que o comprador troca informação e responde a questões e dúvidas da Autoridade da Concorrência e do regulador dos media cujo parecer é mais decisivo.

O parecer da Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC) não só é obrigatório, como também é vinculativo em caso de chumbo. A ERC tem até 10 de outubro para comunicar a sua posição à Autoridade da Concorrência. Se a operação passar na ERC, a posição decisiva para o desfecho deste negócio passa a ser da Autoridade da Concorrência.

A compra da Media Capital pela Altice, através da PT/MEO, foi notificada ao órgão da concorrência no dia 11 de agosto. Depois de ouvidos os reguladores setoriais e as partes terceiras que se manifestaram interessadas nesta operação, onde estão grupos de media e de telecomunicações concorrentes, a Autoridade da Concorrência pode avançar para um processo de investigação aprofundada. Isto no caso de considerar que a operação em causa pode ter um impacto negativo na concorrência dos mercados de media e telecomunicações. Uma leitura que é claramente sustentada no parecer da Anacom. Neste cenário, a empresa compradora terá de apresentar remédios e compromissos em relação à operação proposta que mitiguem os efeitos negativos da concentração identificados pelos reguladores.

Depois do futebol, a televisão. Onde vai parar a guerra entre Altice e NOS?

A compra da dona da TVI pela maior operadora de telecomunicações portuguesa já foi classificada por empresas concorrentes, como a NOS, como uma operação única na Europa que levanta questões significativas ao nível da regulação. Um alerta feito por Miguel Almeida que antecipou as preocupações agora conhecidas da Anacom.

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A Altice, dona da PT/MEO anunciou em julho um acordo com a espanhola Prisa para comprar cerca de 95% da Media Capital por 440 milhões de euros. A par do processo de autorizações regulatórias, a compra da Media Capital pela PT/MEO tem ainda de ser validada no mercado de capitais onde foi lançada uma oferta pública de aquisição (OPA) sobre as ações da empresa portuguesa de media. A Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) decidiu nomear um auditor independente para fixar o preço desta OPA, devido à reduzida liquidez das ações da Media Capital na bolsa.